01/03/2012 - 0:00
VISIONÁRIO: na década de 1970, época em que o consumo de frango no País ainda era pequeno, Kaefer decidiu que era hora de apostar na criação de pintainhos e na produção de ovos férteis
O pôquer, diferentemente do imaginário popular, não é um jogo de sorte ou azar, mas de estratégia e habilidades. Trocando em miúdos, no pôquer, os jogadores recebem a mesma quantidade de fichas e cartas para duelarem em turnos. O volume da aposta e a obrigatoriedade em participar de uma rodada dependem exclusivamente do jogador, que decide, com base em suas cartas, quanto deve investir para levar a bolada da mesa. Jogador nas horas vagas e entre amigos, o empresário Roberto Kaefer, um dos donos e presidente da Globoaves, empresa do setor de avicultura com sede em Cascavel, no Paraná, município a 490 quilômetros de Curitiba, tem usado as estratégias do pôquer nos negócios. Kaefer, porém, não gosta de ser tachado de apostador, muito menos de blefador. Ele prefere ser reconhecido apenas pela ousadia em investir em sua empresa, focada na produção de ovos férteis e pintainhos (aves vendidas com poucas horas de vida), no abate de aves, em biotecnologia e na fabricação de rações. Mas sem perder a cautela, jamais. Essa postura equilibrada pode ser vista na previsão de crescimento da empresa, neste ano. Segundo Kaefer, o faturamento da Globoaves, que emprega nove mil funcionários, deverá bater em R$ 1,2 bilhão, um aumento de 5% em comparação a 2011. “Até poderíamos crescer acima dessa taxa, mas, como o setor avícola cresce nesse passo, não pretendemos avançar além da conta”, diz Kaefer.
INCUBATÓRIO: a Globoaves possui 12 unidades que produzem 720 milhões de ovos férteis por ano. Do total, são exportados 180 milhões de unidades para países do Oriente Médio e da América Latina, Europa e África
Com a possibilidade de investimentos represada pelo mercado, o que parecia um jogo sem saída, para o empresário é a oportunidade para jogadas criativas. Kaefer está convencido de que o momento pede investimentos em tecnologia. “Não vamos crescer de forma orgânica, mas queremos a modernização e inovação tecnológica.” Nos últimos três anos, a média de investimentos da empresa foi de R$ 60 milhões por ano, uma quantia apreciável para o setor. “Nos últimos tempos preparamos a empresa para o futuro, com a compra de unidades produtivas, além da reforma, ampliação e modernização das unidades já existentes”, diz. “Agora, o jogo mudou de direção.” Como o foco é em tecnologia e não mais em infraestrutura, os aportes para investimentos foram realinhados para R$ 50 milhões em 2012. “Como não gosto de perder, neste ano não vamos comprar nada, mas vamos aumentar o nível de automatização nas unidades de produção.” Atualmente, a Globoaves, maior empresa de capital fechado do setor de ovos férteis no País, possui oito granjas, oito fábricas de ração, oito frigoríficos e 12 incubatórios para a fertilização de ovos. A empresa detém 10% do comércio de ovos férteis no Brasil, com uma produção de 60 milhões de unidades por mês.
Hoje, a menina dos olhos do empresário são os ninhos mecânicos. A Globoaves vai investir na tecnologia para a produção de ovos férteis vendidos no mercado para a geração dos pintainhos, que depois são repassados às granjas. Atualmente, os ninhos mecânicos são utilizados apenas para a coleta de ovos comerciais, em geral por grandes produtores. Mas esses produtores sofrem perdas porque a mecanização da coleta pode provocar rachaduras na casca do ovo, fazendo com que ele perca valor de mercado. “Para nós será um desafio implantar o sistema para ovos férteis”, diz Kaefer. Nos incubatórios da Globoaves, a coleta de ovos, que hoje é manual, passará a ser totalmente mecanizada nos próximos cinco anos. A tecnologia é uma novidade nas granjas da empresa, fundada em 1985, e será introduzida aos poucos, começando pela unidade de Cascavel, que possui cem mil aves alojadas. “Vamos afinar a tecnologia para que não ocorram perdas”, diz Kaefer. Na primeira etapa da mecanização está programado um investimento de R$ 15 milhões.
Além dos ninhos high tech, a Globoaves também deve continuar a troca de equipamentos nos frigoríficos e incubatórios, como as novas linhas de evisceração de aves. O objetivo é reduzir perdas no processo industrial. Um dos equipamentos que entrarão em operação é o Girofreezer, para o congelamento ou resfriamento dos cortes de aves sem a necessidade de bandejas. Hoje, do total de 170 mil toneladas de frango abatido, 30% são vendidas em porções. “Congelado ou fresco, vender frango em pedaços agrega valor.” Kaefer, enquanto anda pelo pátio da matriz da empresa em Cascavel, vai dizendo à DINHEIRO RURAL o quanto aposta nas inovações que pretende realizar. A todo instante, ele aponta para o maquinário e implementos recém-comprados e empilhados pelo caminho. Mostra, por exemplo, as caixas onde estão os novos pisos para as granjas. Trata-se de um produto especial, com tecnologia que diminui a incidência de doenças nas aves ao eliminar boa parte da umidade dos alojamentos. “O piso será testado e se der certo será instalado em todas as unidades de produção”, afirma.
Kaefer diz que a estratégia de investimentos pesados da empresa não é uma novidade para o grupo, que teve origem em meados de 1980 no município de Toledo, vizinho a Cascavel. O embrião da Globoaves começou com seu pai, Henrique Helmuth Kaefer, dono de uma mercearia na década de 1970. O grande salto do pequeno negócio dos Kaefer aconteceu quando o filho do “seu” Henrique foi trabalhar na unidade recéminaugurada da Sadia na região, em 1976. Ele percebeu que o consumo de frango, comum aos domingos, estava prestes a aumentar, por conta do crescimento da renda dos consumidores e do preço acessível dessa proteína animal. “O Paraná não produzia quase nada de frango naquela época, e vi ali uma oportunidade”, diz. A constatação levou-o, em sociedade com o irmão Velci, a iniciar a compra e venda de pintainhos e de ovos na nova loja agropecuária, agora com o nome de Globo Comércio de Aves. O que se viu a partir daí foi uma jogada certa atrás da outra, quando os irmãos partiram para a compra de incubadoras, granjas e frigoríficos. “Em 1983, quando chegamos à produção de um milhão de pintainhos por mês, mudamos a sede da empresa para Cascavel e passamos o nome para Globoaves”, diz Kaefer, que segue à frente dos negócios da família desde então.
NINHOS MECÂNICOS: nos próximos cinco anos, a Globoaves pretende introduzir a tecnologia nas oito granjas que possui. O investimento inicial será de R$ 15 milhões
Hoje a empresa possui unidades em quase todos os Estados brasileiros e números de dar inveja a muita gente grande do setor. A Globoaves é a maior distribuidora brasileira de ovos férteis, cuja produção é de 720 milhões de unidades por ano, dos quais 180 milhões são exportados, via área, para países do Oriente Médio e da América Latina, Europa e África. A empresa responde por quase 10% da produção nacional de ovos férteis, hoje em 7,4 bilhões de unidades por ano. Nos frigoríficos, o abate é de 360 mil aves por dia, com capacidade de expansão de um segundo turno de trabalho. “A depender do mercado, estamos prontos para virar o turno e dobrar o volume de abates”, diz Kaefer. Aos 54 anos, o empresário parece não se incomodar com a carga de trabalho. O telefone não para de tocar, muitos sindicalistas da região lhe fazem visitas-surpresa, viagens são marcadas uma em cima da outra, além do corpo a corpo com sua equipe de gerentes, prática da qual ele não abre mão. “Estou sempre de olho em tudo o que acontece na empresa”, diz Kaefer horas antes de mais uma viagem à Argentina. No vizinho do rio da Prata, a Globoaves possui uma unidade de produção de ovos e pintainhos, o que lhe garante também a liderança no mercado local. Agora, ele está de olho no Paraguai, onde pretende montar mais um braço internacional da empresa, atraído pelo potencial de consumo existente. Mas há outro motivo para cruzar a fronteira do Paraguai. “Não dá para esquecer o meu passatempo preferido, o pôquer, que nossos vizinhos já liberaram”, diz Kaefer. “Assim, deixo o cérebro afiado e alerta.”