Quando terminou o tratamento do câncer de mama, há quatro anos, a servidora pública Marília Biscuola ouviu: “Esquece o câncer, vai lá viver sua vida e ser feliz”. Mas não foi tão simples assim. O fim do tratamento abre novas possibilidades, mas também impõe desafios na vida social, no trabalho e até no lazer de quem passou pelo tratamento. Em muitos casos, a doença reorienta a vida dos pacientes, que se veem diante de uma questão incômoda, mas necessária: “Superei o câncer. E agora?”.

Esse é o tema de uma série de perfis que o Estadão passou a publicar online sobre os novos rumos dos pacientes após a fase mais aguda do tratamento. As histórias, ainda em construção, captam dificuldades para voltar ao trabalho por causa do preconceito ou da própria dinâmica do mercado, conquistas pessoais, como filhos e novos hobbies, e, sobretudo, sonhos que mudaram ou deram lugar a outros.

Marília Biscuola descobriu que tinha câncer de mama quando fazia exames para engravidar aos 31 anos. Parecia uma sentença de morte quando mais pensava na vida, em suas palavras. A mãe dela, Lairce, chorava escondida. O chão só foi se formando de novo sob os pés da servidora pública depois da cirurgia de retirada da parte da mama, do tratamento bem-sucedido e de muita terapia. Foram quatro anos para que voltasse a fazer planos e alguns já ganharam vida. Literalmente. É o caso dessa menina de 8 meses que está agora no tapete da sala, tentando engatinhar e exibindo cinco dentinhos: Nicole.

Foi assim mesmo: Marília conseguiu engravidar depois da doença, sem tratamento. O barrigão era um peteleco naquela sentença, mas foi difícil superar a barreira emocional. “Aquele fantasma do câncer fica te assombrando e a gente fica com medo de ter de novo. Não queria deixar uma criança órfã. Trabalhei muito minha parte emocional.”

Do ponto de vista físico, não há restrições para que pacientes oncológicas se tornem mães na maioria dos casos. Existem situações, no entanto, em que a quimioterapia reduz a reserva de óvulos. “As pessoas estão começando a pensar em filhos mais tarde. A chance de engravidar vai diminuindo, independentemente de ter câncer de mama ou não”, diz a oncologista Daniela Rosa, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS e coordenadora do Comitê de Tumores Mamários da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

A grande questão, como observa Débora Gagliato, oncologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, é depois de quanto tempo a mulher pode engravidar após o fim do tratamento. “Ainda há controvérsias na comunidade médica.”

AMAMENTAR

E Marília foi além ao conseguir amamentar. São quatro vezes por dia ou de acordo com o apetite da menina risonha que não tira os olhos grandes do flash da câmera fotográfica. Marília utiliza sempre a mesma mama. A outra, submetida à cirurgia conservadora, a retirada de uma parte do órgão, não produz o líquido. Nicole está naquela fase gostosa (para os pais) em que a criança não faz as travessuras, apenas as imagina. Dá para entender por que ela é o centro das atenções na casa de Pirituba, zona norte da capital paulista. Ela simboliza a superação de uma doença que preocupa as mulheres.

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é o mais incidente em mulheres de todas as regiões, logo depois dos tumores de pele. A oncologista Débora Gagliato traz os números para mais perto da nossa realidade: uma em cada oito mulheres será diagnosticada com câncer de mama.

Dar à luz e amamentar foram a virada no placar que parecia perdido. Marília enfrentou obstáculos para voltar a trabalhar. Ela teve uma nomeação revogada para um cargo público por causa do histórico de saúde e precisou entrar na Justiça para se sentar na cadeira.

Deu certo. E ela está no mesmo emprego até hoje. Depois da repercussão do caso, publicado em 2020, passou a receber mensagens de pessoas que tiveram problemas semelhantes. Foi aí que ela percebeu a dimensão coletiva de seu drama individual.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.