23/03/2022 - 15:02
A juíza Cynthia Thome, da 6ª Vara De Fazenda Pública de São Paulo, deu decisão liminar (provisória) barrando a implantação de sistema de reconhecimento facial nas instalações do Metrô, que conta com quatro milhões de usuários e usuárias diários. A magistrada entendeu que há ‘potencialidade de se atingir direitos fundamentais dos cidadãos’, mas admitiu a instalação do sistema em razão do ‘investimento de grande monta’ por parte do Metrô e sob o entendimento de que a suspensão da execução do contrato ‘poderá gerar prejuízos irreversíveis’.
A decisão liminar (provisória) foi proferida nesta terça-feira, 22, no âmbito de ação ajuizada no início do mês pela Defensoria Pública de São Paulo, a Defensoria Pública da União e entidades civis. O grupo quer que seja proibido o uso da tecnologia de reconhecimento facial ‘massiva e indiscriminada’ nas dependências da companhia e ainda pede indenização de ao menos R$ 42 milhões – valor previsto em contrato para implementação da tecnologia – em razão de danos morais coletivos pelo prejuízo causado aos direitos dos passageiros e passageiras do Metrô.
Em seu despacho, Cynthia Thome indicou que é fato incontroverso que o sistema de reconhecimento facial é uma das funcionalidades do sistema contratado pelo Metrô, o sistema de monitoração eletrônica. Segundo a magistrada, o sistema está em fase de implantação, ainda não se encontrando em execução, sendo que o contrato não especifica como se dará tal funcionalidade.
No entanto, a juíza destacou que não foi disponibilizada qualquer informação sobre os critérios, condições, propósitos da implementação do software de captação e tratamento de dados biométricos dos usuários do sistema transporte, para uso no sistema de reconhecimento facial.
Segundo a juíza, documento anexado ao processo de licitação apresentou ‘requisitos técnicos mínimos’ sobre o software contratado pelo Metrô, chamado ‘sistema de monitoração eletrônica (SME): “o sistema de monitoração eletrônica envolverá o reconhecimento facial; necessariamente deverá ser usado um software privado, chamado SecurOS; as imagens de todos os usuários serão armazenadas; o sistema deverá estar preparado para carregamento de dados internos e externos; o sistema poderá entrar em operação integrada com outros sistemas de monitoração eletrônica com reconhecimento facial”
A juíza também entendeu ainda que o Metrô não apresentou ‘informações precisas’ sobre o armazenamento das informações e uso do sistema de reconhecimento pessoal.
A empresa argumento à Justiça que o tratamento de dados nas estações do sistema de transporte estaria ligado à Segurança Pública, seguindo a Lei Geral de Proteção de Dados, como ‘tratamento de dado necessário à execução de políticas públicas de segurança’.
No entanto, a juíza Cynthia Thome ressaltou que ‘nada está formalizado’: “A utilização do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a insegurança do sistema que se pretende implantar”.
Entenda o pedido das Defensorias e das entidades da sociedade civil
Na ação enviada à Justiça paulista, as Defensorias e organizações da sociedade civil alegam que o sistema de reconhecimento facial implementado pelo Metrô de São Paulo não atende a requisitos previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.
De acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, a ação é derivada da análise de documentos apresentados pelo Metrô no âmbito de um outro processo, que cobrou informações sobre a implementação do projeto que trata da realização de reconhecimento facial em quem utiliza o meio de transporte.
A ação argumenta que o reconhecimento facial e tratamento de dados pessoais dos usuários do metrô se dá ‘sem a devida transparência e disponibilização de informações necessárias’ e ‘sem consentimento’ dos usuários. A ação sustenta ainda que o Metrô não adotou ‘medidas para avaliação de impacto e mitigação de riscos inerentes à tecnologia de reconhecimento facial, conforme exigido em lei’.
“O uso de tecnologia de reconhecimento facial pela Companhia do Metropolitano de São Paulo é abusivo, desproporcional e violador de direitos humanos, fundamentais e dos consumidores, além de ocasionar danos ao usuário do transporte público”, registra trecho da petição inicial apresentada à Justiça.
A ação pontua efeitos específicos do sistema de reconhecimento facial sobre determinadas populações, como no caso de crianças e adolescentes, quando a ‘proteção de dados pessoais assume parâmetros mais exigentes’. “As violações massivas à privacidade, que se caracterizam como tecnologias de vigilância, afetam de maneira desproporcional alguns grupos”, dizem as autoras da ação.
As entidades também veem ‘impacto desproporcional’ de sistemas de reconhecimento facial sobre populações vulneráveis, em especial pessoas negras e da comunidade LGBTQIA+. O entendimento é o de que o sistema de reconhecimento facial nesses casos ofende o direito à igualdade e à não discriminação. “Em relação às pessoas negras e trans, são muitos os casos, públicos e notórios, aqui e no exterior, nos quais os sistemas de reconhecimento facial resultaram em gravíssimos erros baseados na discriminação algorítmica”, ressalta a ação.
COM A PALAVRA, O METRÔ
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com a companhia, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.
Quando a ação civil pública foi impetrada, no início do mês, o Metrô divulgou a seguinte nota:
“O Sistema de Monitoramento Eletrônico (SME3) não tem reconhecimento facial do cidadão ou qualquer personificação ou formação de banco de dados com informações pessoais. Ele é exclusivo para o apoio operacional e atendimento aos passageiros. Com ele, é possível fazer a contagem de passageiros, identificação de objetos, monitoramento de crianças desacompanhadas, invasão de áreas como a via por onde passa o trem, animais perdidos, ou monitoramento de deficientes visuais pelo sistema, gerando alertas nessas situações para que os funcionários ajam rapidamente.
A implantação do sistema atende aos requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O Metrô prestará todos os esclarecimentos necessários”