Após seis dias de depoimentos e interrogatórios de testemunhas e réus em ambiente tenso, o julgamento da pastora, cantora gospel e ex-deputada Flordelis dos Santos de Souza, no Tribunal do Júri de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, se aproxima do desfecho. Pouco antes das 19 horas deste sábado, 12, o Ministério Público começou a promover a acusação contra a ex-parlamentar, acusada de ser mandante do assassinato do marido, pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019. Se acusação e defesa usarem todo o tempo que lhes cabe, o júri deverá terminar na madrugada deste domingo, 13.

Os crimes imputados à ex-deputada são homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, com emprego de meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada.

Outras quatro pessoas são julgadas. São elas: Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada; Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, acusada pelos mesmos crimes de Marzy; Rayane dos Santos Oliveira, filha de Simone e neta de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada; e André Luiz de Oliveira, filho adotivo de Flordelis, acusado de uso de documento falso e associação criminosa armada.

Neste fase do julgamento, o MP fala por duas horas e meia e a defesa pelo mesmo tempo. Poderá haver réplica de duas horas das Promotoria e tréplica, com a mesma duração, pelos advogados de defesa. Depois, os jurados vão se reunir na sala secreta para votar os quesitos que embasarão a sentença.

Teses em confronto

Ao longo da semana, nos depoimentos e na ação da acusação e da defesa, confrontaram-se duas teses. O Ministério Público sustenta que Anderson foi morto por controlar a carreira de Flordelis, inclusive na parte financeira. Ela era uma cantora gospel de sucesso que se elegeu deputada federal em 2018 pelo PSD, na onda do bolsonarismo.

Nessa narrativa, Flordelis queria eliminar o marido havia muito tempo e até tentou envenená-lo, mas fracassou. A vítima passava mal, mas sobrevivia à intoxicação.

Já a defesa atribuiu o crime como uma reação a supostos abusos sexuais de Niel, como Anderson era conhecido, contra filhas e netas. Nessa hipótese, Flordelis não saberia das investidas do marido contra outras mulheres, teria participado do crime e seria inocente. A família de Flordelis, com mais de 50 filhos, entre biológicos, adotivos e afetivos, além de netos, teve testemunhas para os dois lados.

A nora da ex-deputada, Luana Vedovi afirmou em depoimento que a ex-parlamentar disse que teria quebrado o celular da vítima e jogado os destroços no mar. Segundo Luana, a ré confidenciou a ela e a dois filhos -, o marido, Wagner de Andrade, conhecido como Misael, e Daniel dos Santos -, ter destruído e descartado o aparelho. O objetivo seria apagar vestígios do crime. Houve também acusações de envenenamento da comida de Anderson.

Já duas netas de Flordelis, filhas biológicas de Simone dos Santos Oliveira e André Luiz de Oliveira – Lorrayne dos Santos Oliveira e Rafaela dos Santos Oliveira – acusaram Anderson de assédio. Rafaela teria sido atacada pelo pastor quanto dormia – ele teria passado as mãos em suas coxas e corpo. Já Lorrayne teria sido convidada pelo religioso para almoçar em um motel, o que recusou.

A própria ex-deputada deu seguimento à estratégia da defesa. Chorando, negou ter matado o marido e afirmou que o amava, mas disse que Anderson só conseguia ter prazer sexual quando a machucava quando faziam sexo.

Tensão com juíza

Uma tentativa do MP de questionar essa estratégia quase provocou o cancelamento do júri. Um dos promotores responsáveis pela acusação mostrou trecho do livro O Plano Flordelis: Bíblia, filhos e sangue, da jornalista Vera Araújo.

A obra atribui a Janira Rocha, uma das advogadas de Flordelis, conduta que, para a acusação, foi ilegal. “A advogada conta que, com a ajuda de Paula do Vôlei, usou a própria experiência de vida para persuadir algumas das ‘filhas’ de Flordelis a tornar públicas as investidas supostamente promovidas pelo pastor. Para criar empatia, a advogada abordava o assunto com elas revelando que havia sofrido abuso por parte do avô aos 8 anos.”

O Ministério Público insinuou que Janira teria manipulado testemunhas, o que é vedado por lei. A advogada prontamente negou. “Conversei com todas as partes, o que é essencial para montar a tese defensiva, mas jamais tentei manipular as testemunhas”, afirmou.

Para esclarecer a situação, a banca de defesa de Flordelis pediu à juíza do caso que determinasse que a jornalista autora do livro fosse ouvida. Em entrevista, o advogado Rodrigo Faucz afirmou que os defensores da ex-deputada poderiam abandonar o julgamento caso o pedido não fosse aceito pela juíza.

A magistrada consultou o MP e, após intervalo de quase uma hora, anunciou que não aceitava o pedido. Na mesma decisão, afirmou que, diante do indeferimento e da decisão dos advogados de defesa de abandonar o júri, declarava dissolvido o conselho de sentença e aplicava a cada um dos defensores multa no valor de 15 salários mínimos, como prevê o Código de Processo Penal.

Os advogados de defesa, então, protestaram. Afirmaram que não haviam decidido abandonar o julgamento: apenas haviam pedido à magistrada que, por conta dela, dissolvesse o júri. Houve uma reunião fechada, e as partes decidiram dar continuidade ao julgamento. A autora do livro não foi localizada.

Foi mais um embate entre defesa e a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, que preside o julgamento. Os advogados de Flordelis chegaram a defender, por mais de um ano, que a magistrada foi parcial no caso. Pediram o afastamento da juíza do processo. Mas os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio rejeitaram a exceção de suspeição contra a magistrada.