O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta segunda-feira, 19, por maioria dos ministros, pela inconstitucionalidade das emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”. Na quarta sessão de julgamento sobre o processo, o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou a relatora do processo, ministra Rosa Weber, foi decisivo para a definição do caso e derrubada do mecanismo, usado para negociações políticas no Congresso Nacional.

Como indicou o Estadão/Broadcast em reportagem publicada no início do mês, seis ministros da Suprema Corte votaram pela inconstitucionalidade do orçamento secreto. Enquanto cinco ministros se manifestaram pela manutenção do dispositivo, mas com divergências em relação às regras praticadas.

“No mérito, por maioria, julgou procedente os pedidos deduzidos nas ADPFs 850, 851, 854 e 1014 para declarar incompatíveis com a ordem constitucional brasileira as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado esquema do orçamento secreto, consistente no uso indevido das emendas do relator-geral do orçamento para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União”, disse Rosa Weber ao proclamar o resultado do julgamento.

O Supremo determinou que todas as unidades orçamentárias e órgãos da Administração Pública que fizeram empenho ou liquidação de recursos indicados via emendas de relator, entre 2020 e 2022, façam em até 90 dias a publicação dos “dados referentes a serviços, obras e compras realizadas com verbas públicas”. A Corte estabeleceu o mesmo prazo para que o governo identifique os autores e beneficiários dos repasses das emendas, “de modo acessível, claro e fidedigno”.

O STF ainda proibiu que o orçamento secreto seja usado para atender a indicações feitas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e usuários externos, “independente de tal requisição ter sido formulada pelos sistemas formais ou por vias informais”. Determinou também que a execução dos recursos via emendas de relator atendam a áreas em conformidade com os projetos e políticas públicas pensadas pelo Executivo.

Julgamento

O STF analisou quatro ações (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 850, 851, 854, 1014) que contestam as chamadas emendas de relator ao orçamento, origem do escândalo do orçamento secreto revelado pelo Estadão. As ações foram protocoladas por três partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL) – PSOL, Cidadania e PSB – e pedem que o orçamento secreto seja declarado inconstitucional.

Relatora do processo e presidente da Suprema Corte, Rosa Weber foi a primeira a votar e se posicionou pela inconstitucionalidade das emendas de relator. O voto da ministra foi seguido por Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Lewandowski, que apresentou o voto na manhã desta segunda. Já os ministros Gilmar Mendes, que também se pronunciou hoje, Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques e Alexandre de Moraes votaram a favor da continuidade das emendas de relator, mas com critérios.

Mendonça e Nunes Marques votaram por manter as emendas de relator, mas cobram mais transparência. O voto de Toffoli, por sua vez, sugeria a regulamentação do tema pelo Executivo e Legislativo, em até 90 dias, observando critérios como a alocação dos recursos de acordo com prioridades estratégicas do País e a isonomia no tratamento dos entes municipais.

Já Moraes propôs que o orçamento secreto seja executado desde que a distribuição e pagamento das emendas se encaixem no mesmo procedimento das emendas individuais em até 90 dias. De acordo com o ministro, a destinação dos recursos deve observar a proporcionalidade entre parlamentares da maioria e da minoria e entre bancadas do Congresso, “para evitar que haja privilégio de um parlamentar sobre o outro”.

Reflexos políticos

O julgamento no STF deve ter reflexos na relação entre o Congresso e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como mostrou o Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, o orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro. É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto vinha negociando apoio no Congresso.

A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Centrão para que a Câmara aprove, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo pagar o novo Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo, entre outras promessas. Os deputados ameaçavam desidratar o texto, ou até mesmo barrá-lo na Câmara, se o STF acabasse com o orçamento secreto.