A ideia do presidente Jair Bolsonaro de aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal caso seja reeleito é vista por juristas como uma ‘estratégia clássica dos governos autoritários’ e uma ‘ameaça para tentar domesticar’ a Corte máxima, que impôs diversos reveses ao chefe do Executivo. Advogados consultados pelo Estadão apontam que a discussão objetiva uma ‘manobra de modo a submeter o Poder Constitucional a um determinado interesse político’, argumentando ainda que trata-se de uma ‘iniciativa copiada’ da Venezuela de Hugo Chávez.

O advogado Fernando Neisser, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e da Comissão de Direito Eleitoral OAB-SP indica que o aumento do número de ministros ‘para obter maioria artificial’ é uma ‘estratégia clássica dos governos autoritários, que buscam quebrar o equilíbrio entre os poderes e o sistema de freios e contrapesos da constituição’.

“Não há dúvida que medida desse tipo seria flagrantemente inconstitucional, afetando cláusula pétrea que impõe a manutenção desse equilíbrio. Alterações na composições de cortes superiores só podem ser cogitadas no longo prazo, de modo a que não se beneficie um governante específico”, pondera.

Nesse ponto, o advogado Daniel Gabrilli de Godoy, mestre em Direito Administrativo, explica que a quantidade de Ministros que compõe o STF depende de emenda constitucional, cuja competência na sua aprovação e promulgação é exclusiva do Congresso Nacional. “Claro que o Poder Executivo pode influenciar a votação, o que é legítimo do jogo democrático e constitucional, mas a última palavra é do Congresso”, indica.

O advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e integrante da Comissão Arns de Direitos Humanos aponta que o presidente Jair Bolsonaro usa o tema como uma ‘ameaça para tentar domesticar’ o STF, o que, em sua avaliação, ‘apenas mostra o viés autoritário do Presidente, copiando iniciativa do Governo Chavez que transformou a Venezuela em uma ditadura.

Na mesma linha, o advogado Ernesto Tzirulnik, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, diz que a ‘ameaça’ de Bolsonaro ‘mostra duas coisas’: “que é falsa, a mais pura demagogia, sua abominação ao STF e que o que lhe interessa é ter maioria e controlar o Judiciário, como todas ditaduras sonham”.

A criminalista Emanuela de Araújo considera que a declaração do presidente ‘cria um alerta em relação à essa perigosa proposta de emenda constitucional que poderá ser mais uma arma contra o Estado Democrático de Direito’.

“É nessa onda que surfam os grandes líderes autocratas, onde revestidos na função de líder máximo de Estado se articulam internamente para desmontar a democracia, a exemplo de Vladimir Putin (Rússia), Viktor Orban (Hungria) e Hugo Chávez, mais especificamente no ano de 2003”, avalia.

Para a advogada, a fala do presidente ‘demonstra um flerte contínuo que (Bolsonaro) possui com a ditadura e revela sua resistência à democracia’. “Pode se dizer ainda que enuncia uma retórica ameaçadora ou chantagista ao dizer que aguarda o Supremo baixar a temperatura para decidir os rumos que levará com essa proposta”, completa.

O advogado Cristiano Vilela, integrante da CAOESTE/Transparencia Electoral – Confederación Americana de los Organismos Electorales Subnacionales, avalia que o discurso de Bolsonaro ainda vai na contramão do discurso de diminuição do ativismo judicial.

“Primeiro, porque na prática acaba por conceder mais poder ao órgão, o qual deveria se concentrar na solução dos conflitos de natureza constitucional. Seguramente essa medida vem a turbinar a força do Supremo e a promover condições a que este por vezes acabe por se envolver em problemas exteriores a sua competência”, pondera.

“Segundo , porque objetiva uma manobra política de modo a submeter o Poder Constitucional a um determinado interesse político. Todas as vezes na história em que isso ocorreu , o resultado foi desastroso para a democracia , como por exemplo no caso da Venezuela”, segue.