A força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro deflagrou nesta quarta-feira, 9, a Operação E$squema S para reunir provas sobre um suposto esquema que teria desviado pelo menos R$151 milhões do Sistema S fluminense (Sesc-RJ, Senac-RJ e Fecomércio-RJ), entre 2012 e 2018, através de contratos fictícios com escritórios de advocacia renomados no meio político.

Além da etapa ostensiva, com o cumprimento de 51 mandatos de busca e apreensão, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 26 pessoas pelos crimes de tráfico de influência, exploração de prestígio, peculato, estelionato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A denúncia foi aceita pelo do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que colocou o grupo no banco dos réus.

Os detalhes da investigação estão reunidos em relatório de 510 páginas elaborado pela Lava Jato. De acordo com a força-tarefa, as ‘vantagens indevidas’ teriam sido pagas a escritórios de advocacia influentes e com trânsito em tribunais superiores para blindar o empresário Orlando Diniz, hoje colaborador da Justiça, no comando da Fecomércio do Rio mesmo após irregularidades encontradas pelo Conselho Fiscal do Sesc envolvendo sua gestão. Como a Fecomércio é responsável pelo gerenciamento de entidades do Sistema S, que recebem recursos federais, Diniz passou a correr o risco de afastamento.

A suspeita é que o lobby dos advogados, que atuariam em troca de pagamentos milionários disfarçados nos contratos de fachada, teria atuado junto ao atual presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, ao seu antecessor, ministro Francisco César Asfor Rocha, e ao ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, para garantir a não punição e a permanência de Orlando Diniz no cargo.

Nos três casos, os filhos dos ministros, todos advogados e denunciados, teriam sido beneficiados em contratações pela Federação de Comércio do Rio. Os contratos com o escritório de Eduardo Martins envolveriam R$ 83 milhões, enquanto Caio Rocha teria recebido R$2,6 milhões e Tiago Cedraz obtido pagamentos na ordem de R$13 milhões.

O ‘agenciamento’ de Martins teria ficado a cargo do advogado Cristiano Zanin, defensor do ex-presidente Lula, e a negociação com Rocha e Cedraz teria sido viabilizada pelo ex-governador Sérgio Cabral e por sua mulher, Adriana Ancelmo. A investigação apontou que a ex-primeira dama chegou a se encontrar pessoalmente com o ministro César Asfor Rocha em novembro de 2015, ocasião em que, segundo a Lava Jato, se buscava decisão favorável no STJ.

A denúncia teve origem da delação premiada do próprio Otávio Diniz. Segundo a Lava Jato, quebras de sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático confirmaram as informações prestadas pelo colaborador. Ainda de acordo com a força-tarefa, a operação deflagrada hoje busca reunir elementos que podem ensejar em desdobramentos sobre o caso.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO CRISTIANO ZANIN

“1. Atentado à advocacia e retaliação. A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito. É público e notório que minha atuação na advocacia desmascarou as arbitrariedades praticadas pela Lava Jato, as relações espúrias de seus membros com entidades públicas e privadas e sobretudo com autoridades estrangeiras. Desmascarou o lawfare e suas táticas, como está exposto em processos relevantes que estão na iminência de serem julgados por Tribunais Superiores do país e pelo Comitê de Direitos Humano da ONU. O juiz Marcelo Bretas é notoriamente vinculado ao presidente Jair Bolsonaro e sua decisão no caso concreto está vinculada ao trabalho desenvolvido em favor de um delator assistido por advogados ligados ao Senador Flavio Bolsonaro. A situação fala por si só.

2. Comprovação dos serviços. De acordo com laudo elaborado em 2018 por auditores independentes, todos os serviços prestados à Fecomércio/RJ pelo meu escritório entre 2011 e 2018 estão devidamente documentados em sistema auditável e envolveram 77 (setenta e sete) profissionais e consumiram 12.474 (doze mil, quatrocentas e setenta e quatro) horas de trabalho. Cerca de 1.400 (mil e quatrocentas) petições estão arquivadas

em nosso sistema. Além disso, em 2018, a pedido da Fecomércio-RJ, entregamos cópia de todo o material produzido pelo nosso escritório na defesa da entidade, comprovando a efetiva realização dos serviços que foram contratados. Os pagamentos, ademais, foram processados

internamente pela Fecomércio/RJ por meio de seus órgãos de administração e fiscalização e foram todos aprovados em Assembleias da entidade – com o voto dos associados.

3. Natureza dos serviços prestados. Nosso escritório, com 50 anos e atuação reconhecida no mercado, foi contratado a partir de 2012 para prestar serviços jurídicos à Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), que é uma entidade privada que representa os 2 milhares de empresários e comerciantes daquele Estado. A atuação do escritório em favor da Fecomércio/RJ e também de entidades por ela geridas por força de lei – o Sesc-RJ e do SenacRJ -, pode ser constatada em diversas ações judiciais que tramitaram perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, e também em procedimentos que tramitam no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e perante outros órgãos internos e externos à entidade. Em todos os órgãos judiciários houve atuação pessoal e diligente do nosso escritório. A atuação do nosso escritório deu-se um litígio de grandes proporções, classificado como uma “guerra jurídica” por alguns veículos de imprensa à época, entre a Fecomércio/RJ e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), duas entidades privadas e congêneres de representação de empresários e comerciantes. Cada uma delas contratou diversos escritórios de advocacia para atuar nas mais diversas frentes em que o litígio se desenvolveu.

4. Abuso de autoridade. Além do caráter despropositado e ilegal de autorizar a invasão de um escritório de advocacia e da casa de um advogado com mais de 20 anos de profissão e que cumpre todos os seus deveres profissionais, essa decisão possui claros traços de abuso de autoridade, pois: (a) o seu prolator, o Sr. Marcelo Bretas, é juiz federal e sequer tem competência para tratar de pagamentos realizados por uma entidade privada, como é a Fecomercio/RJ, e mesmo de entidades do Sistema S por ela administrados por força de lei; a matéria é de competência da Justiça Estadual, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça; (b) foi efetivada com o mesmo espetáculo impróprio a qualquer decisão judicial dessa natureza, como venho denunciando ao longo da minha atuação profissional, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato; (c) foi proferida e cumprida após graves denúncias que fiz no exercício da minha atuação profissional sobre a atuação de

membros da Operação Lava Jato e na iminência do Supremo Tribunal Federal realizar alguns dos mais relevantes julgamentos, com impacto na vida jurídica e política do país. Ademais, foge de qualquer lógica jurídica a realização de uma busca e apreensão após o recebimento de uma denúncia – o que mostra a ausência de qualquer materialidade da acusação veiculada naquela peça.

Esse abuso de autoridade, aliás, não é inédito. A Lava Jato, em 2016, tentou transformar honorários sucumbenciais que nosso escritório recebeu da Odebrecht, por haver vencido uma ação contra a empresa, em valores suspeitos – e teve que admitir o erro posteriormente. No mesmo ano, a Lava Jato autorizou a interceptação do principal ramal do nosso escritório para ouvir conversas entre os advogados do nosso escritório e as conversas que eu mantinha com o ex-presidente Lula na condição de seu advogado, em grave atentado às prerrogativas profissionais e ao direito de defesa. Não bastasse, em 2018 a Lava Jato divulgou valores que o nosso escritório havia recebido a título de honorários em decorrência da prestação de serviços advocatícios.

Todas as circunstâncias aqui expostas serão levadas aos foros nacionais e internacionais adequados para os envolvidos sejam punidos e para que seja reparada a violação à minha reputação e à reputação do meu escritório, mais uma vez atacadas por pessoas que cooptaram o poder do Estado para fins ilegítimos, em clara prática do lawfare – fenômeno nefasto e que corroeu a democracia no Brasil e está corroendo em outros países.”

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS

Até a publicação desta matéria, a reportagem ainda buscava contato com os demais citados, sem sucesso. O espaço permanece aberto a manifestações.