10/05/2021 - 13:21
Comentarista do Financial Times, Martin Sandbu escreveu recentemente um artigo em que afirmou que surgiu um novo Consenso de Washington. Ao contrário da versão dos anos 1990, o novo modelo estimula gastos de governos em áreas que tragam retorno, como saúde e educação. Apesar de endividado, o Brasil terá de se enquadrar na nova realidade, acrescenta.
E a saída é gastando melhor. “A dívida elevada não muda o fato de que o Brasil também tem de se adaptar às circunstâncias desse mundo que está mudando, principalmente ao desafio climático global.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:
O Consenso de Washington falhou ou essa nova tendência decorre da crise da covid-19?
Falhou no sentido de que nunca foi um pacote de políticas que funcionou completamente. Se o país precisa balancear seu orçamento e faz pessoas não irem ao médico porque não podem pagar, você reduz a produtividade e a habilidade de financiar o orçamento. Erros parecidos, talvez menos extremos, foram vistos na crise da zona do euro. Países que receberam resgates financeiros foram obrigados a adotar algumas políticas contraproducentes que atrasaram o crescimento. Desde a crise global financeira, vimos a desaceleração da produtividade em países de renda alta, a queda contínua da taxa de juros, uma demanda insuficiente e um efeito contraproducente na consolidação fiscal. As pessoas começaram a dizer: ‘Não estamos entendendo como a economia funciona aqui’. Perceberam que não é verdade que (combate à) desigualdade e crescimento são coisas opostas. Não é verdade que a liberalização financeira sempre cria mais produtividade. O que vemos agora nos conselhos políticos é uma resposta a esse novo modo de pensar.
O novo consenso pode ser tão poderoso quanto o anterior?
O consenso anterior era tão poderoso porque as duas ‘Washingtons’ são muito poderosas. Tem a Washington da administração dos EUA e a Washington das instituições internacionais, do FMI e do Banco Mundial. Mas houve uma mudança. Os EUA perderam prestígio, e o FMI e o Banco Mundial também não são mais os únicos no jogo. Temos hoje instituições de países emergentes. As duas Washingtons não são mais tão dominantes, mas ainda são fortes. Quando Trump estava no comando, outros países se sentiram encorajados a copiá-lo. Agora, Biden está fazendo uma experiência econômica gigantesca, muito ativa. Isso vai facilitar para a Europa dizer: ‘Eles estão fazendo isso, talvez devêssemos nos preocupar menos em relação a gastar muito’.
Se o plano de Biden der errado, o novo consenso pode ruir?
Acho que sim, ao menos a parte que defende a política econômica ativa. Há um experimento não só fiscal, mas monetário. Se ele falhar, esse tipo de ideia morrerá nos círculos políticos. Mas, se funcionar, reforçará a tendência. O consenso tem outros elementos também, como a agenda sustentável. Essa parte não corre risco.
E como o sr. avalia o pacote de Biden?
A questão é como os países estão se financiando. A maior parte é financiamento doméstico. A pergunta a ser feita é: ‘qual política vai levar a um crescimento maior e mais sustentável?’ A sustentabilidade da dívida e o risco de emprestar depende não apenas de quanto você tem, mas de quanto terá no futuro para pagar a conta. Isso é mais fácil de se dizer para países de renda alta do que para países emergentes, que têm de emprestar de outros. Mas estamos rebalanceando o que significa finanças públicas sustentáveis. Elas dependem de com o quê o país gasta, se investe em produtividade. É importante destacar que as previsões para os EUA dizem que, no ano que vem e no seguinte, a economia será maior do que seria sem a pandemia. Isso por causa desse gasto extraordinário e desse financiamento.
A situação é diferente para os emergentes. Reformas ortodoxas não serão exigidas por investidores, como no passado?
Em termos de poder gastar, vai importar se o país construiu uma boa reputação entre investidores. Nesse caso, não será problema ser mais lento na abertura do setor financeiro ou investir na saúde e na educação, porque, no fim, o país vai conseguir aumentar a produtividade. Se o FMI diz que essa é a política que os países devem seguir, fica mais fácil para os emergentes.
O Brasil já está bastante endividado. Poderá fazer parte desse novo consenso?
O País já tem um Estado grande, mas tem muito potencial para melhorar como o governo gasta o dinheiro público. Isso tem de ser prioridade. Mas a dívida elevada não muda o fato de que o Brasil também tem de se adaptar às circunstâncias desse mundo que está mudando, principalmente ao desafio climático global. O País precisa pensar o que funcionará para sua economia daqui a 30 anos. E a resposta será uma população mais bem educada e saudável. Meu ponto é: o fato de que há um endividamento não muda os desafios. Eu sugeriria que o Brasil encontrasse modos de fazer empréstimos de forma segura, com prazos longos, para que não tenha de se refinanciar de repente quando as taxas de juros estiverem mais altas.
Há diferença entre o novo consenso e o keynesianismo?
Ele é mais amplo que o keynesianismo, pois inclui, por exemplo, uma nova visão de como a desigualdade ou a desregulamentação financeira excessiva podem ser ruins para o crescimento. Também engloba uma abertura para uma política industrial sofisticada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.