Luiz Pretti: para o presidente da Cargill no Brasil, a inovação vem junto com o que a empresa acredita, que é ter alimento seguro, saudável e sustentável (Crédito: Murillo Constantino)

O agrônomo Valdemar Fischer, diretor-geral da Syngenta para a América Latina, é fazendeiro. Há três décadas ele cria gado na fronteira gaúcha, no município de Unistalda. Mas Fischer raramente aparece na propriedade, ficando com o pai a missão de manter o serviço em dia. A razão é simples: não sobra espaço na agenda do executivo que começou a trabalhar nas empresas que um dia formariam a Syngenta ainda em meados dos anos 1980. Fischer, que morou no Equador, México e Estados Unidos, passou por todas as transformações da empresa de origem suíça, comprada pela ChinaNational Chemical há dois anos. Em 2017, a Syngenta faturou US$ 12,6 bilhões com agroquímicos e sementes. Mas, em tempos da chamada inovação aberta e colaborativa, na qual as companhias precisam olhar além de seu próprio negócio de maneira abrangente e sem nenhum preconceito pelo novo, agora ele tem um desafio adicional: fazer da Syngenta uma empresa aberta à inovação. O que significa, muitas vezes, se abrir para fora, observando como agem startups do agronegócio.

Campo de Ideias: as startups, empresas que amadurecem cada vez mais rapidamente, vêm ganhando a confiança dos produtores e atraindo mais investimentos dedicados à inovação (Crédito:Divulgação)

Não por acaso, no início deste ano, a Syngenta comprou a mineira Strider. Criada em 2013, a startup desenvolve tecnologia para controle de pragas e monitoramento de máquinas através de imagens de satélite. Tem cerca de 1,5 milhão de hectares em seu sistema no Brasil e nos Estados Unidos. A tacada da Syngenta foi o primeiro negócio de uma empresa do setor de agroquímicos no mundo das agtechs, as chamadas startups do agronegócio. “A gente quer aprender com os talentos das empresas que trazemos para dentro da Syngenta”, diz Fischer. “Porque não existe uma solução única, do ponto de vista tecnológico para o agricultor. Começamos a investir na área digital para trazer às fazendas opções de gerenciamento e de monitoramento, tornando mais eficiente as outras ferramentas que elas já têm.”

Foco e força: a pesquisa desenvolvida dentro das empresas vem buscando aderências com projetos inovadores para levar ao campo um conjunto de soluções personalizadas às necessidades dos produtores (Crédito:Divulgação)

A Syngenta não está sozinha nesse novo mundo das inovações colaborativas para o agronegócio. Há muitas outras empresas que enfrentam esse desafio. A DINHEIRO RURAL e a Flow Executive Finders, consultoria especializada em recrutamento e seleção de executivos, pelo quarto ano consecutivo, foram a campo para entender aspectos de lideranças nesse movimento que está levando as empresas do agronegócio a se reinventarem. Foram ouvidas e analisadas as ações de oito empresas e da AgTech Garage, que nasceu no polo de inovação em Piracicaba (SP), onde estão cerca de 300 startups em busca de soluções inovadoras para serem transformadas em produtos rentáveis. Além da Syngenta participaram do estudo a Cargill, a Yara, a Bayer, a Raízen, a Fibria, a John Deere e a Genesis Group. O projeto completo, com todos os detalhes das ações desenvolvidas por esse grupo, pode ser encontrado no site da DINHEIRO RURAL, acessando o documento “Inovação colaborativa chega para revolucionar o agronegócio brasileiro.” Além disso, as conclusões do relatório serão debatidas no 4º Encontro de Líderes do Agronegócio, com o tema “Open Innovation revoluciona o agro brasileiro”. O evento, promovido pela Flow e Editora Três, em outubro, é exclusivo para um grupo de executivos do setor. “O ambiente digital está levando muitas mudanças ao agronegócio e também à captura de talentos a esse novo ambiente de negócios”, diz Igor Schultz, sócio diretor da Flow. “Há um ambiente rico e meritocrático emergindo.”

Juntas, as oito empresas que mostraram como têm sido a abordagem no campo da inovação, faturaram globalmente cerca de US$ 110 bilhões no ano passado. Esse volume é mais do que o Brasil recebeu com as exportações do agronegócio, que foi de US$ 96 bilhões. A Cargill, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, com receita de US$ 30,4 bilhões, desembolsou US$ 30 milhões no ano passado somente para comprar a startup americana Descartes Lab, também dedicada a tecnologias de imagens por satélite. Mas ela também investiu junto com Bill Gates, fundador da Microsof, US$ 17 milhões na startup Memphis Meats, na Califórnia, que já produziu em laboratório carne bovina e de frango a partir de célula animal. “Estamos sempre pensando onde podemos inovar”, diz Luiz Pretti, presidente da companhia no Brasil. “E isso tem influência nos talentos que buscamos para essa nova fase, sem mudar a nossa convicção de que um alimento precisa ser seguro, saudável e sustentável.” No Brasil, com cerca de dez mil funcionários, a Cargill tem realizado uma série de eventos com temas como a “revolução digital empresarial”, nos quais eles são chamados para o centro dos debates.

José Augusto Tomé: a AgTech Garage, da qual é o CEO, nasceu para conectar as startups às grandes empresas do agronegócio (Crédito:Divulgação)

Na Raízen o projeto foi além. A joint venture da Cosan, controlada pelo empresário Rubens Ometto e a petroleira americana Shell, e que é hoje uma das maiores do setor de cana-de-açúcar e bioenergias do País, inaugurou o Pulse no ano passado, um polo de inovação dedicado ao agronegócio. De imediato, o Pulse atraiu a inscrição de cerca de 400 startups para ocupar as instalações de sua sede, no Parque Tecnológico de Piracicaba. Hoje há 12 agtechs nesse espaço. “Para a Raízen, é uma oportunidade única de aprender novas formas de trabalho”, diz Fabio Mota, diretor do Pulse. “E discutir ideias com um grupo extremamente qualificado de empreendedores.” Integram o Pulse empresas como a Perfect Flight, criada em 2015 para desenvolver soluções de dados georreferenciados na aplicação aérea de agroquímicos. Não por acaso, em julho, a Perfect Flight, que monitora cerca de um milhão de lavouras no Brasil, fechou uma parceria com a Syngenta. “A inovação faz parte do DNA da Syngenta. Dez anos atrás já estávamos trabalhando com foco no digital porque ele agrega valor a toda a cadeia”, diz Ariadne Caballero, líder em agricultura digital para Brasil e América Latina. “Com certeza estamos olhando várias outras áreas de investimentos. Como no próprio setor de agroquímicos. Mas há um elemento forte, que é a área de soluções financeiras”, diz Fischer. O executivo dá como exemplo de fronteira os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que são títulos de crédito emitidos pelas empresas. A Syngenta acaba de emitir R$ 400 milhões em CRA, a maior do setor de agroquímicos.

Fabio Mota: o diretor do Pulse, criado pela gigante Raízen, afirma que o centro de inovação é uma oportunidade da empresa aprender novas formas de trabalho (Crédito:Divulgação)

É impossível medir a quantidade de recursos financeiros que está sendo direcionada a esse novo modo gerir a inovação. Não há, ainda, como fazê-lo. Mas a SP Ventures, uma aceleradora para startups do agronegócio, já investiu R$ 69,6 milhões em novas ideias. Francisco Jardim, CEO da SP Ventures, diz que a evolução das agtechs foi brutal nos últimos quatro anos, fruto de uma maior conectivadade no campo. “A tecnologia das startups foi ficando mais madura, mais fácil de entregar e mais barata”, diz ele. “As empresas foram descobrindo como vender digitalmente e o produtor foi ficando cada vez propício a comprar pela internet. O ambiente convergiu.” O fato é que houve uma revolução em termos de alfabetização digital, com a popularização dos smartphones. “O que acontece na agricultura é o mesmo que aconteceu na internet, na indústria farmacêutica com a biotecnologia e em tantos outros setores da economia”, diz Jardim.

Pioneirismo: ao ser criado, no ano passado, o Pulse, centro de inovação da Raízen, atraiu a inscrição de 400 startups do setor do agronegócio, em busca de uma oportunidade para se desenvolverem (Crédito:Divulgação)

O Agtech Valley, o polo das 300 startups da região de Piracicaba, mostra como esse movimento é recente e o grau de sua ebulição em busca de novas inteligências. A ideia da AgTech Garage surgiu a apenas dois anos para conectar as startups às grandes empresas. José Augusto Tomé, um de seus fundadores, diz que o projeto, hoje com 12 startups, atende a uma demanda depois de longas conversas com as empresas. “Todas elas queriam estar perto dessa inovação trazida pelas startups, mas não sabiam como fazer”, diz Tomé. “O que fazemos é manter um relacionamento com as startups, criando confiança e entendendo profundamente os negócios e as tecnologias, para, em seguida, promover as conexões corretas com as grandes empresas.” A AgTech Garage tem nesse grupo empresas como a Bayer, a John Dere, a Genesis Group e a Ourofino. “Das 12 startups que apresentamos à Ourofino em novembro do ano passado, quatro estão fazenda negócio com a empresa”, afirma Tomé. A Ourofino, com sede em Cravinhos (SP), é a maior empresa de saúde animal que ainda é de capital nacional.

Como a Ourofino, as empresas modernas estão se espelhando no empreendedorismo das startups para se transformarem. Porque elas estão mudando a maneira como vão crescer daqui para a frente. O modelo é baseado no respeito ao passado, mas elas querem inventar um futuro. E precisam da ajuda das startups para essa missão. No caso da Yara, multinacional norueguesa de fertilizantes, esse movimento começou em 2015, quando foi criado na empresa o que ela chama de ecossistema de inovação. O mesmo vale para a Genesis Group, com sede em Londrina (PR). A empresa de certificações e monitoramento de processos em gigantes como Nestlé e BRF, e que pertence ao fundo inglês Actis, monitora esse ambiente em todo o mundo.

“Aceleradoras, startups e polos de inovação permitem a introdução de novas ideias para os nossos negócios”, afirma Luciano Brito, diretor de novos negócios da Genesis Lab, uma das divisões do grupo.

No caso da Fibria, uma das grandes companhias da área florestal, Fernando Bertolucci, diretor de Tecnologia e Inovação, diz que na empresa os talentos empreendedores recebem mentoria técnica e suporte financeiro para desenvolver projetos. Em busca desses talentos, no ano passado ela lançou o Fibria Insight com dois desafios: enxergar novas aplicações para a celulose microfibrilar, um tipo específico de produto dessa cadeia, e melhorar o processo de embalagem de fardos de celulose. Dois meses após o lançamento havia 46 propostas na mesa da empresa. “O conceito de open innovation não é novo para a Fibria”, diz Bertolucci. O que muda é a forma e a velocidade com que ela ocorre em diferentes talentos que chegam para interagir com a empresa. A Fibria, que faturou R$ 11,7 bilhões no ano passado, foi comprada neste ano pela família Feffer, dona da Suzano, outra gigante do setor.

Futuro: na Fibria, as pesquisas estão apontando novos usos para a celulose, como roupas e próteses médicas feitas em impressoras 3D (Crédito:Divulgação)

Na Bayer, o movimento em busca de talentos se intensificou em 2016, com uma ação global. A empresa de biotecnologias para a agricultura e a pecuária, criou o Grants4Targets para incentivar pesquisadores de startups, instituições científicas e universidades a encontrar soluções com foco no controle de plantas daninhas, doenças e pragas que prejudicam as lavouras. Para sustentar a iniciativa, a empresa destinou E 50 mil a ser repassado a projetos escolhidos. Renato Luzzardi, gerente de Alianças da Bayer para a América Latina, diz que a empresa recebeu cerca de 300 propostas, das quais cerca de 30 foram de empreendedores brasileiros. “O grande benefício para o agricultor serão produtos, soluções e serviços mais customizados para suas necessidades”, afirma ele. O Grants4 Targets está dentro de um outro programa, o Bayer Open Innovation Portal, que abre possibilidades de colaboração em diferentes áreas do conhecimento humano. Quem visita o site encontra uma variedade de projetos no segmento de agronegócios, podendo apresentar suas propostas e buscar apoios.

Renato Luzzardi:
para o gerente de Alianças da Bayer, a procura por talentos não tem fronteira (Crédito:Marcelo Ribeiro)

“As empresas estão de olho nas inovações trazidas pelas startups”

Nos últimos dois anos, Francisco Jardim, 38 anos, recebeu 400 solicitações para que analisasse a viabilidade de startups. Jardim é CEO da gestora de investimento SP Ventures, em São Paulo, a única do setor que se dedica a prospectar empresas que possam se transformar em grandes negócios dedicados às soluções para o campo. Administrador formado pela americana Saint Louis University, ele está nesse mercado há uma década. Hoje, a SP Ventures tem 13 empresas sob a sua guarda, investindo em sistemas de gestão para fazendas de agricultura e de pecuária, em fertilidade do solo, drones, satélites e biotecnologias. No mês passado, a SP Ventures realizou o primeiro financiamento colaborativo no agronegócio (crowdfunding, em inglês), no qual investidores pessoas físicas compram ações de startups. Os investidores anjos, como são chamados, injetaram R$ 2 milhões na Horus, especializada em tecnologias para drones. Na entrevista a seguir, ele fala das transformações do cenário agropecuário no País e como as empresas, os produtores e as cooperativas começam a se engajar no admirável mundo novo das agtechs.

Os jovens talentos que vêm formando agtechs, necessariamente, devem estar conectados ao campo ou podem ser desgarrados do mundo do agronegócio?
Quem está no campo e nas grandes empresas, e isso vale para todos os setores da economia, não têm capacidade de pensar e executar fora da caixa. Os talentos nas empresas conseguem ter ideias para melhorar e incrementar o que realmente já fazem. Mas pensar radicalmente fora da caixa, ter uma ideia de ruptura, como o Uber, por exemplo, é muito difícil. O Uber nunca nasceria dentro de uma empresa de taxi porque o modelo vai contra a sua operação. Em uma empresa ninguém vai destruir o próprio negócio pensando em criar uma coisa melhor.

Claudio Gatti

No campo também há rejeição pelo novo?
Até dois anos atrás, quando a gente ia falar com o produtor ou com o mercado, havia um preconceito grande em relação às agtechs. Diziam “ah, são os garotos que não entendem e não sabem o que está acontecendo no campo”. Quando há uma revolução tecnológica vindo para o mercado, uma primeira fase é de não aceitação, em grande parte. Mas a adoção das tecnologias das agtechs começaram a crescer, a levantar mais dinheiro por causa de resultados. Problemas iniciais em novos produtos sempre há, mas eles vão melhorando rapidamente. Hoje, as soluções estão claramente numa curva de adoção acelerada.

E quais são os problemas desses novos produtos?
Ainda existe um monte de problemas, inclusive de infraestrutura, de conectividade no campo e um operador rural com pouca intimidade com tecnologias digitais. Mas isso está mudando. Olhe o caso da Strider, que no mercado diziam não ser uma startup de agronegócio porque nem agrônomo havia na equipe. A Syngenta foi lá e comprou a empresa, pagou uma grana que o mercado calcula em pelo menos 20 vezes a sua receita. Por que a Syngenta, que entende tudo de agronegócio no mundo todo, tem milhares de agrônomos superespecialistas, pagou tanto dinheiro por uma agtech? As empresas estão de olho na inovação. No nosso caso, das 13 empresas que monitoramos algumas também já receberam proposta de compra, mas ainda não é a hora.

Por que não aproveitar a onda?
Porque a mentalidade começou a mudar nas grandes empresas e esse movimento está somente no começo. Então, como as startups não estão totalmente maduras do ponto de vista de seus criadores, por que vender hoje, por exemplo, uma por US$ 50 milhões se daqui a três ou quatro anos ela pode ser vendida por US$ 300 milhões?

Qual o ritmo do movimento de criação de agtechs à disposição do mercado?
Acompanho o ritmo desse mercado há dez anos. A velocidade sempre foi grande, mas sobre uma base muito pequena. De quatro anos para cá o cenário mudou. Isso pode ser visto na Agrishow, em Ribeirão Preto (SP). Antes não havia startups nessa feira e na última edição elas estavam em muitos estandes, como a John Deere, por exemplo. Somente ela levou quatro startups. Na SP Ventures, de 2007 a 2015 apareceram 57 agtechs para serem analisadas. De 2016 até abril deste ano recebemos cerca de 400 solicitações. A quantidade aumentou e a qualidade dessas empresas também, com empreendedores mais maduros e qualificados, em busca de oportunidades.

Os produtores vão desfrutar desse movimento financeiro?
Acho que vão ter bolsos inesperados entrando nesse setor. Os bancos, como Bradesco e Itaú, há três anos nem olhavam para o Nubank, uma startup financeira. Hoje querem acelerar a digitalização da agricultura para fornecer seguro, crédito, reduzir as assimetrias, os riscos de pragas e precificar melhor o custo de uma apólice. As cooperativas querem acelerar as tecnologias e as soluções para os seus cooperados. Querem virar sócios da inovação porque detêm escala. Imagina isso em uma cooperativa de dez mil produtores. E os grandes produtores já começam a ver oportunidades nas agtechs. Eles querem participar do valor que estão criando ao utilizar uma nova tecnologia. E vão entrar mais segmentos, como o de logística e grandes cadeias de insumos, só para citar mais algumas.

Que novo mundo emerge desse movimento?
Um mundo de inovações constantes baseadas na colaboração, como no crowdfunding. A gente conversa muito com a equipe de capital de risco da Syngenta, nos Estados Unidos. Discutimos com eles uma tese de modelo de ruptura na distribuição de produtos agrícolas. Descobrimos uma startup em Rosario, na Argentina, chamada AgroFay, que deve vir para o Brasil ainda este ano. É como se fosse um mercado livre, uma Amazon de produtos agrícolas. A SP Ventures, junto com a Syngenta e a Bunge, está investindo US$ 6 milhões nessa empresa de Rosario. Três anos atrás essas empresas não olhavam para uma agtech como essa.