07/03/2023 - 19:10
Um ano desafiador, mas vencido. Esse é um dos resumos possíveis para o agronegócio quando se fala em 2022. Como se não bastasse o impacto de dois anos da pandemia, em 20 de fevereiro do ano passado o mundo foi surpreendido pela guerra da Rússia contra a Ucrânia. A consequência mais temida no Brasil foi a ameaça de desabastecimento de fertilizantes, insumo cuja Rússia é a maior fornecedora com 25% do total importado em 2021. Não faltou produto, mas a escassez elevou o custo da produção. Ainda assim, o VBP Agrícola cresceu 3,3% e o Brasil exportou US$ 159 bilhões no acumulado do ano. Resultado que o setor comemorou graças à resiliência do produtor. Na impossibilidade de homenagear a todos, a DINHEIRO RURAL escolheu cinco personalidades de destaque. Nas próximas páginas, o leitor conhecerá as razões que fizeram o conselho editorial eleger Vanusia Nogueira, diretora executiva da Organização Internacional do Café (OIC), como Personalidade do Ano; Bernardo Fabiani, CEO da Terra Magna, como Empreendedor do Ano; Kwami Alfama, CEO da Tereos Amidos e Adoçantes até dezembro de 2022, destaque em Liderança; Luiz Chacon Filho, CEO da Superbac, em Pesquisa e Desenvol-vimento; e Leandro Pinto, CEO do Grupo Mantiqueira em ESG.
PERSONALIDADE DO ANO
Primeira mulher a frente da OIC
Quinta geração de família de cafeicultores mineiros, Vanusia Nogueira decidiu ainda cedo que seu destino seria bem longe da plantação cultivada por anos a fio pelos pais, avós e bisavós. “Éramos pequenos produtores e a vida naquela época não era fácil”, disse à RURAL. Incomodada com as privações que vivia, decidiu sair de casa aos 17 anos para estudar. Assim, começou uma carreira que a levou para o mundo corporativo. Mas se ela pensou que havia deixado o café, o café arranjou um jeito de trazê-la de volta. Em maio de 2022, Vanusia se tornou a primeira mulher a ocupar a presidência da centenária e conservadora Organização Internacional de Café (OIC).
A história da Vanusia é curiosa. Mesmo tendo dedicado os últimos anos à construção de um setor cafeeiro mais forte nacional e internacionalmente, manteve sua promessa e até hoje nunca trabalhou com a produção da commodity. Essa virada do mundo corporativo para o agronegócio foi meio circunstancial. Em 2002, após anos trabalhando na PwC Consulting, tirou um ano sabático e voltou para a terra natal onde começou a plantar rosas. “Meu objetivo era entrar no mercado de exportação em parceria com a Holambra, mas eu precisava de ajuda com estrutura”, afirmou. Foi quando recorreu ao Porto Seco, em Varginha (MG). Ali ouviu que não tinham condições para apoiá-la nesse projeto, mas que precisavam de ajuda para o café.
Naqueles anos, conta a executiva, a commodity era vendida a quarenta centavos de libra. “Era insustentável e a minha resposta foi que eu não entendia nada da cafeicultura.” Mas o trabalho era para ajudar o setor a mudar sua imagem e expandir as exportações. Ela topou. Poucos meses depois, foi convidada para assumir o Centro de Comércio de Café de Minas Gerais. Sua missão era ir para o mundo abrir negócios. Foi quando conheceu o conceito de comércio justo. “Para meu espanto, o Brasil não participava do movimento”. Segundo ela, eram duas as razões: eles achavam que a produção brasileira era de baixa qualidade e que era dominada por latifúndios, e não por agricultores familiares. Condições para integrar o grupo.
Como parte do trabalho, ela trouxe uma delegação internacional para o País e começou a realizar por aqui o Cup of Excellence, a mais relevante premiação do setor. A partir daí surgiram oportunidades como o convite do então governo mineiro de Aécio Neves (2003-2010) para comandar o Centro de Excelência do Café e, finalmente, para se juntar à diretoria da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). O trabalho repercutiu tanto que culminou no convite para se lançar a presidente da OIC.
Até o fim do mandato daqui a cinco anos, Vanusia quer melhorar as condições de crédito para os produtores e deixar um legado: “que todos estejam abertos a fazer diferente e melhor”. E assim garantir a sustentabilidade do setor.
LIDERANÇA
Cultivando a diversidade
Natural de Cabo Verde, na África, Kwami Alfama chegou ao Brasil já adulto para estudar. Cursou engenharia em Minas Gerais e depois seguiu com mestrado e MBA. Foi na academia que teve o primeiro contato com a branquitude brasileira: na graduação ele era um dos três negros na sala de aula. A condição encontrou respaldo no mundo corporativo. “Ao longo dos anos sempre fui um dos únicos, senão o único negro em posições de liderança”, afirmou o executivo em recente entrevista à ISTOÉ DINHEIRO.
Segundo pesquisa realizada pela Spencer Stuart, comumente citada por ele, apenas 4% das 500 maiores empresas do País têm negros na liderança. “No conselho de administração esse número é tão pequeno que nem entrava na conta”, afirmou. Entre empresas do Ibovespa, nenhuma é comandada por um negro. À frente da Tereos Amido & Adoçantes Brasil, líder global nos mercados de açúcar, álcool, etanol e amidos, até dezembro de 2022, Kwami enfrentou o mesmo cenário. Negros em posições de alta liderança no agronegócio não enchem os dedos de uma mão.
Foi durante a pandemia que o problema ganhou mais força para o executivo. “Durante as reuniões on-line, eu procurava no vídeo por pessoas pretas e quase não achava. E isso me incomodou ainda mais”. Em vez de ficar parado, o executivo resolveu agir. Há um ano, lançou o Pactuá, palavra que surgiu da mistura de pacto com patuá. Seu objetivo é mudar o caminho traçado por brancos para profissionais pretos, ajudando-os a ultrapassar barreiras e chegar ao comando das corporações.
Formado inicialmente por 12 executivos negros — oito homens e quatro mulheres —o Pactuá atua em cinco pilares estratégicos: ampliação do conhecimento que a comunidade tem sobre ancestralidade; retribuição à sociedade pelo espaço que conquistaram e abertura de portas para os próximos talentos; educação e informação para a construção de uma sociedade mais justa; promoção da diversidade em todos os elos da cadeia de valor; e trabalho em prol de profissionais negros removendo barreiras para seu crescimento e desenvolvimento. Aqui, promovem mentorias a jovens negros e negras, além de ajudar na criação de uma rede de indicações voltadas a cargos de liderança.
Com autoridade de quem sabe os problemas enfrentados pelos grupos minorizados, Kwami vem se consolidando como uma grande liderança da diversidade não só para o agro como para o Brasil.
*Com reportagem de Anna França.
EMPREENDEDOR
Brasil como diferencial competitivo
Bernardo Fabiani tem uma história incomum no agro. Ele não veio do campo, nem do mercado financeiro. Na verdade é engenheiro eletrônico e sua experiência prévia foi na Força Aérea Brasileira (FAB). Sua rotina incluía tarefas nada triviais como trabalhar com mísseis. “Coisas peculiares que não faço mais”, disse à RURAL. A relação com o agronegócio nasceu de um sonho e de uma premissa. O sonho: “Eu queria construir uma empresa”, disse. A premissa: estar no Brasil tinha que ser uma vantagem competitiva. “A escolha do agro foi uma convergência desses dois desejos, com trocas com mentores que nos mostraram as oportunidades do setor”. Assim, em 2017 nasceu a TerraMagna, empresa que se propõe a revolucionar o crédito no campo.
Na primeira modelagem do negócio, resolver a falta de crédito já era o core. Só que, segundo Fabiani, apesar da causa estar certa, a solução apresentada ao mercado estava errada. A ideia inicial era fazer mitigação de riscos para operações de crédito na agricultura, porque acreditavam que dessa maneira iriam destravar o crédito para o produtor. Mas não foi bem assim. “O agro brasileiro precisa de muito mais crédito do que o Brasil pode subsidiar”. Só que essa característica, por mais que seja marca de sucesso, prejudica o produtor que precisa recorrer aos bancos privados. “Ao tomar crédito caro, ele tem margem menor, investe menos e produz menos.” Para ganhar mais, ele expande a área, faz mais dívidas e entra em um ciclo vicioso.
Diante da dinâmica, a TerraMagna logo percebeu que reduzir a percepção de risco não seria suficiente para trazer capital para o campo. Repensaram o negócio e em 2019 decidiram que a própria empresa irar captar recursos no mercado de capitais e oferecê-lo para o agricultor. “Nesse novo modelo conseguimos de fato solucionar o problema”. A operação começou pequena com R$ 50 milhões e hoje a carteira é de R$ 800 mihões.
No ano passado, destaque para o primeiro Fiagro de papel do Brasil. Em termos práticos, disse Fabiani, a operação permite à empresa ter muito mais “liberdade de decidir onde o capital será aplicado e qual produtor será financiado”, afirmou. Isso se reverte em mais celeridade nas operações o que permite maior ritmo para o crescimento dos negócios.
Na macroeconomia, a preocupação é com a alta de juros. Mas, novamente, trabalhar com o agronegócio se mostra uma vantagem. “O arrefecimento da economia acaba diminuindo a demanda de vários produtos, mas não para o agro”, disse Fabiani. Mesmo com juros altos ou inflação, o campo brasileiro continua alimentando milhares de pessoas, seja no mercado interno ou externo e com vantagens que só o Brasil tem. O que mostra que Fabiani escolheu bem o setor na hora de empreender.
DESTAQUE EM ESG
Passo rumo à sustentabilidade
Quase ao apagar das luzes de 2022, mais exatamente no dia 7 de dezembro, Leandro Pinto, fundador do Grupo Mantiqueira, surpreendeu o mercado. Em uma só tacada comprou a Rizoma Agro e a Fazenda da Toca, empreendimentos fundados por Pedro Paulo Diniz que trazem em seu DNA a agricultura regenerativa e a economia circular. Funciona assim: a Rizoma produz grãos orgânicos que se transformam em ração para as galinhas da Fazenda da Toca, onde se produzem ovos orgânicos e esterco que volta para a Rizoma em forma de insumo. Agora toda essa tecnologia está a serviço do Mantiqueira. “Os aprendizados que chegam serão espalhados e absorvidos por todo o grupo”, afirmou Pinto à RURAL.
A busca pelo alinhamento às melhores práticas ambientais não é novidade na líder em avicultura no Brasil. Segundo o executivo, a preocupação começou de maneira mais estruturada por volta dos anos 2000 após uma necessária mudança de cultura. “O esterco produzido pelas galinhas começou a ser um problema para a empresa até que enxergamos ali uma oportunidade de negócio”, afirmou. Em vez de ser descartado no meio ambiente, o material passou a ser vendido para usinas de cana-de-açúcar substituindo parte dos fertilizantes químicos. Hoje mais de 150 mil toneladas de compostos orgânicos são comercializadas pelo grupo. Mas olhar para aquele problema fez a companhia ver que sua atuação socioambiental era maior do que pensavam os executivos. Assim eles lançaram o primeiro relatório de sustentabilidade. E viram também que ainda havia muito o que fazer.
Foi dessa segunda percepção que Leandro Pinto e o sócio Carlos Cunha lançaram um manifesto informando ao mercado que a partir dali não construiriam mais nenhuma granja de gaiolas. Era uma grande quebra de paradigma para o executivo que sabia que precisava reinventar seu negócio. “No começo, o objetivo era produzir o máximo possível independentemente do impacto. Mas após conversas com ONGs e observando o consumidor, vimos que o ESG é essencial para o futuro do negócio”, disse Pinto.
Com 14,5 milhões de galinhas em suas fazendas, a meta do grupo é ter ao menos 2,5 milhões soltas até 2025. Hoje são 1,7 milhão. Leandro Pinto acredita que conseguirá antecipar a meta, mas o desafio é grande. “Sabemos que o futuro é de galinhas livres de gaiola, mas isso requer tempo e dinheiro”, afirmou.
Esse é só um dos aspectos na longa jornada ESG em curso. A vantagem é que o grupo agora tem em sua estrutura a maior escola prática de agricultura regenerativa. Basta que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) dê seu aval para que o voo do Mantiqueira rumo às melhores práticas saia da Toca e se dissemine por todas as granjas do grupo.
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
Alquimista dos biológicos
Quando fundou a Superbac em 1995 aos 19 anos, Luiz Chacon Filho sonhava grande, mas dificilmente cravaria que ao fim de 2022 estaria preparando o IPO de sua empresa de biotecnologia na Nasdaq, a bolsa americana. Pois foi o que aconteceu. Após investir R$ 100 milhões em sua biofábrica no interior do Paraná em 2021, Chacon viu o sonho se materializar no ano seguinte ao romper a barreira de R$ 1 bilhão de faturamento e ao fechar a fusão de sua empresa com o primeiro Spac da XP, uma empresa cheque em branco criada com a intenção de incorporar outra companhia. Segundo comunicado oficial, “espera-se que a empresa combinada tenha um valor patrimonial implícito pro forma pós-dinheiro de até aproximadamente US$ 500 milhões”.
Todo esse movimento anunciado em abril de 2022 trouxe diversos ganhos para uma companhia que tem foco na ciência, na pesquisa e no desenvolvimento. “Amadurecemos muito nas boas práticas de compliance, governança, responsabilidade social e ambiental”. E olha que a Superbac é desenhada em sua origem para ser ambientalmente correta. De forma sintética, Chacon explica que a companhia está inserida no que chama de a 4ª Revolução. “Nossa biotecnologia chega para revisitar as revoluções agrícola, industrial e tecnológica refazendo os processos de forma sustentável”, afirmou à RURAL.
Para dar conta de tamanho desafio, a biofábrica conta com cinco laboratórios que reúnem especialistas de múltiplas áreas. De biólogos a engenheiros. Das imensas tubulações que compõem a operação, saem produtos para diversos segmentos industriais. O agronegócio é somente um deles. Lá, Chacon e seu time produzem uma mistura de bactérias que diminui em até 50% a necessidade de fertilizante NPK, enquanto aumenta a produtividade quando comparada a outros fertilizantes. O segredo, segundo o fundador, está na mistura da observação dos processos biológicos com a tecnologia. “Identificamos como a natureza resolve os problemas da humanidade e replicamos na velocidade que precisamos”.
Para 2023, a grande expectativa é mesmo o lançamento das ações da Superbac na Nasdaq. Processo que não mudará o controle ou comando da companhia que continuará com Luiz Chacon Filho. “Vou continuar à frente dessa nova etapa”, afirmou o executivo que justifica a escolha pelo IPO fora das fronteiras brasileiras. “Ao nos tornarmos a primeira empresa brasileira de biotecnologia listada na Nasdaq teremos uma visibilidade internacional mais significativa”. Como resultado, a empresa espera crescer roubando mercado inclusive das concorrentes americanas. “Enquanto lá o uso de tecnologias similares não passam de 400 mil hectares, aqui fechamos 2022, com 4,5 milhões de hectares”. Terreno fértil que Chacon quer ocupar com biotecnologia nacional.