08/03/2017 - 11:57
A França, um país que é do tamanho do Estado de Minas Gerais, produz 1,9 milhão de toneladas de 1,2 mil tipos de queijo por ano. Não há uma única região na qual a atividade queijeira não faça parte da cultura e da economia local. O brie, de pasta mole e crosta branca, é produzido na região de Seine-et-Marne. Já o comté, um dos mais populares, é produzido nas montanhas da Franche-Comté, na região do Jura, por pequenas cooperativas conhecidas como fruitières. Na categoria dos queijos de cheiro forte está o maroilles, da região de Picardie. Mas os que fazem mesmo sucesso, em matéria de produto gourmet, são os da Normandia. Três são considerados pelos mestres queijeiros de todo o mundo como soberbos: o camembert, o livarot e o pont-l’êveque. O camembert, por exemplo, uma criação da época da Revolução Francesa, no final dos anos de 1790, é feito de leite cru. Não por acaso, o queijo conta a história da França e ajuda a economia do país a movimentar € 26 bilhões por ano, principalmente no mercado interno. Agora, os produtores franceses e a sua indústria de lácteos querem aumentar a presença no Brasil. “Com certeza, vamos ter mais queijos franceses na mesa dos brasileiros. Isso é bastante claro para nós”, diz Laurent Damiens, 52 anos, diretor de marketing do Centro Nacional Interprofissional de Economia Leiteira (CNIEL), organismo fundado nos anos 1970, que reúne federações de produtores, cooperativas de laticínios e indústrias daquele país.
Damiens esteve no Brasil com uma missão de executivos franceses. Ele se reuniu com importadores e participou do Bonjour French Food em São Paulo, evento que vem sendo realizado em alguns países, entre eles Japão e Austrália, com o objetivo de apresentar o agronegócio francês. De acordo com Michel Bianchi, responsável pelo Serviço Econômico Regional da França, em São Paulo, o Brasil faz parte de um bloco de países nos quais a expectativa é de expansão do comércio. “Hoje, das ações dos organismos de comércio exterior, cerca 40% se concentram na América Latina, como México, Cuba, Argentina e Brasil”. No entanto, o País ainda importa pouquíssimos produtos lácteos franceses. Na última década, as compras variaram entre 1,6 mil toneladas por ano a 1,9 mil toneladas, em 2016, por US$ 9,3 milhões, de cerca de 30 tipos de queijo. Para os Estados Unidos, a França vende 25 mil toneladas de 400 tipos. No caso das importações brasileiras, a exceção foi 2013, ano em que o País importou 3,4 mil toneladas, por US$ 20,5 milhões. Aumentar a presença no mundo também é uma questão de sobrevivência para os produtores de leite da França e faz parte da estratégia de negócios dessa cadeia produtiva. Isso porque atualmente o país produz mais do que consome e está se preparando para produzir muito mais nos próximos anos. A meta do setor é chegar em 2020 processando anualmente até 27 bilhões de litros de leite de vaca. Atualmente são 24,5 bilhões de litros por ano. O volume extra, de cerca de três bilhões, devem ser dedicados exclusivamente à exportação.
A cadeia leiteira na França passou por uma radical transformação nas últimas duas décadas, baseada na concentração em todos os setores. De 150 mil produtores daquela época, hoje há 67 mil. Porém, o número de vacas leiteiras permanece praticamente inalterado: 3,7 milhões, principalmente das raças holandesa, montbéliarde e normanda. “Antes, a média era de 25 vacas por produtor, agora é de 55 vacas”, diz Damiens. “Em dez anos, 35 mil produtores passaram a ter 100 vacas ou mais.” A produção média anual tem sido de 370 mil litros por fazenda.
Além da concentração, nos últimos cinco anos, as fazendas francesas investiram € 4 bilhões para se modernizar, principalmente em instalações visando o conforto e o bem estar dos animais. De acordo com Damiens, isso é reflexo de uma nova geração de pecuaristas que estão indo para o campo. “Temos como certo que 90% dos produtores que deixaram o leite por se aposentarem, os filhos não herdaram a atividade”, diz ele. “Hoje, quem está indo para o campo produzir leite são profissionais da cidade em busca de qualidade de vida, como administradores, publicitários, advogados, com uma super formação e que pensam em economia de escala.”
INDÚSTRIA A contrapartida de alianças que visam a venda de produtos lácteos processados tem um motivo. A indústria francesa do setor também tem passado por transformações profundas. Isso porque, com a globalização, o modelo americano de negócio repercutiu em todas as enconomias do mundo. Em paralelo à concentração de fazendas houve também uma concentração da indústria de lácteos. Até o final dos anos 1990, havia cerca de mil indústrias, hoje há 300 empresas operando 650 fábricas no país. Entre elas estão cinco grandes grupos mundiais: Lactalis, que chegou ao Brasil em 2013, e Danone, no País desde os anos 1970, além de Bel, Savencia e Sodiaal.
A pesquisa é um dos pilares dessas gigantes. Somente a Lactalis, por exemplo, possui uma equipe 200 engenheiros em seus laboratórios franceses. De acordo com Damiens, a concentração no setor gerou uma maior competitividade no segmento. “O setor de laticínios é onde tem ocorrido uma maior variedade de novos produtos no mundo inteiro e a França não fugiu à regra”, afirma ele. “No ano de 2014, por exemplo, chegamos a lançar no mercado cerca de 450 novas variedades de queijos, entre eles os aromatizados, por exemplo.”
Mas, em um segmento de negócios maduros como é o de queijos, o país mantém intactas algumas diretrizes que estão mais para a tradição que para os modismos. Como os produtos de Denominação de Origem Protegida (DOP), um selo de qualidade regulamentado pela União Europeia nos anos 1990. Hoje, do total de 186 laticínios com o selo, 50 estão na França: 45 para queijos, três para manteiga e dois para creme de leite. “Esses produtos são ainda mais refinados”, diz Damiens. “Podemos trazer ao Brasil o que os brasileiros quiserem.”
A França exporta lácteos para cerca de 140 países. Mas, de acordo com René Quirin, conselheiro agrícola do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Desenvolvimento Internacional, poderia ser mais. “Exportamos € 9,6 bilhões em lácteos, como queijos, creme e nata. Os queijos representam € 4,2 bilhões da receita”, afirma Quirin. “Podemos exportar mais porque temos qualidade sanitária e rastreabilidade em toda a cadeia.” Em volume, a França exportou 671,8 mil toneladas de queijos em 2015.
No segmento dos lácteos, a expansão das vendas externas ganhou impulso nos últimos 15 anos, muito em função de programas oficiais do governo para incrementar o comércio internacional. Além dos Estados Unidos, que é o maior cliente fora da Europa, os franceses vendem dez mil toneladas somente para o Japão. O maior atrativo dos queijos franceses é justamente a variedade. Só para comparação, a Itália possui cerca de 650 tipos, quase a metade da França. A Espanha possui 450 tipos. Além dos queijos, a França possui outros produtos, como manteiga, creme de leite, leite em pó, leite fluído, iogurte e sobremesas à base de leite. Eles ajudam a engordar o volume das exportações de 1,6 milhão de toneladas, mas ainda restritas aos países europeus.
Benoit Trivulce, consul comercial do governo francês para a América Latina, diz que o seu país está aberto ao mundo. “Estamos em busca de alianças estratégicas em pesquisa, segurança alimentar e também ao comércio”, afirma Trivulce. “Na última década, o Brasil se tornou um país estratégico não apenas para os lácteos franceses”, diz ele. “Nós temos uma variedade de produtos que vão dos tradicionais vinhos a frutas frescas, como maçã, damasco e kiwi.” Trivulce é um dos encarregados do governo em encontrar lugar no mundo para os produtos franceses, em troca de parcerias. As exportações do agronegócio francês chegaram a € 63 bilhões em 2015, dos quais 67% foram para os países da própria Europa. “Acreditamos no Brasil porque o País teve dois anos de turbulências econômicas e políticas e no entanto continua muito forte na agroindústria e pujante como mercado consumidor”, diz Trivulce. “A França pode servir ao Brasil de plataforma para acessar mercados na própria União Europeia, região com um potencial de 160 milhões de consumidores de produtos sofisticados, como por exemplo peças de couro. Ou mesmo acessar outros mercados, como o continente africano.”