“Se eu abrir capital não poderei fazer a distribuição de lucros do jeito que gosto”

Ademar Marçal, dono da Fazenda São Francisco “

Havia 24 anos que o Brasil não ganhava uma Copa do Mundo e pela primeira vez em décadas o País conhecia o que era estabilidade econômica devido ao sucesso do Plano Real. A safra de soja brasileira, recém-colhida, havia rendido 11,5 milhões de toneladas, dos quais apenas 330 mil vinham da Bahia, destino do fazendeiro Ademar Marçal naquele dia 21 de abril de 1994. Paulista de nascimento e produtor rural em Mato Grosso do Sul, ele levantou voo a convite de seu sogro, que ouvira histórias sobre uma terra encantada, de planícies intermináveis, chuvas reguladas e solo fértil. O sonho de encontrar o eldorado brasileiro se fez mais forte do que o cansaço do fim de mais um ano agrícola.

À época, dono de seis fazendas no Centro-Oeste, os planos de começar um novo negócio estavam adormecidos, esperando “a” grande oportunidade. Conforme o pequeno avião avançava sobre o oeste baiano, a angústia aumentava no peito do produtor. Os relatos pouco verossímeis, ouvidos até então, se confirmavam diante de uma terra praticamente santa para a produção de grãos. Mal a aeronave pousou, Marçal se viu diante de plantações de arroz bem formadas, apesar da baixa tecnologia empregada.

A soja, que começava a ganhar aquele cerrado, também se fazia vistosa diante de processos arcaicos de produção. Nem bem chegou ao hotel, na cidade de Barreiras, distante 90 quilômetros do local visitado, o fazendeiro ligou para sua esposa, Cecília. Em casa, ela ouviu do marido que, enfim, encontrara a terra de seus sonhos e que, se ela estivesse disposta, começariam o mais ousado projeto de suas vidas. “Não pensei duas vezes”, relembra a esposa.

Nascia ali a Fazenda São Francisco, um império da produção de algodão e soja, que após 15 anos de sua fundação fatura R$ 100 milhões por ano, numa área de 32 mil hectares plantados, e exporta para cinco países – e Marçal ainda se dá ao luxo de fazer justiça social. “Tenho dinheiro para que eu e minha família possamos viver por mais 500 anos sem trabalhar, por isso mesmo tenho a responsabilidade de fazer deste negócio uma oportunidade e provar que o agronegócio, além de lucrativo, tem compromisso com o País”, diz Marçal. E, quando o assunto é dinheiro, ele não costuma brincar em serviço.

Alojamentos: as casas dos funcionários possuem conforto superior às condições exigidas pela legislação trabalhista

Usina em ação: o beneficiamento do algodão é realizado com o uso de tecnologia própria, desenvolvida na fazenda

Olhos atentos: Roberto Carlos da Silveira classifica o algodão que vai para exportação

Olho vivo: Paulo Rogério da Silva, gerente da usina, procura facilitar processos de produção, em busca de economia e bem-estar aos funcionários

São muitos os traços que fazem de Ademar Marçal um homem diferenciado no meio rural. Crítico daqueles que reclamam do campo, ele é categórico: “Quem diz que agronegócio não dá dinheiro está mentindo, por isso temos obrigações importantes para com aqueles que trabalham conosco”, diz. Anos atrás, após construir um novo alojamento, o empresário viu seu patrimônio depredado. Beliches e vidros quebrados, banheiros entupidos, azulejos retirados.

Diante do problema, não teve dúvida: reconstruiu tudo, só que usando material de melhor qualidade. Contratou uma empresa para dar treinamento e passou a investir na educação de seus funcionários. Não teve mais problemas desse tipo e passou a mostrar aos seus colaboradores o poder do reaproveitamento das coisas.

Todos os móveis são fabricados na marcenaria da fazenda, usando placas de MDF e sobras de madeira. A economia passa de 50%, comparandose com o preço cobrado no mercado. A própria usina de algodão foi totalmente modificada, diminuindo processos e eliminando peças. Luiz Carlos Rodrigues, dono da Busa, maior fabricante de usinas de algodão no Brasil, diz que os métodos de Marçal têm dado resultado.

O GRANDE PACTO AMBIENTAL

Como produtores do oeste baiano querem virar referência

Produtores do oeste baiano se lançaram numa empreitada ecológica a fim de transformar a região num paraíso da formalidade ambiental. No dia 6 de junho, representantes do setor rural assinaram um convênio com o governo do Estado, Ibama e Ministério do Meio Ambiente, visando à regularização de 100% das áreas degradadas na região.

Para isso, algumas concessões serão feitas. O produtor que aderir ao projeto e assinar o termo de compromisso terá suas multas suspensas, assim como outras sanções administrativas, e a possibilidade de redução das multas em até 90% do total autuado. “É um passo importante, porque existe uma consciência ambiental muito forte na região, mas muitos produtores não sabem como resolver os seus passivos”, explica o presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Walter Horita. Ficará a cargo da Secretaria do Meio Ambiente editar uma instrução normativa a fim de regulamentar as formas de se colocar em prática as ações previstas. “Será criado um cadastro ambiental, com as condições do termo de compromisso que chegará até o licenciamento ambiental”, explica o presidente da Associação. Um novo convênio de cooperação técnica entre Aiba, Secretaria Estadual de Agricultura e municípios definirão as atribuições operacionais do sistema. Sabe-se, no entanto, que os produtores participarão com um aporte de R$ 800 mil para dar o início à logística operacional.

A morosidade dos processos de adequação e licença ambiental estão entre os problemas que afligem os produtores do Oeste Baiano. Há cassos parados há mais de dois anos, esperando solução. “Todos querem que as coisas andem da forma certa e vamos dar a nossa contribuição”, explica Horita.

“O pessoal da São Francisco conseguiu acabar com uma série de problemas, diminuindo a poeira e a fuligem decorrentes da beneficiação do algodão”, explica. “Tudo é dinâmico, por isso estamos o tempo todo simplificando processos”, diz o gerente da usina, Paulo Rogério da Silva.

O dinheiro economizado em processos vai para o campo. Num agressivo plano de renovação da frota, a Fazenda São Francisco comprou 80 novos equipamentos da John Deere. Colhei-tadeiras, tratores, pulverizadores, numa operação que passa de R$ 10 milhões, dividida em três anos. “Começamos a receber os novos tratores este ano e, nos próximos dois, teremos renovado nosso parque”, comemora Marçal.

Conseguir uma boa produtividade e manter as lavouras limpas é que confere qualidade à pluma, conforme explica o classificador Roberto Carlos da Silveira. É dele a responsabilidade de separar as amostras de cada um dos lotes que são exportados para cinco países. Os padrões seguidos são os mesmos da BM&F. “Estou aqui desde que colhemos as primeiras plumas, é um trabalho importante”, confessa.

Assim como os olhos atentos de Silveira observam e classificam o algodão que viajará o mundo, todo o sistema financeiro da São Francisco é extremamente regulado. Tudo é lançado e tributado. “Nossa gestão é semelhante à de uma empresa que está pronta para fazer o sua abertura de capital, até porque não preciso de dinheiro nem de um sócio agora”, diz o dono.

Mesmo com a possibilidade de captar recursos vultosos e por um baixo custo, ele não pretende abrir mão de seu sistema de trabalho. “Com sócios não poderia fazer a distribuição de lucros do jeito que faço e isso seria muito chato”, lamenta. Isso, contudo, não quer dizer que não haja planos para crescer.

Hoje, além do algodão, a fazenda produz 396 mil toneladas de soja, 20% a mais do que toda a produção baiana quando o projeto começou, 15 anos atrás. Em 2010, assim como em 1994, será ano de Copa do Mundo e, mesmo sem ter algo em vista, Marçal diz que pode realizar novos investimentos nos próximos anos. “Nunca podemos dizer nunca”, brinca. Quem sabe seja esse o presságio de mais um show em campo. Do futebol e do agronegócio.