Na próxima sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrará com Joe Biden em Washington. Antes e depois da reunião bilateral, o chefe de governo dos Estados Unidos contará com a jovem Karine Jean Pierre na condição de porta-voz – a primeira mulher negra a ocupar o cargo de porta-voz na Casa Branca – para explicar a conversa e contextualizar as negociações. A imprensa dos dois países não terão, porém, um profissional para dar o lado do líder brasileiro.

Desde que assumiu, Lula decidiu que não terá porta-voz. É uma situação recente na história política. Na estratégia de evitar respostas oficiais a perguntas diárias sobre problemas sociais, econômicos e políticos, Jair Bolsonaro demitiu seu porta-voz, o general Otávio Rêgo Barros. Mas o contato direto com jornalistas foi substituído por lives na internet, sem perguntas e contraditórios.

Nos Estados Unidos, berço do cargo de porta-voz, e em outros países que contam com esse personagem do governo, como a Argentina e a China, geralmente são realizadas reuniões diárias com os jornalistas para que apresentem suas demandas de informação a serem respondidas pelo governo.

Sem um representante dos interesses do presidente para comunicar suas intenções, perde-se até mesmo o direito ao registro histórico do silenciamento oficial da Presidência diante de assuntos importantes e para os quais não há resposta fácil. Um exemplo no País é a falta de pronunciamentos de Lula e demais membros do governo sobre o uso de dinheiro do orçamento secreto pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), para asfaltar a própria fazenda no Maranhão, conforme revelaram as reportagens do Estadão.

Ciúmes

Se no começo da gestão bolsonarista Rêgo Barros fazia comunicados diários e promovia cafés de jornalistas com o presidente, a partir de 2020, Bolsonaro preferiu dar ele mesmo as notícias de seu governo. E usou dois métodos em especial: falar em transmissões ao vivo por suas redes sociais a um grupo seleto da militância e discursar sob aplausos de apoiadores no “cercadinho” do Palácio da Alvorada.

A queda de Rêgo Barros também esteve atrelada ao ciúmes do próprio presidente e de integrantes do chamado “gabinete do ódio” com o fato de o general se apresentar como uma voz moderada num governo de conflitos permanentes.

A função que, além do militar, já foi exercida por jornalistas e diplomatas seguirá abolida durante o governo Lula, que diz não ver utilidade no cargo atualmente. “No momento não sentimos a necessidade específica do cargo de porta-voz”, afirmou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) em nota ao Estadão.

Em outro momento dramático da República brasileira pós-ditadura, coube ao porta-voz Antônio Britto comunicar a todo o País a morte do então presidente eleito Tancredo Neves (MDB) um dia antes de tomar posse. O jornalista cumpria as funções de representante antes mesmo da posse do emedebista, que chegara ao cargo por eleição indireta.

Durante os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), três diplomatas se revezaram na função de porta-voz construindo a ideia de uma figura burocrática em contraposição ao carisma dos chefes de Estado. Foi o governo do PSDB que inaugurou a era de representantes do governo com perfil de diplomatas burocratas, de trato impessoal, que acabou sendo replicado por outras gestões, como a do ex-presidente Michel Temer (MDB) que nomeou como o ex-diplomata Alexandre Parola para a função. Ele foi um dos profissionais a trabalhar nas gestões de FHC.

Nas gestões petistas os ares de burocracia se mantiveram. Durante todo o seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, Lula teve como porta-voz o cientista político André Singer.

Ele, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), deixou a assessoria de Lula em abril de 2007, quando foi substituído pelo ex-diplomata Marcelo Baumbach. Gaúcho, Baumbach protagonizou um dos momentos síntese do distanciamento inerente à figura do porta-voz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.