20/10/2015 - 14:41
Durante todo o ano, além de ficar de olho no clima, na logística, na inflação, nas oscilações da moeda, nos preços dos insumos e nos humores do consumo, quem trabalha em fábrica a céu aberto, plantando e colhendo, precisa ficar atento também aos estoques de passagem, pois eles têm influência direta nos preços das commodities agrícolas. No mercado, os estoques de passagem correspondem à sobra da safra de um ano para o seguinte, após descontado o consumo interno e o volume exportado. “Não é possível olhar para o mercado sem considerar o que ocorre com os estoques de cada cultura”, diz o engenheiro agrônomo Renato Rasmussen, analista do mercado de grãos e oleaginosas do Rabobank Brasil. Para a safra mundial de grãos 2015/2016, a expectativa é de crescimento dos excedentes das principais culturas, entre elas a soja, o milho, o arroz e o trigo. De acordo com as estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês), a oferta global de grãos atingirá máximas históricas na temporada 2015/16, confirmadas pelo Conselho Internacional de Grãos, com sede em Londres. Assim, os estoques, que já vinham em recuperação nas últimas safras, podem pressionar ainda mais o mercado das commodities.
Para a soja, cultura acompanhada com lupa pelo mercado de commodities, as projeções feitas pelo Rabobank são de um estoque de passagem em torno de 28% da produção, o maior nível dos últimos dez anos. A previsão é de que será guardado um volume de cerca de 90 milhões de toneladas, o equivalente a 35% da produção mundial, estimada em 320 milhões, de acordo com o relatório de agosto do Usda. Na última década, as reservas de soja vinham oscilando entre 24% e 26% da produção. “Esse fato é histórico, porque os volumes de passagem mantiveram-se lineares, nos últimos anos”, diz Ramussen. A mesma tendência vale para o milho, que deve chegar a um estoque de passagem de 195 milhões de toneladas, equivalente a 20% da produção mundial, estimada em 985,6 milhões de toneladas. Os estoques finais na safra 2015/2016, medidos em dias de consumo, começaram a ser computados em 1º de setembro. Para a soja, o período é a 102 dias e, para o milho, 73.
“Do lado da demanda, o que se vê é um mercado mais restritivo” Marcos Araújo de Oliveira, da consultoria Agrinvest
No caso da soja, estão fora dessa conta os Estados Unidos, que é o maior produtor mundial. A safra prevista para 2015/2016 é de 106,5 milhões de toneladas, dois milhões a menos que a anterior. A recomposição dos estoques mundiais conta com uma forte contribuição da América do Sul. Segundo dados do Usda, o Brasil deve fechar a temporada 2015/2016 com 97 milhões de toneladas colhidas, 5% acima do registrado na safra passada. Mas o mais provável é que essa previsão esteja subestimada. De acordo com os especialistas, já estariam dadas as condições para que a safra brasileira atinja a marca de 100 milhões de toneladas de soja pela primeira vez na história. Na Argentina, a projeção é de 57 milhões de toneladas, com potencial para chegar aos 62 milhões.
De acordo com o engenheiro agrônomo Marcos Araújo de Oliveira, analista de mercado da consultoria Agrinvest, a possibilidade de ter oito milhões de toneladas a mais da oleaginosa, acima das previsões do Usda, somente no Brasil e Argentina, mexe com os humores do mercado, derrubando as cotações. “Isso porque, do lado da demanda, o que se vê é um cenário mais restritivo, muito aquém da taxa anual de crescimento da última década, que vinha na média de 4,5%”, diz Oliveira. “Principalmente do mercado chinês, que é o maior importador mundial de soja”. No mês passado, o Centro Nacional de Informação de Óleos e Grãos da China disse que o país importou 79 milhões de toneladas na safra 2014/2015, volume 8% acima do período anterior. A compra equivale a 64% das importações mundiais da commodity.
“Não é possível olhar para o mercado sem considerar os estoques de passagem” Renato Ramussen, do Rabobank
Com a economia chinesa em desaceleração, a realidade é outra para a safra deste ano. Nos últimos anos, o país vinha aumentando muito as compras, visando baixar a ociosidade de sua agroindústria, ainda hoje em torno de 34%. A capacidade de esmagamento de soja no país é de 130 milhões de toneladas, por ano, ante um processamento atual de 86 milhões. Por isso, a China pode impactar diretamente na formação dos estoques mundiais. No próximo período, boa parte do que deve ocorrer na terra do presidente Xi Jinping depende dos humores da suinocultura, cadeia produtiva baseada no consumo de farelo de soja. Vale lembrar que a carne de porco é a principal proteína animal no prato dos chineses, com um consumo de 39 quilos para cada um de seus 1,3 bilhão de habitantes.