Contra: somente as instabilidades climáticas e ações dos governos dos países emergentes conteriam os números

Um ano perfeito para os negócios do campo no Brasil. A previsão de safra recorde e a alta nos preços dos principais produtos agrícolas no mercado mundial devem fazer de 2011 um ano memorável. É o que dizem os cálculos da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura (Mapa). De acordo com a estimativa, o Valor Bruto da Produção deste ano pode chegar a R$ 187 bilhões, 8,29% superior aos R$ 172,74 bilhões obtidos no ano passado e um recorde na série histórica iniciada em 1997. “Esse desenvolvimento está baseado num tripé que envolve o produtor rural, o protagonista do processo; o governo, que apoia a produção; e a ciência e tecnologia, que estão incorporadas ao processo produtivo”, disse o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, ao comentar os bons resultados de 2010. As expectativas para este ano estão apoiadas principalmente na recuperação dos preços do milho e da soja e nas exportações, que totalizaram US$ 76,4 bilhões no ano passado. “As exportações vão crescer pelo menos 10%, mas podemos chegar à média histórica dos últimos dez anos, de 14%”, prevê o ministro. No caminho do recorde estão apenas instabilidades climáticas e uma ação dos governos dos países emergentes para esfriar a economia e segurar a inflação, o que conteria um pouco os preços internacionais.

É justamente a elevação do preço, e não da produção física, que deve garantir o aumento de receita agrícola neste ano. “O ano passado foi muito bom para o café, a cana e a laranja. Em 2011, o milho, a soja, o algodão e o arroz se somam a essa lista”, diz o coordenador de Planejamento Estratégico do Ministério da Agricultura, José Gasques. Pelo quinto ano consecutivo, o consumo de algodão (25,4 milhões de toneladas) será maior do que a produção mundial (25,1 milhões de toneladas). “O consumo mundial de milho, soja e trigo também está crescendo mais do que a produção, o que derruba a relação estoqueconsumo”, diz. No caso do milho, o consumo deve crescer seis vezes mais que a produção, segundo estimativa do Usda, o departamento de agricultura do governo dos Estados Unidos. A demanda por essas commodities é tanta, que o mercado já trabalha com a perspectiva de o preço da soja igualar o recorde de 2008, quando a cotação do bushel na bolsa de mercadorias de Chicago chegou a US$ 16,58. Em janeiro passado, a cotação ficou em US$ 13,96. Os estoques mundiais estão baixos e a perspectiva para este ano é que diminuam ainda mais. No caso da soja, a expectativa é de que os estoques caiam de 60,2 milhões de toneladas para 58,3 milhões de toneladas. Os estoques de milho devem cair 13%, de 147,1 milhões de toneladas para 127 milhões de toneladas.

O aumento de preços responde pelo nome de China, que lidera o crescimento da demanda por alimentos no mundo. Nos últimos dez anos, os chineses saltaram de um consumo anual de 11,2 milhões de toneladas de soja para 50,4 milhões de toneladas, um aumento de 350%. “A recuperação da economia pós-crise de 2008 ocorreu principalmente nos países emergentes, que puxam a demanda por bens básicos”, analisa Gil Carlos Barabach, economista e analista de mercado da consultoria Safras & Mercado. Mas esse superaquecimento também pode atrapalhar a confirmação da estimativa do Mapa. “Essas economias estão crescendo demais, o que gera um processo inflacionário. É normal esperar uma reação por parte dos governos para acalmar a economia, porque não adianta crescer 10% com uma inflação subindo 5%”, completa o economista.

 

Milho e soja: os estoques mundiais estão baixos e a perspectiva é de que diminuam ainda mais

O principal obstáculo ao estimado recorde, contudo, é o clima. “Agricultura é uma atividade de risco, mas neste ano ele é maior, por causa do La Niña”, alerta Rosemeire Cristina dos Santos, superintendente técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), se referindo ao fenômeno que retorna depois de dois anos, responsável pelo esfriamento das águas do oceano Pacífico, que altera o clima durante um período que varia de nove a 12 meses. A analista conta que municípios do Rio Grande do Sul já foram prejudicados pela mudança de temperatura, principalmente na cultura do arroz. “A pecuária também sentiu excee o plantio de soja atrasou por causa de um bolsão de seca na região”, completa, lembrando que o mesmo fenômeno deve reduzir a safra de grãos na Argentina – o que ajuda o produtor brasileiro. O atraso da soja também afeta a cultura na safrinha do milho, plantado depois da colheita da soja, lembra Rafael Ribeiro, zootecnista e analista da Scot Consultoria. A demora de um mês para o plantio vai expor o milho a um risco maior de enfrentar intempéries. O clima ainda prejudicou o início dos trabalhos no Centro-Oeste, mas alguns municípios de Mato Grosso já conseguiram colher numa média de 55 sacas por hectare, um bom resultado dentro da média histórica.

O resultado deste ano é excelente, mas especialistas alertam que a agricultura brasileira ainda sofre as consequências da precária infraestrutura de transporte do País, além de disputas políticas em órgãos que deveriam ser exclusivamente técnicos. “Há partidos querendo indicar gente para a Embrapa. Ficar discutindo ideologização e politização da ciência é um atraso”, afirma o coordenador do centro de Agronegócio da FGV e ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. “Não é porque teremos safra boa que vamos ficar tranquilos. Essas coisas são cíclicas”, alerta, lembrando que o aumento dos preços internacionais em 2011 deve elevar o custo da produção em 2012. Junto com o preço pago ao produtor, aumenta também o valor de insumos como fertilizantes e máquinas agrícolas.

Um alerta: Roberto Rodrigues lenbra que os preços internacionais em 2011 devem elevar o custo da produção em 2012

O aumento do consumo nos países em desenvolvimento mostra que é preciso pensar no longo prazo, diz Rodrigues. O alerta do ex-ministro é reforçado por relatório conjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), publicado no ano passado. O documento prevê que a agricultura brasileira terá de crescer 40% nos próximos dez anos para sustentar o aumento de 20% na produção mundial, necessário para dar conta da demanda global por alimentos. Nos últimos dez anos, a produção brasileira cresceu 35%. “Nosso agricultor é um empreendedor eficiente e moderno, mas, quando o produto sai da fazenda, essa eficiência acaba”, critica Rodrigues. Problemas como esse só serão solucionados quando houver integração entre as decisões que dizem respeito ao setor agrícola, hoje pulverizadas nos ministérios do Planejamento, Fazenda, Relações Exteriores e Minas e Energia. Seria bom aproveitar que 2011 está garantido para começar a pensar nos próximos anos.

 

Safra brasileira

(em milhões de toneladas)

*estimativa Fonte: Conab

Valor bruto da produção

(R$ bilhões)

* estimativa Fonte: Mapa

 

Por que os preços dos grãos estão subindo

Produção cresce menos do que o consumo mundial (milhões de toneladas)

* estimativa Fonte: USDA/ MAPA