05/04/2021 - 15:18
Cada cultura do mundo é marcada por rituais específicos. Na Índia, a devoção aos deuses Hindus. No México, o respeito aos mortos. Nos Estados Unidos, o Valentines Day. No Brasil, o Réveillon em praias. Em todos eles, pagãos ou religiosos, uma coisa em comum: flores. O registro dos primeiros cultivos organizados datam do Século IV a.C às margens do Rio Tigres, na Mesopotâmia.
Três séculos se passaram, até que 2 mil anos a.C, foram registradas as primeiras produções em escala comercial. De lá para cá, o mercado floresceu e se tornou bilionário. Anualmente, movimenta mais de US$ 94 bilhões no mundo. No Brasil, ainda é incipiente, mas resiliente graças ao trabalho de cerca de 8 mil produtores, de acordo com o Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor). São mais de 3,5 mil variedades de 300 espécies de flores de corte e vaso comercializadas, o que gerou receita de R$ 9,6 bilhões ano passado, aumento de 10% em relação a 2019. Mesmo em um ano marcado pela ausência de festas, eventos sociais ou corporativos o desempenho surpreendeu toda e qualquer expectativa.
Mais de 90% da produção permanece no mercado interno devido à falta de
estrutura logística para a exportação mais de 90% da produção permanece no mercado interno devido à falta de estrutura logística para a exportação
A pandemia, no entanto, assustou. “Começamos o ano passado muito bem. Com excelentes perspectivas. De repente, tudo mudou e chegamos a descartar 90% da produção nas primeiras semanas de isolamento”, afirmou Renato Opitz, agrônomo e diretor do Ibraflor. Com a liberação do funcionamento dos serviços essenciais, em maio, o setor de floricultura tomou fôlego e deu início à retomada. A venda do Dia das Mães, data já tradicionalmente forte para o setor, foi impulsionada no mercado virtual. Na Giuliana Flores, plataforma de e-commerce, foram registrados cerca de 95 mil pedidos, 200% a mais do que no ano anterior.
Sem os eventos corporativos ou festas, o maior impacto foi amargado pelas flores de corte que registraram queda de 40% sobre 2019. Rosas, crisântemos, alstroemérias e lírios acabaram no lixo. Estima-se que as perdas chegaram a R$ 300 milhões na produção nos três primeiros meses de isolamento social. “Quem está nesse mercado está penando muito, reduzindo a produção e investindo em outros tipos de produtos para se manter”, disse Adriano Joanes Maria van Rooyen, produtor e administrador das empresas Rosas Adriano van Rooyen e Belíssima Hortênsias, localizadas no interior de São Paulo. O produtor, que há 30 anos trabalha no ramo de flores de corte, principalmente rosas, conta que para sair da crise foi necessário procurar novas maneiras de faturar. “Em 2020, comecei a produzir hortênsias em vasos. Elas ainda representam apenas 5% do faturamento, mas é só o começo”, afirmou.
Na contramão, como afirmou Jorge Possato Teixeira, CEO da Cooperativa Veiling Holambra, quem apostou em flores de vasos e plantas ornamentais, se surpreendeu com o resultado. “Com a adoção de novas rotinas, muitos brasileiros começaram a se interessar mais em decorar a casa com flores e plantas”, disse. Atualmente, o Brasil comercializa cerca de 14 mil variedades de 2,2 espécies de plantas ornamentais.
CASO DE SUCESSO Casado com Regina Gruisen Breg Yeda, o engenheiro agrônomo Mattheus Pizzinatto Yeda atua há 9 anos como diretor de produção da empresa que pertence à família de sua esposa. Localizado em Holambra (SP), o Sítio Kolibri começou a produzir plantas em 1989, por iniciativa dos seus sogros, Theodorus Breg e Elisabeth Breg Gruisen. Nos dois primeiros anos, a produção era voltada para violetas, alguns tipos de orquídea de vaso e outras espécies. Em 1994, tudo mudou. Um laboratório da Holanda propôs ao casal a ideia de investirem no cultivo da orquídea do tipo Phalaenopsis, comum na Europa e, na época, pouco conhecida no Brasil. A aposta deu certo. A produção de flores em vasos hoje é 100% voltada para as orquídeas de caule longo. Ao ano, são produzidas mais de 2 milhões de vasos. “Crescemos cerca de 8% ao ano em faturamento, descontando todos os custos”, disse.
Assim como Pizzinatto, Luciano Rios dos Santos, CEO da empresa Rios Flores, é um dos membros da Cooperativa Veiling Holambra. Como vantagens de serem cooperados, além de terem um canal de venda certo, não precisam se preocupar com aspectos logísticos. Sem essas preocupações, sobra mais tempo para pensar na produção e obter resultados melhores. “Crescemos em média 11% ao ano”, disse dos Santos que produz cerca de 1,6 milhão de vasos de Kalanchoe, também conhecida como a flor-da-fortuna, uma espécie de suculenta com cores que variam entre vermelho, alaranjado, amarelo, rosa, lilás e branco.
Apesar do bom desempenho de 2020, o custo de produção vem assustando. Culpa do câmbio, já que muitas das flores produzidas no Brasil são de mudas vindas de países da Europa. “Uma muda de Phalaenopsis que antes da pandemia era R$ 4,50, hoje está em torno de R$ 7,50”, disse Pizzinatto. Segundo dados da Cooperativa Agropecuária de Insumos Holambra, produtos periféricos também ofenderam o orçamento com altas expressivas. Dentre eles, embalagens plásticas com aumento de 34%; embalagens de papelão, 27%; vasos plásticos, 47%; e fertilizantes que variam de acordo com o preço do dólar no dia.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES Atualmente, quase 100% da produção nacional permanece no mercado interno. Apenas cerca de 2% (US$ 20 milhões) são exportados. A explicação está na burocracia e na falta de estrutura logística. “Muitas vezes os órgãos que cuidam do processo não trabalham em conjunto, e isso faz com que se perca muito tempo. Sem armazenamento adequado, as flores estragam”, afirmou Opitz. Como solução, Possato diz que há planos para que o Brasil passe a fazer parte do mercado global. “Pretendemos retomar as exportações em 2025. Temos conversado com o aeroporto Viracopos, Campinas (SP), que está disposto a preparar uma estrutura para a nossa atividade”, disse. Se a perspectiva se realizar, o setor poderá enfim sonhar em ter algum peso no mercado internacional.