Inesperada para setembro como uma geada – e tão danosa quanto –, a alta de 13,5% nas cotações do dólar, até o dia 27 do mês passado, deverá queimar grande parte dos lucros do agronegócio. A parte ruim é que os gastos serão maiores, especialmente com os insumos para a próxima safra. E não há parte boa: a apreciação da moeda americana em relação ao real não vai ampliar os lucros para o setor exportador, pois o aumento do dólar foi compensado negativamente por uma queda nos preços internacionais das commodities agrícolas. “O efeito da alta do dólar é praticamente anulado pela queda dos preços”, diz Gilson Martins, analista econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar).

Na ponta do lápis, a deterioração das expectativas do mercado internacional derrubou as cotações de soja, milho, café e açúcar. Ambos os movimentos ocorrem pelo mesmo motivo. Em tempos de turbulência, os investidores institucionais – especialmente os fundos com perfil mais especulativo, que são muito atuantes no mercado de commodities – reduzem suas apostas nesses mercados e buscam refúgio no porto seguro da moeda americana, mesmo que, com isso, abram mão de quase toda a rentabilidade. Como resultado, os preços do dólar sobem, ao passo que as cotações das commodities caem.

Os números da soja são o melhor exemplo desse movimento. No dia 30 de agosto, o contrato futuro de soja mais negociado em Chicago valia US$ 1.450, representando 5.000 bushels do grão (um bushel equivale a 35,2 litros). Convertendo pelo dólar do fim de agosto, cada contrato custava cerca de R$ 2.300. No dia 27 de setembro, o mesmo contrato custava US$ 1.250, uma queda de 13,7%. Em reais, porém, essa cifra equivalia a R$ 2.250. Ou seja, uma baixa de modestos 2,2%. E não há sinais de que essa tendência se reverta, pelo menos no curto prazo. “Os investidores deverão permanecer avessos ao risco e pouco atuantes no mercado de commodities”, diz Martins.

 

POSTURA OLÍMPICA: segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o lado positivo da queda dos preços das commodities é a redução da pressão inflacionária

Já o impacto nos custos será forte e não terá compensação. Os preços dos insumos mais importantes, como os fertilizantes, por exemplo, deverão subir. “Um dos componentes mais relevantes no custo do agronegócio é a energia, especialmente o óleo diesel, e não há sinais de que o preço do petróleo vá despencar”, diz Amaryllis Romano, analista de agronegócio da consultoria econômica Tendências. “O produtor vai receber mais reais, mas vai ter de pagar bem mais caro pelos insumos.” O impacto só não é mais forte porque os fertilizantes para a safra 2011/2012 já foram contratados há alguns meses, quando o dólar estava mais comportado. Mesmo assim, os especialistas no setor acreditam que haverá algum repasse nos preços ainda neste ano, pois a conta que o empresário rural faz é do custo de reposição do produto, e com o dólar mais alto os custos aumentam. Como resultado, o real mais fraco não vai, por si só, garantir uma boa safra de lucros no bolso do exportador. “O câmbio não resolve todos os problemas”, diz Amaryllis. “A garantia da competitividade depende não só da regulação do cambio, mas também da redução de custo de produção e de investimentos para aumentar a produtividade.”

O complexo caso da soja

13,5% Foi a alta do dólar diante do real no mês de setembro

13,7% Foi a queda dos preços da soja no mercado internacional

2,2% Foi a redução efetiva dos preços para o produtor

No que depender de Brasília, o produtor rural terá de enfrentar sozinho a praga do dólar em alta. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou no fim de setembro que a variação do câmbio é um reflexo da crise europeia e descartou medidas imediatas para conter esse movimento. “A alta do dólar no Brasil e em outros países reflete a aversão ao risco provocada pela demora em resolver os problemas europeus.” Segundo Mantega, a tendência é de uma movimentação gradual da moeda, que pode ser assimilada pela economia sem problemas. “Se os preços de commodities caem, então não há pressão inflacionária”, disse.