Mais brésilien avec chevronnés français, isto é, milho brasileiro com tempero francês. De agora em diante, produtores brasileiros e paraguaios de milho irão se deparar com expressões francesas como essa quando forem levar as sementes para o campo. E os produtores rurais europeus poderão ver estampadas nas sacas compradas uma bandeirinha do Brasil. É que uma parceria inédita selada entre empresários franceses e brasileiros pode ser o início de uma mudança nos rumos do mercado de sementes de grãos, hoje dominado por grupos multinacionais que compraram e controlaram 100% das fábricas nacionais (algumas delas, mesmo ainda atuando fortemente no setor como a Agroceres e a Agroeste, ambas incorporadas pela Monsanto, tiveram suas marcas “esquecidas” para dar destaque ao nome do novo controlador).

De um lado, aparece a cooperativa francesa Limagrain, quarta maior empresa mundial de sementes arvenses (cereais e oleaginosas) e líder do setor na Europa. É dona de um faturamento anual de 1,4 bilhão de euros, com atividades em 38 países, inclusive no Brasil, onde já atuava com sementes de hortaliças, e 6.700 funcionários. Do outro lado, a Sementes Guerra, da família Guerra, de Pato Branco, no sudoeste do Paraná, que atua no Brasil e no Paraguai e vendeu para a Limagrain 70% de sua divisão de milho. O negócio, que envolve inicialmente R$ 91 milhões, criou a Limagrain Guerra do Brasil (LG), cuja gestão e controle administrativo ficarão em mãos dos brasileiros. “Temos grandes ambições no Brasil”, afirmou Daniel Cheron, presidente da Limagrain à DINHEIRO RURAL , durante visita a Pato Branco. Por grandes ambições entenda-se interesses futuros também nos ramos da soja, trigo e feijão. “Estamos prontos para acompanhar o objetivo deles”, diz Luiz Fernando Guerra, presidente da Sementes Guerra e, agora, também da Limagrain Guerra.

A criação da nova empresa possibilitou a Limagrain ter acesso ao que começa lhe faltar na Europa: terras agricultáveis disponíveis (as da Sementes Guerra somam 7,5 mil hectares, em propriedades localizadas nos Estados do Paraná e Piauí) e um parceiro que entenda do mercado brasileiro. “Trata-se de um mercado que varia muito de acordo com cada região e cada cultura”, diz Cheron. Na outra ponta, a Guerra achou quem pudesse fornecer-lhe biotecnologia avançada para enfrentar os concorrentes internacionais. Foi um casamento de interesses para ambos, que esperam obter um faturamento de 10 milhões de euros nos primeiros 12 meses de atividades da LG. Ricardo Guerra, filho de Luiz Fernando e diretorexecutivo da Sementes Guerra, acredita que parcerias com empresas internacionais são fundamentais para o futuro do setor. “Não existe um meio de você concorrer com as grandes multinacionais aqui instaladas se não tiver um respaldo biotecnológico grande”, diz. “O mercado de sementes avança cada vez mais em tecnologia, segurança alimentar e pesquisas.” A recíproca é verdadeira para o sócio. “Também não há como uma empresa do ramo da agricultura se manter fora do Brasil”, afirma Cheron. “O mundo todo já percebeu isso.”

Casamento de interesses: Ricardo Guerra, à esquerda, diretor da Sementes Guerra, e Daniel Cheron, CEO da Limagrain, selam parceria no setor de milho

Para a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), a criação da LG representa um avanço no setor, justamente no quesito de biotecnologia. Em 2010, o uso da ciência garantiu R$ 3,6 bilhões à agricultura nacional e a nova empresa pode impulsionar ainda mais esse setor. “O Brasil é o País que mais tem possibilidades de crescimento nessa área, está no foco de interesse de todas as grandes multinacionais de sementes”, diz Luís Carlos Miranda, diretor da Abrasem. “Nada mais natural que cada vez mais estas empresas se estabeleçam por aqui em busca de crescimento. Enquanto isso, as companhias brasileiras podem se firmar no mercado externo ancoradas em nomes fortes.” Em 2010, a área cultivada com sementes foi de aproximadamente 40 milhões de hectares: 23,2 milhões de hectares para soja, 13 milhões de hectares para o milho, 836 mil hectares em algodão. A meta da Limagrain Guerra é conquistar 10% do mercado brasileiro de sementes em um ano, com a produção inicial de meio milhão de sacos/ano, e futuramente instalar pelo menos cinco estações de pesquisa genética no País. Serão implantadas no Paraná e na região Centro Oeste. “É indispensável investir em pesquisa e tecnologia em um País como o Brasil”, diz Joël Arnaud, vice-presidente da Limagrain. “Já estamos de olho nesse setor.”

Somente híbridos: a Limagrain Guerra, por enquanto, não produzirá sementes de milho transgênico

Atualmente, a Sementes Guerra é responsável por uma fatia de 3% do mercado nacional com fornecimento de sementes de soja, milho, trigo e feijão. Há três anos, investiu no ramo da agroindústria de cereais, com duas marcas, Primoratta e Glee, que foram responsáveis por 10% do faturamento total do grupo, de R$ 75 milhões, em 2010. Até o final deste ano, a empresa deverá processar e fabricar todos os produtos em um parque industrial próprio, no município de Guarapuava (PR). Na área de sementes, tem capacidade para produzir 1,2 milhão de sacas por ano – 700 mil de milho, 400 mil de soja, 70 mil de trigo e 50 mil de feijão. “Com a parceria, além do crescimento das duas empresas em segmentos considerados seus principais gargalos, teremos como impor novos desafios no Paraguai, onde queremos crescer 25%”, afirma Ricardo Guerra. De acordo com ele, o aumento das exportações para o país vizinho depende apenas de regulamentações biotecnológicas por parte do governo local. As vendas de sementes de milho também são o carro-chefe da Limagrain na Europa, onde o grupo que opera com três empresas: a Vilmorin&Cie, o braço de sementes de cereais, oleaginosas, hortaliças e jardinagem, a Limagrain Céreales Ingrédients, fábrica de farinhas e derivados, e a Jacquet, segunda maior fabricante de pão da França.