06/09/2020 - 7:25
Em sua primeira entrevista após assumir a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão disse ao Estadão que é preciso prestar contas à sociedade e julgar “o quanto antes” as ações que investigam a campanha de Jair Bolsonaro à Presidência em 2018. O ministro acaba de assumir a relatoria dos processos que investigam, entre outros pontos, disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp. “É preciso dar uma resposta da Justiça Eleitoral para aqueles que propuseram a ação, para aqueles que figuram no polo passivo da ação (os investigados) e para a sociedade.”
Salomão também defendeu a decisão que garantiu que, a partir de 2022, os recursos do fundo eleitoral e o tempo de rádio e TV devem ser distribuídos proporcionalmente de acordo com o número de candidatos brancos e negros de cada partido.
Como o senhor acha que deve ser a atuação da Justiça Eleitoral no combate à disseminação de notícias falsas?
É utópico dizer que o juiz é o responsável por acabar com notícia falsa. Para enfrentar a notícia fraudulenta, contamos com meios de comunicação, agências de checagem, órgãos sérios que vão fazer com que essas notícias falsas sejam bem explicadas. Nossa intervenção é sempre em caráter muito restrito para fazer com que essa festa da democracia seja plena. Plena de debates e de realização da vontade da maioria. Se nossa ação for a de punir, ou a de dar o direito de resposta, ou a de tirar uma página do ar, tudo isso tem de ser bem pesado na hora em que formos decidir, para não impedir o fluxo normal de ideias. Não resvalar em censura.
O TSE já discutiu reservadamente dar poder de polícia a juízes eleitorais para que pudessem determinar a remoção de conteúdo da internet, mesmo sem ser provocados…
Acho que isso não funciona, porque uma das regras básicas para o funcionamento bom da jurisdição é só agir quando houver um pedido para o juiz agir. Não conseguiremos dizer o que é certo, e o que é errado. O que temos é a função de resguardar o equilíbrio do processo eleitoral, garantir o fluxo de ideias e debate para impedir censura e abuso dos meios de comunicação. O juiz é coadjuvante. O debate é o dos políticos, dos candidatos, da sociedade civil, do eleitor.
Dá para concluir este ano o julgamento das ações que miram a campanha de Bolsonaro?
Estou bastante tranquilo em relação a essas ações. Ali vamos tratar de fatos e provas. Acho que devemos apreciá-las o quanto antes, porque é preciso dar uma resposta da Justiça Eleitoral para aqueles que propuseram a ação, para aqueles que figuram no polo passivo da ação (os investigados) e para a sociedade. Já vamos aí para o segundo ano de mandato do presidente (Bolsonaro), é tempo razoável para a gente dar essa resposta. Não me assombro com essa responsabilidade porque, primeiro, será dividida entre o plenário, com homens bastante experientes e respeitados. Segundo, porque é um dado objetivo: tem prova, cassa. Não tem prova, não cassa.
São ações menos complexas do que aquelas que miraram a campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014?
Acredito que ali a questão política estava muito acesa. Agora, para essas ações, o que temos são fatos e provas, e a interpretação objetiva sobre fatos e provas. Tenho a expectativa de que pelo menos duas que já estão prontas a gente consegue julgar até o fim do ano, sobre aquele tema mais relevante que é o do WhatsApp.
Como vai ser a análise do TSE nesse julgamento?
A lei hoje fala em gravidade das ações. Você não precisa demonstrar que houve ação específica da chapa, basta que comprove que ela foi beneficiada. Basta que você avalie se a ação foi grave o suficiente, se ela teve eficiência suficiente para, com seu efeito de gravidade, ter algum reflexo na eleição. Não que ela mudasse o resultado da eleição, mas que pudesse ter algum reflexo de gravidade no resultado da eleição. Antes, exigia-se que se comprovasse que aquela ação teria o efeito de alterar o resultado da eleição, uma prova muito difícil. Mudou-se a legislação, o que vale agora é a conduta grave.
O TSE virou palco de uma espécie de terceiro turno?
Não vai ser palco de um terceiro turno. Essa é uma preocupação, não transferir para cá o ambiente político. O tribunal é um tribunal técnico, e vai julgar juridicamente, não politicamente. Isso posso te assegurar: não vejo nenhuma possibilidade de nenhum dos julgadores ter viés político, partidário. O julgamento será técnico e com base nas provas.
O TSE julgou abuso de poder religioso e reserva do fundo eleitoral e do horário de propaganda na TV e no rádio para candidatos negros. Teria sido melhor se esses temas tivessem sido resolvidos pelo Congresso?
Sim, muito melhor. Mas é compreensível que esses temas, que dividem a sociedade – aborto, drogas, religião -, também dividam o Parlamento. Então, nesses temas, quando entram direitos fundamentais, aí o Judiciário passa a ter um papel contramajoritário. Como assim? Pegando de empréstimo a expressão do presidente Barroso (Luís Roberto Barroso, presidente do TSE), temos o papel de “empurrar a história”. Quando? Quando entram garantias de direitos fundamentais e o Parlamento não consegue atuar.
O TSE não criou a figura do abuso de poder religioso.
O ponto fundamental foi o de que não havia uma previsão legal sancionadora do abuso de poder religioso. Então, o Judiciário se autoconteve. O TSE falou: ‘Olha, até aqui eu vou. Passou daqui, não posso ir’.
O senhor também integra o Superior Tribunal de Justiça. Qual é sua opinião sobre a decisão individual do ministro Benedito Gonçalves de afastar do cargo Wilson Witzel, um governador eleito com 4,6 milhões de votos?
Era uma medida necessária, seja pela gravidade dos fatos, seja para resguardar as provas já produzidas. O fato de o governador ter uma quantidade expressiva de votos não interfere na apuração penal.
O senhor é cotado para uma vaga no STF. Teme que qualquer decisão seja interpretada como tentativa de agradar ao Planalto?
Não, porque sempre atuei com base nos critérios técnicos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.