08/08/2022 - 10:54
Sacas de grãos. Cabeças de gado. Fardos de madeira. Há anos essas têm sido algumas das formas de pagamento mais utilizadas no agronegócio, além de se tornar garantias financeiras usadas pelos produtores para obter capital. Agora, à velha economia começam a somar-se os bits e bytes do mundo digital. Os recursos ainda não são suficientes para se tornar a tão sonhada salvação da lavoura. Mesmo assim, a chegada das fintechs oferecendo novas formas de pagamentos e de financiamento para o agronegócio pode proporcionar um alívio a esse setor que tanto depende de uma fonte de recursos estruturalmente insuficiente, o financiamento estatal.
Há um grande contraste entre toda a tecnologia existente dentro da porteira – como sementes geneticamente melhoradas, defensivos agrícolas, insumos biológicos ou maquinário de última geração – e a falta de tecnologia fora da porteira, na opinião do CEO da fintech TerraMagna, Bernardo Fabiani. “Esse mercado carece muito de uma estrutura técnica que ofereça novas formas de pagamentos e obtenção de recursos”, disse o especialista em crédito para o agronegócio. Segundo ele, ainda hoje é comum produtores realizarem pagamentos com dinheiro em espécie, troca de produtos ou cheques no balcão de seus distribuidores ou cooperativas. Pior, com exigência de documentação física. E não é por falta de tentativas de melhoria. Segundo Fabiani, diversas soluções de pagamentos surgiram, mas a esmagadora maioria fracassou. Essa dificuldade ocorre por diversos fatores. A curva de adoção de novas soluções é lenta nesse mercado e há uma baixa penetração das ferramentas digitais no cotidiano da cadeia inteira.
Evolução do sistema financeiro não faltou. Só para se ter uma ideia, o número de fintechs na América Latina chegou a 2.482 no final de 2021, crescimento de 112% comparado a 2018. Esse avanço foi puxado pelo Brasil, berço de 31% dessas startups. Nesses três anos, o número dessas novatas brasileiras passou de 464 para 771, aumento de 66%, conforme levantamento feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com a consultoria Finnovista. Apesar disso, não chega nem a 50 o número de fintechs voltadas para o agronegócio, segundo a diretora executiva da Associação Brasileira de Fintechs (Abfintech), Mariana Bonora. Responsável pelos assuntos ligados ao agronegócio, ela diz que esse mercado foi se estruturando fora do tradicional desde os primórdios. “O produtor não vai à loja e compra os produtos com cartão de crédito. Ele sempre acaba atrelando o pagamento a outras coisas”, afirmou.
CRÉDITO Com uma dinâmica desafiadora e difícil para quem não conhece o mercado, os obstáculos são maiores para muitas startups. Mas algumas começam a explorar certos nichos. Outras passaram a fazer o financiamento da produção agrícola e até barter, trocando mercadorias, segundo Bonora. Mas o interesse do mercado de capitais no setor que responde por quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do País é tão grande que algumas formas de financiar o agro deslancharam nos últimos anos, aproximando a Faria Lima cada vez mais do campo.
Os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) vêm ajudando a captar o dinheiro dos investidores para levar à lavoura. Divididos em três modalidades, de acordo com os ativos que os compõem – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fiagro-FIDC), Fundo de Investimento Imobiliário (Fiagro-FII) e Fundo de Investimento em Participações (Fiagro-FIP) –, essas ferramentas financeiras totalizavam 31 até o dia 26 de novembro de 2021. Muitos são lastreados em imóveis rurais, Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Do total de fundos registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até novembro, 24 deles são dessa categoria e sete são Fiagro-FIDC, lastreados em recebíveis do agronegócio. No total, os valores de emissão batem na casa dos R$ 7,5 bilhões, dos quais R$ 6 bilhões se referem a Fiagro-FII.
“Toda essa movimentação no mercado de capitais vem diminuindo a dependência do mercado agrícola de operações antigas nos últimos anos”, afirmou a diretora da Abfintech. E o campo precisa muito desses recursos, que são tradicionalmente acessíveis aos produtores maiores, com mais estrutura.
O fato é que a incapacidade do governo em aumentar suficientemente os recursos para o produtor no Plano Safra, além do esgotamento de financiamentos via indústria, traders e até do comércio, exigem novas soluções, segundo o diretor de marketing da Agrolend, Jammer Adam. “Projeções indicam que em quatro anos os recursos vindos dessas fontes não atenderão mais as necessidades de um setor que cresce tanto como o agronegócio e puxa a economia”, afirma o executivo da fintech especializada em crédito agrícola. A empresa, que foi fundada em 2020, já se aproxima dos R$ 120 milhões em créditos concedidos. Agora, a Agrolend está se estruturando para deixar de ser apenas uma Sociedade de Crédito Direto (SCD) para se tornar uma financeira completa e, assim, conseguir captar dinheiro também em bolsa. “Hoje o CDI paga 12,75% mais 3% a 4% a mais de prêmio, custo de captação 16% ao ano. Se eu for financeira, capto apenas ao custo do CDI.”
CREDIBILIDADE Outra questão importante no caso do agronegócio é a desconfiança do produtor, segundo o CEO da Nagro, Gustavo Antonio Alves. A fintech foi criada em 2017 para tentar mudar esse jogo e oferecer uma nova experiência para o produtor rural na hora de pagar e solicitar o crédito. “Mas percebemos que havia falta de confiança e, desde então, estamos tentando quebrar as barreiras”, disse. Num primeiro momento, a Nagro criou um marketplace que trazia ofertas de crédito de parceiros, mas não funcionou como se esperava, porque os financiadores seguiam o mesmo caminho burocrático determinado pelo sistema bancário tradicional. A partir daí a Nagro decidiu se tornar uma financiadora, lançando em 2020 dois produtos.
O Crédito Nagro é voltado a pequenos e médios produtores rurais, numa operação que já superou R$ 1 bilhão em crédito solicitado até o final do primeiro trimestre, alta de mais de 1.000% e a meta é chegar a R$ 2 bilhões em dois anos. “Isso só foi possível porque construímos uma plataforma de informações sobre o produtor rural, a Agrisk, que conta com mais de 80 fontes de dados para saber o score do produtor rural e conceder o crédito de forma mais rápida”, disse. Assim, enquanto no banco quem solicita crédito precisa juntar documentos físicos, alguns até registrados em cartório, demorando semanas até a aprovação, a Nagro consegue em seu sistema reduzir para 48 horas o prazo para ter o dinheiro direto na conta, segundo o CEO. Isso porque o processo é 100% digital e pode ser feito via revenda ou direto ao consumidor pelo site da empresa. As taxas da Nagro são iguais às bancárias, com juros de 13% a 21% ao ano e um limite de até R$ 750 mil. “Esse é um mercado que carece muito de recursos e a demanda pode chegar a R$ 1 trilhão entre cinco e sete anos. E o financiamento precisa ser ampliado para atender isso”, afirmou Alves.