07/06/2021 - 9:30
Do latim sustentare, a palavra sustentabilidade significa sustentar, apoiar, cuidar. É uma pena que, de tanto ser usada, tenha perdido sentido. Agora, repaginada na sigla ESG (ambiental, social e de governança), deixa as sutilezas dos significados quase poéticos de lado para se tornar ferramenta de negócios, com especial interesse do mercado financeiro, que criou um produto específico para a agenda. Os Títulos Verdes (Green Bonds, em inglês) compõem um mercado em plena ascensão e que deve movimentar US$ 1,2 trilhão no mundo este ano, segundo o banco sueco Skandinaviska Enskilda Banken (SEB). No Brasil, o setor engatinha com US$ 8 bilhões movimentados entre 2019 e 2021. Desse total, mais de US$ 4,6 bilhões foram executados somente no primeiro trimestre deste ano, de acordo com levantamento das emissões públicas realizadas pela Sitawi.
No brasil, entre 2019 e 2021, os Títulos Verdes movimentaram US$ 8 bilhões
movimentados entre 2019 e 2021. Desse total, mais de US$ 4,6 bilhões foram executados somente no primeiro trimestre deste ano, de acordo com levantamento das emissões públicas realizado pela Sitawi.
Mais do que uma seara repleta de números, os títulos verdes representam uma grande oportunidade para o mercado agropecuário brasileiro. É um dinheiro novo que surge com apetite para financiar atividades ligadas à economia sustentável. Além disso, promete ser uma alternativa real para o cada vez mais escasso recurso do Plano Safra. Segundo estimativa da Climate Bonds Initiative (CBI), a agricultura brasileira tem potencial para movimentar R$ 700 bilhões até o fim do ano somente em papéis temáticos. “O Brasil pode protagonizar a economia verde, em boa parte, devido à agricultura”, disse Leisa Souza, head da entidade para América Latina.
Os trabalhos de estruturação do mercado estão a todo vapor. O Banco Central (BC) anunciou, para julho, o início do Bureau Verde. Neste sistema, a entidade ligará operações com características verdes à tecnologia de georreferenciamento para evitar concessão de crédito a projetos em áreas protegidas. Em outra iniciativa, o BNDES divulgou seu Framework de Emissão de Títulos Sustentáveis (SBF). O documento organiza as categorias elegíveis para acesso às finanças sustentáveis em dois grupos. O de ‘categorias verdes elegíveis’, composto por projetos de energia, gestão sustentável da água e dos recursos naturais vivos, uso da terra, entre outros. E ‘categoria sociais elegíveis’, para projetos de saúde, educação e financiamento de micro a médias empresas. Para Amaury Oliva, diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a articulação mostra o amadurecimento do mercado. “Estamos em um ciclo virtuoso com produtores mais conscientes, investidores engajados e bancos criando novas alternativas de soluções verdes”, disse.
O Brasil pode protagonizar a economia verde, em boa parte, devido à agricultura
INICIATIVA PRIVADA Em paralelo aos esforços da esfera pública, instituições privadas também se movimentam. Com pouca tradição no agronegócio – ainda que da carteira de R$ 60 bilhões de crédito, o setor participe com R$ 10 bilhões – o BTG Pactual quer mudar essa história e usará os títulos verdes como ferramenta. Oportunidade existe, afirma Rogério Stallone, sócio responsável pela Carteira de Crédito Corporativo do banco. “Esse setor, que era quase 100% dependente do governo federal, já vê no mercado de capitais e em bancos privados fontes de alternativas de crédito”, disse. Além de ter conseguido autorização para licenciar créditos de descarbonização (CBio) há poucos meses, em janeiro o banco realizou captação de US$ 500 milhões por meio de um título verde aderindo ao Sustainable Bond Network (SBNS) da Nasdaq. Patrícia Genelhú, head de Investimentos Sustentáveis e de Impacto da instituição, olha o futuro com otimismo. “A agenda ESG está atrasada no Brasil, mas estamos passando por uma fase de aceleração muito forte”, afirmou. De acordo com a executiva, entre 2016 e 2020, o banco distribuiu US$ 2,4 bilhões em finanças sustentáveis, valor superado no primeiro trimestre de 2021 com US$ 2,7 bilhões. Além disso, dos R$ 73,7 bilhões que o BTG tinha em carteira em dezembro, cerca de R$ 6,5 bilhões eram elegíveis para o framework de financiamento social e sustentável do Global Bond.
Em outra operação financeira inédita, as empresas Produzindo Certo, Traive Finance e Gaia Impacto anunciaram a emissão de um Certificado de Recebíveis Agrícolas Verde (CRA Verde.Tech) no valor total de R$ 63,3 milhões. Os recursos permitiram que sete agricultores independentes buscassem recursos diretamente no mercado de capitais para o financiamento de suas operações. Para Fabricio Pezente, CEO da Traive Finance, essa transação é de especial relevância porque o acesso ao mercado ainda é caro, o que favorece os grandes players. “É normal que qualquer tipo de inovação aconteça em pequena dimensão para depois escalar, mas com o maior interesse do investidor externo e interno, vamos popularizar o acesso”, afirmou. Os compromissos assumidos pelos produtores permitirão a preservação de 24.667 hectares de áreas protegidas.
SEGURO O CRA Verde.Tech trouxe também o ineditismo da inclusão de seguros agrícolas na operação, ajudando a quebrar a falta de cultura do uso do instrumento no Brasil – menos de 10% da área agricultável de 152,5 milhões de hectares são cobertas. O seguro rural atrelado às finanças verdes é uma das principais demandas da proposta feita pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura ao governo. De acordo com a líder da Força-Tarefa da Coalizão, Leila Harfuch, o programa pode elevar em cerca de 50%, para algo em torno de R$ 3,7 bilhões, os recursos para o financiamento da agricultura sustentável no próximo Plano Safra. “Um dos pilares do plano de agricultura de baixo carbono é que as seguradoras possam usar o Bureau Verde (BC) para se conectarem com produtores que usam a tecnologia para minimizar os impactos climáticos e ambientais”, afirmou. Com recursos equalizados cada vez mais escassos, o mercado de capitais pode subverter o velho ditado popular e mostrar que, finalmente, o dinheiro dá em árvores.