27/08/2020 - 13:05
A subprocuradora-geral Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini encaminhou nesta quarta-feira, 26, ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma nota técnica apontando que o Projeto de Lei 10.887/2018, que altera a Lei de Improbidade Administrativa, apresenta uma série de “retrocessos” no combate à corrupção. O projeto está em discussão na Câmara dos Deputados e aguarda parecer da Comissão Especial sobre Improbidade Administrativa.
“O substitutivo em apreço traz forte prejuízo ao combate à corrupção e à improbidade no país, com retrocessos materiais e processuais. Deixará de se considerar ato de improbidade a violação dos princípios da administração pública – isonomia, legalidade, impessoalidade e moralidade -, e só constituirá conduta ímproba a praticada com dolo e fim ilícito. Reduzirá à metade – quatro anos – as penas de suspensão de direitos políticos e de inidoneidade para contratar com o Poder Público, e permitirá ao condenado que continue a exercer cargo público se tiver mudado de função”, destaca a coordenadora da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF). As informações foram divulgadas pela Procuradoria.
Segundo Maria Iraneide, uma das propostas do PL é supressão da modalidade de improbidade administrativa de violação de princípios da Administração Pública, mudança que considera “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa”. Com essa medida, pretende-se que somente improbidades administrativas de enriquecimento ilícito e lesão ao erário sejam merecedoras de punição, relegando à impunidade diversas condutas graves, diz a Câmara de Combate à Corrupção.
Segundo o MPF, a nota técnica lista ainda uma série de atos que deixariam de ser improbidade, como um agente público frustrar a licitude de um concurso por meio de favorecimento de candidato na correção da prova; um agente penitenciário estuprar uma detenta sob sua custódia; e um agente usar documento falso para punir indevidamente um servidor em processo disciplinar.
“Em todas essas condutas, cuja gravidade fala por si, praticadas em razão da função pública, não houve enriquecimento ilícito ou lesão ao erário. Se aprovado o texto do substitutivo, deixarão de ser improbidade administrativa”, afirma o documento.
A nota técnica também indica que outra mudança prevista no projeto cria nova categoria: a dos atos de improbidade administrativa de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados pela lei, puníveis apenas com multa, “sem delimitação clara e critérios objetivos”.
De acordo com o MPF, a nota técnica também critica a proposta de mudança sobre o sequestro de bens de quem pratica atos de improbidade. “A redação dos dispositivos muda a atual natureza jurídica das cautelares patrimoniais no âmbito da improbidade administrativa, de tutela de evidência, conforme jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça, para tutela de urgência. As consequências dessa mudança não poderiam ser mais desastrosas. As cautelares patrimoniais visam, em essência, ressarcir o patrimônio público desfalcado pelos danos, desvios e enriquecimentos ilícitos. Acontece que, mesmo sendo atualmente uma tutela de evidência, bastando demonstrar a probabilidade da ocorrência do ato de improbidade e da autoria, a taxa de sucesso de ressarcimentos nas ações de improbidade administrativa é baixíssima. Aumentar o rigor nas cautelares patrimoniais é o mesmo que tornar essa taxa de insucesso mais vergonhosa”, diz o documento.
Outro ponto questionado é a previsão de que, após o réu apresentar defesa preliminar, o juiz poderá rejeitar a ação se ficar convencido da existência de dúvida fundada sobre a responsabilidade do agente. Segundo a Procuradoria “exigir certeza sobre a responsabilidade, sem a abertura regular da fase de instrução processual, é suprimir do autor o devido processo legal”. A Câmara de Combate à Corrupção defende que o dispositivo pode ser prejudicial tanto ao autor quanto ao réu.
“Ressalte-se ainda que o enriquecimento ilícito do agente – como recebimento de propina – que não tenha causado dano ao erário não permitirá bloquear seus bens. E o substitutivo aumenta excessivamente, para 60 dias, o prazo para a defesa em juízo, tornando o processo mais moroso ainda. Além disso, limita inexplicavelmente o prazo para investigar a, no máximo, um ano, o que é impossível de ser realizado, e admite a possibilidade de o réu absolvido processar o Estado por perdas e danos, o que é inconcebível no nosso sistema jurídico e poderá gerar intranquilidade ao exercício da função pelo Ministério Público”, acrescenta Maria Iraneide.