30/08/2019 - 13:20
O empresário catarinense Raul Anselmo Randon foi um visionário. Falecido no início do ano passado, aos 88 anos, ele ajudou a erguer um império que hoje fatura R$ 4,3 bilhões por ano: o grupo Randon. A companhia, que fabrica peças automotivas, veículos e implementos rodoviários, começou numa pequena oficina, em 1949, no município de Caxias do Sul (RS), e ajudou a desenvolver o agronegócio nacional. Em 1996, depois de obter êxito no cultivo de maçãs, o empresário de descendência italiana iniciou a produção de queijos finos, algo ainda inédito no País. Ele produzia o grana padano. Típico da região norte da Itália, o queijo leva de 1 a 2 anos para ficar pronto para o consumo e é caracterizado por sua textura granulada e sabor adocicado e picante. “A ideia surgiu numa das constantes viagens que meu pai costumava fazer à Itália”, conta Alexandre Randon, 55 anos, presidente da RAR, que reúne todos os negócios agrícolas da família, como a produção de maçãs, uvas, azeitonas e queijos, além de importações de alimentos e bebidas.
Naquele ano, a empresa passaria a produzir quatro peças de queijo de 34 quilos cada, por dia, num total de 136 quilos. Apesar de pequena, a produção tornou-se célebre. Era a primeira vez na América Latina que alguém conseguira autorização para produzir esse tipo queijo fora da Itália. O grana padano é um dos produtos com o selo de Denominação de Origem Protegida (DOP), concedido pela União Europeia. Com o passar do tempo, a indústria brasileira de lácteos foi se transformando, com o gradual aumento da qualidade do leite e do poder aquisitivo e gosto da população. Além da RAR, outros laticínios entraram na onda dos queijos especiais, como a catarinense Gran Mestri, a paulista Tirolez e a mineira Scala.
Esse movimento permitiu que, além do grana padano, os italianos parmesão e gorgonzola, o holandês gouda e os franceses brie e camembert também passassem a ser produzidos no Brasil e se tornassem menos raros nas prateleiras dos supermercados. Os laticínios brasileiros têm motivos para investir no setor. Afinal, o País tem altos índices de importação de queijos finos. O recorde foi em 2011, quando foram importadas quase 40 mil toneladas, que custaram cerca de US$ 200 milhões. No ano passado, com a produção interna já incrementada, foram quase 30 mil toneladas importadas, por US$ 130 milhões. Esse número representa cerca de oito vezes mais o volume que o Brasil exportou desse produto, no ano passado. Para o engenheiro Fábio Scarcelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq), tudo isso é um sinal claro de que o negócio tem muito a crescer. “O consumidor brasileiro está descobrindo outros sabores com esses queijos mais elaborados”, declara Scarcelli. “Não tenho dúvidas de que, no longo prazo, os queijos especiais vão ganhar ainda mais espaço no País”, afirma.
CONSUMO EM ALTA O otimismo de Scarcelli tem fundamento. Segundo um estudo do Ministério da Fazenda, a cada 1% no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do País, o consumo de queijo tem um acréscimo de 1,2%. “Apesar da crise econômica dos últimos dois anos, o setor cresceu 2,6%”, observa Scarcelli. A produção do ano passado ficou em torno de 1,2 milhão de toneladas. Desse total, 96 mil toneladas (8%) foram de queijos especiais. Ao todo, é um mercado que movimenta cerca de R$ 18 bilhões por ano. “A economia nacional não ficará estagnada para sempre. Uma hora, vai voltar a crescer. Daí, o mercado de queijos, especialmente os mais sofisticados, crescerá também”. Atualmente, o consumo de queijos no Brasil é de 5,7 quilos por pessoa ao ano. A expectativa é de que esse número chegue a 9 quilos nos próximos dez anos.
Esse bom momento do mercado nacional de queijos finos tem ligação direta com o campo. O grana padano da RAR, por exemplo, não seria possível sem um rebanho de melhor genética e manejo com o gado. Quando tudo começou – meados dos anos 1990 –, com o dólar valendo cerca de R$ 1, a opção foi trazer o rebanho direto dos Estados Unidos, importando 65 vacas que desembarcaram em Porto Alegre. Hoje, a RAR possui 1,8 mil vacas em lactação, que fornecem todo o leite necessário à fabricação dos queijos. No ano passado, a empresa registrou a maior produção média diária do Rio Grande do Sul, com 23,9 mil litros, num ranking elaborado pela consultoria paulista Milk Point.
Da produção que, no início de tudo, fabricava apenas 4 peças de 34 quilos por dia (136 kg/dia), hoje são 50 peças por dia, totalizando 1,7 mil quilo. E esse número pode ser três vezes maior.
Segundo Sergio Martins Barbosa, diretor superintendente da RAR, a produção da fazenda pode alcançar 150 peças por dia. “O negócio vem crescendo”, afirma Barbosa. No ano passado, ele e sua equipe comemoraram alta de 20% no faturamento: R$ 250 milhões. Muito desse resultado foi obtido graças aos queijos. O próximo passo é exportar. “Já estamos com negociações bem avançadas com a Rússia”, conta o executivo. A notícia é excelente, já que os russos foram os maiores compradores de queijo brasileiro em 2018, pagando quase US$ 4,5 milhões por 670 toneladas (25% das exportações nacionais).
DEMANDA CRESCENTE Com a sede no município de Sacramento (MG) e dona de três laticícinios, a Scala também está de olho no nicho de queijos especiais. Para ganhar espaço, a companhia investiu R$ 65 milhões, nos últimos dois anos. Diretor executivo da empresa, o veterinário Marcel Scalon Cerchi diz que os aportes foram empregados na modernização da área industrial, o que permitirá ampliar a capacidade de produção. “Acreditamos que a economia vai se recuperar. Além disso, mesmo com a crise, o setor de produção de queijos está crescendo”, destaca Cerchi, que não revela o faturamento da empresa. Ele divulga, no entanto, que a Scala fechou o ano passado com produção de 30 mil toneladas, das quais 4,5 mil (15%) foram de queijos especiais, como o parmesão, maturado por 18 meses. “Nossa ideia é, em breve, ampliar a linha de produtos. A demanda não para de crescer”, afirma.
Na esteira do desenvolvimento da empresa, estão cerca de mil produtores de leite. Juntos, eles fornecem cerca de 220 milhões de litros de leite, por ano, para o processamento da Scala. E podem ganhar até 20% a mais sobre o valor médio pago. Em Minas Gerais, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq), de Piracicaba (SP), em meados de maio, esse preço médio era de R$ 1,60 por litro. Com a melhora na qualidade do leite – já obtida por alguns fornecedores da Scala –, esse valor passaria para R$ 1,92. “Desde o início do nosso trabalho, estamos ajudando a desenvolver essa cadeia de produtores”, diz Cerchi. “E isso resulta num queijo de qualidade cada vez mais elevada.”