Dez perguntas para Alan Bojanic

Em setembro, representantes de 193 países estarão em Nova York para a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O boliviano Alan Bojanic, chefe do escritório da FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) no Brasil, diz que há uma pauta extensa proposta para o evento, mas que deveria se colorar mais luz sobre questões urgentes. Entre eles, estão o aumento do fluxo de migrações no mundo, políticas econômias e os compromissos assumidos na COP 21, a Conferência Mundial do Clima, realizada no ano passado. Durante o Global Agribusiness Fórum, em São Paulo no mês passado, Bojanic concedeu a seguinte entrevista:

Os conflitos no Oriente Médio, com milhares de pessoas migrando, mudam o foco de política da FAO de combate à fome no mundo? 
Vemos o movimento com preocupação, porque muitos migrantes que buscam refúgio na Europa são produtores rurais. Reverter esse fluxo não é fácil, porque estão tentando se salvar da morte. Mas é dever dos países promover a estabilidade política e uma das saídas para os acordos de paz se efetivarem seria os demais países comprarem produtos dos locais de conflito. Parece que o mundo ainda não tomou consciência da dimensão dos efeitos das migrações.

Nesse contexto, como o sr. analisa a saída da Inglaterra do bloco europeu?
A questão Brexit (sigla que denomina a saída da Inglaterra da União Europeia) preocupa porque os demais países do bloco se protegerão cada vez mais. E o pior a acontecer seria ter países cada vez mais protecionistas, deixando de praticar o intercâmbio de produtos, serviços e de conhecimento. E o mundo de hoje é basicamente um caldeirão de conhecimento.

O crescimento mundial da produção de alimentos será suficiente para acompanhar o crescimento da população e ao mesmo tempo alimentar 800 milhões de pessoas que ainda passam fome?
A população faminta tende a diminuir, dizem os números da FAO. Não sabemos a intensidade. O que tem acontecido nos últimos 15 anos é que 200 milhões de pessoas saíram da linha da fome. No mínimo deveríamos fazer isso nos próximos anos. O fato é que a demanda, definitivamente, não será mais apenas por alimento. Daqui para a frente, haverá uma demanda mais qualificada. E quando ela aumenta, é necessário mais produção para entregar uma maior quantidade de valor agregado. São outras as necessidades que vêm da agricultura além do alimento, como, por exemplo o algodão e a madeira. 


Campo minado: para a FAO, uma das maneiras de promover a paz mundial seria a compra de parte dos produtos agropecuários de zonas que passam por conflitos

Isso funcionará se o mundo caminhar para um protecionismo mais forte?
Os países têm feito um grande esforço para a redução das tarifas de importação nas últimas décadas. Mesmo o Brasil tem reduzido muito as barreiras para importação. Foram criados mercados, como o Mercosul, apesar dos problemas. O que interessa é liberar tarifas nas quais todos se beneficiam. 

O que é melhor para um país: acordos bilaterais ou em bloco?
Acordos bilaterais e em blocos são complementares. Os países têm que transitar nas duas vias, buscar as rotas bilaterais, sem perder de vista os acordos de bloco. O esforço deve ser o de caminhar para uma liberalização que leve renda melhor para os produtores e produtos melhores para os consumidores. O importante é que esses acordos gerem com o tempo uma economia de escala e sustentável nas duas pontas.

Como por exemplo?
A Europa, de modo geral, tem muita proteção no campo. Eles acreditam que o produtor europeu deve contar com um nível de proteção alto para não desaparecer. Isso porque, em muitos casos, pelo valor da terra e da mão de obra, eles não são tão competitivos como o Brasil que tem três colheitas por ano, mão de obra mais barata e terras muito mais acessíveis. O brasileiro ganhará muita competitividade, à medida que se diminuir o custo Brasil.

O Brasil deve ajudar a África, continente que pode ser um grande concorrente em algumas décadas?
Não há dúvida de que a África pode ser uma concorrente para o Brasil. A África não é um continente perdido, como muitas pessoas falam. O fato é que o Brasil tem muita tecnologia, conhecimento, mas também produtos para vender, como maquinário. Então, temos que pensar mais em uma relação de igual para igual do que na relação de um país rico com um país pobre. Se um país da África consegue melhorar a sua renda, ele poderá fazer mais negócios com o Brasil, não o contrário. O mundo do futuro precisará de muito alimento. Estamos falando, no mínimo, de 200 milhões a mais de toneladas de carne nos próximos 30 anos. É muito. Então, não tem problema que a África produza, que a Ásia produza, porque haverá mercado.

Passado quase um ano da Cop21, qual o balanço que pode ser feito?
Ainda é muito cedo para valorar resultados, mas o importante é que os países cumpram o que foi acordado, como a redução das emissões de gases poluentes e o desmatamento. Há um capítulo específico sobre agricultura, mostrando saídas. No Brasil, por exemplo, haverá um incremento do sistema de integração de lavoura, pecuária e floresta. Em outros países, o desafio é a economia de água. Esses compromissos devem ser traduzidos em políticas nacionais, para que eles possam se materializar. Agora, é preciso monitorar esses processos e apresentar quais os desafios que estão sendo vencidos.

Em locais como a Assembleia das Nações Unidas, em Nova York? 
Sim, esse é um fórum excelente. Porque sistemas de monitoramento não são para censurar e sim para apoiar os países que estão caminhando na direção em que se comprometeram. A FAO tem informações e subsídios de apoio desse monitoramento e pode apresentá-los a qualquer momento, quando necessário.

Os conflitos mundiais podem comprometer o desempenho da COP-21?
Eu diria que o terrorismo, a saída da Inglaterra da União Europeia, as migrações para a Europa e mesmo as intempéries que estão acontecendo na China, como as enchentes, são provas de que a segurança climática está batendo na nossa porta. São gargalos que resultam em grandes dificuldades, mas os compromissos e acordos assumidos não poder ser esquecidos.