Não foi uma tarefa fácil sair da fria capital paulista, na manhã do dia 8 de maio, e desembarcar na tórrida cidade de Sinop, município do norte do Estado de Mato Grosso. O trajeto de dois mil quilômetros em apenas um vôo, caso existisse uma linha área direta, duraria pouco mais de três horas. No entanto, o percurso real foi de 2,6 mil quilômetros em três vôos que duraram seis horas. A peregrinação aérea passou por Curitiba e Londrina (PR), mais a capital Cuiabá, antes do destino final. Naquela tarde, os termômetros do aeroporto de Sinop marcavam 36 graus. Mas chegar à cidade nem se comparava com a que estava por vir: uma expedição de cinco dias pelo mar de lavouras de milho em que o Mato Grosso vem se transformando depois da colheita da soja na primeira safra. É que o Estado se tornou o maior produtor do cereal no País, cultivando quase todo o milho na segunda safra. Na primeira, neste ciclo, foram somente 250 mil hectares. Mas na segunda safra, entre janeiro e meados de março, os agricultores plantaram 7,4 milhões de hectares. E vão colher, até julho, 24,7 milhões de toneladas, volume 64% superior ao ciclo 2015/2016, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Saber o que pensam o produtores, como eles vêm trabalhando a terra e os desafios da aprendizagem na gestão do negócio do milho é fundamental para o desenvolvimento das safras que virão pela frente. Não por acaso, há uma década o Mato Grosso produzia 3,3 milhões de toneladas na segunda safra. “Nesta safra, tanto o clima como o profissionalismo do produtor ajudaram muito a chegar nesse resultado”, diz a agrônoma Heloísa Melo, da consultoria catarinense Agroconsult. “A comercialização está sendo um problema porque o produtor deixou de fazer as vendas antecipadas em alguns casos.”

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Venda antecipada: Bernardo Chiarelotto (à dir.) e seu filho Diogo, da fazenda São Francisco, em Cláudia só travaram 10% da produção (Crédito:Eduardo Monteiro)

Melo fala com propriedade. Ela é a responsável pela coordenação de um grupo de 16 pessoas para monitorar o maior polo produtor de Mato Grosso, a região do Médio-Norte para a expedição Rally da Safra. O rally é o maior projeto do País de monitoramento de lavouras, promovido pela Agroconsult. A partir de Sinop, engenheiros agrônomos, técnicos, estudantes de agronomia, mais a reportagem da revista DINHEIRO RURAL, embarcaram em uma etapa do projeto, a bordo de quatro picapes com tração nas quatro rodas. Estavam por vir estradas com trechos muitas vezes esburacados, e a travessia por pontes nada confiáveis. O caminho percorrido foi de cerca de 6,3 mil quilômetros pela BR 163, passando pelos municípios de Cláudia, Vera, Nova Ubiratã, Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, até a chegada a Cuiabá. Neste ano, o Rally da Safra, que acontece desde 2003, percorreu 95 mil quilômetros por lavouras de milho de 11 Estados, com o final da expedição no início deste mês. “Nessa região de Mato Grosso, os dados coletados no percurso ainda precisam ser analisados com profundidade, mas já foi possível uma constatação: as lavouras expressaram uma produtividade muito próxima ao seu potencial”, diz Melo. Coletando dados, como o tamanho das espigas, o espaço entre as plantas e a quantidade de pés de milho por metro, ali mesmo já era possível ver que o Médio-Norte de fato deixava para trás as marcas de uma temporada muito ruim. A safra passada, a 2015/2016, foi uma das piores da história do milho safrinha, por causa da seca que assolou Mato Grosso. A queda chegou a 25,8% e os produtores colheram somente 15 milhões de toneladas. Para a Conab, a região do Médio-Norte deve apresentar uma produtividade média de 5,7 mil quilos por hectare, ante 3,9 mil na safra passada.

Nessa etapa, o Rally colheu cerca de 300 amostras de dados. Uma delas foi na fazenda Santa Anastácia, de 14 mil hectares no município de Sorriso. Ela pertence ao gaúcho Argino Bedin, que cultiva milho e soja há 35 anos na região. Bedin conhece bem a fórmula para não perder dinheiro. Seu segredo? “Invisto sempre nos ganhos de rendimento da lavoura e não sou de perder uma boa oportunidade de negócio”, diz Bedin. É por isso que ele mantém uma das fazendas mais estruturadas da região, com unidades de armazenamento com capacidade para 84 milhões de toneladas e um pátio de máquinas com 27 colhedeiras, plantadeiras de até 60 linhas e seis tratores, alguns gigantes de esteira para evitar a compactação do solo. Em meados de outubro do ano passado, Bedin fechou a venda antecipada de 69,2% de sua produção por R$ 18 a saca. “Nessa época, o milho estava num pico de bons preços e por isso não perdi a oportunidade”, diz ele. De fala mansa, focado, Bedin sabe que com o milho, o bom negócio é administrar os ciclos. Isso porque nos últimos anos, definitivamente o cereal brasileiro entrou na pauta de exportação e lá fora a produção americana tem peso. Os americanos, os maiores produtores do mundo, vão colher nesta safra 366,54 milhões de toneladas, 6,5% acima da anterior. “Tudo depende dos americanos”, diz Bedin. “Se eles vão bem, nós não ficamos tão bem, e por isso os preços estão mais baixos.” De acordo com o produtor, o valor da saca de 60 quilos de milho, em meados de outubro do ano passado, que já não era tão alto, estava em torno de R$ 18. Hoje, o preço é de cerca de R$ 15. “Na safra passada tivemos uma colheita ruim, com preços bons. Nesta safra, os preços que estão ruins”, diz o produtor. Mas não para ele. Pela venda antecipada, o produtor vai faturar R$ 16,2 milhões somente com o cereal. Ele plantou dez mil hectares, praticamente o total de sua área, e deve fechar a colheita no final deste mês com uma produtividade de 130 sacas de 60 quilos de milho por hectare, 30% a mais que na safra 2015/2016.

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Bedin faz parte de um grupo de produtores que estão atentos ao mercado e não são de especular. Esse grupo hoje comercializa de forma antecipada metade da produção do milho de Mato Grosso. Segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), até o dia 19 de maio, 13,1 milhões de toneladas, volume equivalente a 46,7% da produção estavam travadas com vendas futuras. Mas, para os analistas de mercado, na comparação com a safra passada esse índice foi baixo. Nessa mesma época, em 2016 já se registrava 15,8 milhões de toneladas da produção comercializada, 82,7% da safra. Para André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult e coordenador geral do Rally da Safra, é necessário que o produtor evolua mais nessa prática porque é a forma do produtor garantir a cobertura de seus custos. “Essa mudança está ocorrendo muito lentamente”, diz Pessoa. “Falta ainda uma boa educação financeira para que o produtor passe a usar mais ferramentas de venda antecipada, via contratos a termo com as tradings ou indústrias. Também com contratos futuros ou derivativos na B3 ou, ainda, usar ambos.”

Em movimento: foram cerca de 6,5 mil quilômetros rodados pela equipe do Rally da Safra em Mato Grosso. O constante trânsito de caminhões de grãos (acima.) anunciam o recorde da produção (Crédito:Divulgação)
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Pela janela da picape, o que se vê é um Mato Grosso exuberante, com verde até onde a vista alcança. Áreas de mata, pasto e lavoura se misturam na velocidade que a estrada permite. Mas nessa época, nada se compara à imensidão das lavouras de milho, cheias de espigas granadas, no máximo de sua carga genética permitida. O Médio-Norte, o maior polo de produção desse grão no Estado, também vai no limite. Nesta safra, a região vai colher 12,3 milhões de toneladas, volume equivalente a 43,6% da produção do cereal mato-grossense. O milho, juntamente com a pioneira soja, faz os municípios crescerem aceleradamente. Engana-se quem pensa encontrar cidades formadas por um centro comercial tímido, cercado por revendas de insumos agrícolas. A agricultura do Médio-Norte faz cidades de comércio pujante, com ruas nas quais as lojas de vestuário, decoração de alto padrão, bares descontraídos e as concessionárias de veículos se compararem ao padrão encontrado em grandes cidades do País, como São Paulo, por exemplo. “É impressionante como a riqueza da agricultura transformou a região”, diz Melo. Não é por acaso que cidades como Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde estejam enquadradas e uma alta faixa no Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Lucas do Rio Verde, por exemplo, ocupa a 249a posição entre os 5565 municípios brasileiros. Essas cidades vão contribuir para que o País colha, dentro de uma década, 140 milhões de toneladas de milho, ante 92,8 milhões nesta safra.

Para os produtores, a meta será alcançada mais rapidamente, quanto mais eficaz forem os aprendizados de como lidar com esse mercado. Nesta safra, por exemplo, Bernardo Chiarelotto, 72 anos, e seu filho Diogo, 34 anos, da fazenda São Francisco, de 1,7 mil hectares, no município de Cláudia, tiveram uma lição. Os produtores, que também utilizam tecnologias no mais alto grau, se esqueceram de olhar para os preços. Fizeram o mesmo que muitos outros produtores: aguardaram preços melhores, em função do ótimo desenvolvimento das lavouras. Mas eles não vieram. “Não nos preocupamos quando os preços estavam bons, em outubro do ano passado, porque compramos a vista todos os insumos, como sementes e fertilizantes”, diz Diogo. “A oportunidade passou na nossa frente, como um cavalo dado, e a deixamos escapar”, diz Bernardo.

Contando o resultado: equipe de campo mensurando uma das cerca de 300 amostras de dados de produtividade coletados (Crédito:Divulgação)

Com uma estimativa de produtividade de 110 sacas em cada um dos 780 hectares cultivados, que estão rendendo 5,1 mil toneladas, os agricultores fecharam apenas 10% de sua produção por R$ 16, em um contrato fechado em meados de janeiro. O que ocorreu na São Francisco foi um descuido que está custando caro, já que em anos anteriores a venda antecipada da safra sempre foi uma ferramenta utilizada. No ano passado, nessa mesma época, os produtores tinham travadas cerca de 90% da produção. Em Mato Grosso, o tempo não para, assim como o Rally, que segue em frente. “Agora estamos atrás dos leilões de milho do governo para garantir o preço mínimo”, diz Diogo. A expectativa é de uma receita de R$ 1,4 milhão com o cereal e uma melhor gestão na hora de vender na safra que vem.