01/08/2010 - 0:00
Depois de 11 anos estagnada no Congresso Nacional, a revisão do Código Florestal está em movimento. E a retomada da discussão do novo texto da lei atiça as mais acaloradas divergências. No epicentro da controvérsia está o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do texto aprovado em comissão especial e que seguirá para o plenário da Câmara. Para ele, a legislação ambiental brasileira se transformou numa colcha de retalhos, que levou 90% das propriedades rurais – 5,2 milhões delas – à ilegalidade. “Tudo feito de forma arbitrária, sem levar em conta a realidade do País”, avalia. Em entrevista à DINHEIRO RURAL , o deputado relata como se deu a construção da nova lei.
Dinheiro Rural – O sr. buscou construir um novo Código Florestal de consenso, sem se associar a ruralistas ou ambientalistas. Por que, depois de um ano de debates, ainda houve tanto descontentamento?
ALDO REBELO – Porque a matéria é controversa. E porque o Código Florestal de 1965 foi submetido a um processo de alteração muito grande, de tal forma que 90% das propriedades rurais do Brasil – 5,2 milhões delas – ficaram na ilegalidade. Em alguns casos, como no Rio Grande do Sul, mais de 99%. Corrigir essa deformação na lei para trazê-las de volta à legalidade, resistindo a pressões corporativas de setores do ambientalismo, não é fácil. Mas tivemos sempre o objetivo de proteger o meio ambiente e de legalizar a atividade da agricultura e da pecuária no Brasil.
Rural – Que deformações?
REBELO – O código de 1965 foi votado no Congresso. As alterações no código, não. Foram portarias, decretos, medidas provisórias, resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Uma delas, de 2002, que é muito grave e há oito anos está aí sem nenhuma correção, colocou na ilegalidade 75% da produção de arroz, que sempre foi produzido em várzeas. Todo o gado criado no Pantanal, feito de forma sustentável, foi para a ilegalidade. A produção de banana na região do Alto do Ribeira (SP), a de maçã no Rio Grande do Sul, a de café no Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais, todas se tornaram ilegais porque as encostas se tornaram áreas de proteção permanente. Tudo isso foi feito de forma arbitrária, sem levar em conta a realidade do País.
Rural – Que garantias terão tanto os produtores rurais quanto os ambientalistas de que qualquer órgão do governo não promoverá alterações?
REBELO – Corrigindo a lei, estabelecendo os limites com clareza, você inibe a arbitrariedade de outros órgãos do poder público. Por exemplo, nós asseguramos que a atividade em várzea, tanto para o arroz quanto para a criação de boi, está legalizada. Isso não poderá ser alterado. Nós autorizamos a atividade dos produtores de maçã, uva e café, salvo onde não for permitido de acordo com um estudo específico – o Zoneamento Ecológico Econômico. Mas temos avanços ambientais importantes, como a proibição de abertura de novas áreas por cinco anos. Hoje, a lei autoriza qualquer um a desmatar.
Rural – Os ambientalistas se queixam de que o código não distingue os agricultores que foram postos na ilegalidade por novas regras daqueles que desmataram por má-fé. Como será feita essa distinção?
REBELO – São dois casos diferentes. No primeiro, que envolve aqueles que estavam autorizados a ocupar suas autoridades dentro de um limite que foi depois reduzido, provando que ocuparam quando a lei permitia, eles estarão dispensados de recompor dentro da exigência da nova lei. No outro caso, fica aberta a possibilidade para, desde que se comprometam a recompor as áreas desmatadas, voltarem à legalidade. Não é uma anistia, porque se trata de multa administrativa. Se ele não se legaliza, sua multa não prescreve.
Rural – Os ruralistas se queixaram muito da alteração feita pelo sr., tirando a autonomia dos Estados de fazer suas próprias leis ambientais. Por que a mudança de última hora?
REBELO – Foi para conciliar interesses. Achei a crítica (dos ambientalistas) pouco inteligente. Aliás, achei a crítica indigente. Dizer que haveria uma guerra fiscal entre os Estados por uma margem de APP de 15 metros é um argumento indigno de técnicos (do Ministério do Meio Ambiente). Essa foi a única alteração que propusemos e foi com o objetivo de proteger o pequeno produtor, que ficaria inviabilizado pelo simples fato de sua propriedade ter três ou quatro córregos, onde teria que ceder 30 metros de cada lado. O argumento é uma insensatez, é quase uma irresponsabilidade. Mas como concordaram em reduzir a reserva legal de 30 para 15 metros nas pequenas propriedades, achei prudente retirar a discricionariedade dos Estados para demonstrar boa vontade. Mas foi mais por insistência do que inteligência.
Rural – Esse texto não jogaria para a inconstitucionalidade leis estaduais como a de Santa Catarina?
REBELO – Creio que o texto de Santa Catarina já está sendo discutido no Supremo. O Estado pode legislar, mas não restritivamente em relação à lei federal. O que pode resolver a questão de lá é o programa de regularização ambiental, que vai consolidar áreas de proteção ambiental previamente ocupadas pela agricultura e pela pecuária, desde que essa decisão seja precedida do ZEE, do plano de bacia hidrográfica ou de estudo especializado de um órgão público.
Rural – Como foi construir, ao longo de um ano, uma proposta tendo que dialogar com dois lados que se acusam mutuamente de intransigentes?
REBELO – Eu tinha a vantagem de não pertencer a nenhuma das duas frentes parlamentares, nem da agropecuária nem do meio ambiente. Tive sempre bom diálogo com os dois lados. O que facilitou minha atividade foi a capacidade de ouvir o País inteiro. Ouvi todas as organizações não governamentais: as estrangeiras, as nacionais, as estaduais. Ouvi as universidades. Percorri 18 Estados. Fui formando um inventário dos problemas. Parti da realidade, dos fatos. Não parti dos preconceitos. Não parti do princípio de que o meio ambiente é inimigo do produtor rural e vice-versa. Tive como referência o interesse da população e do País.
Rural – De que lado o sr. sentiu mais dificuldades para a construção dessa solução?
REBELO – Com o lado do meio ambiente. É muito mais intransigente, muito mais preconceituoso. Também por conta dos interesses externos. Muitas dessas ONGs são sediadas no Exterior, recebem financiamento dos países ricos e não estão aqui de uma forma inocente. Há uma guerra comercial no mundo em torno da agricultura, do etanol, do algodão, da carne. É uma guerra muito dura e os países ricos usam suas ONGs como instrumento dessa guerra. Acho legítimo que façam isso. Mas acho legítimo também que a gente defenda os interesses do nosso país. Acho legítimo que o Greenpeace defenda os interesses da agricultura europeia. Da mesma forma em que eu defenda os interesses da agricultura e do meio ambiente do meu país. Não posso é ajudar o produtor americano ou da França.
Rural – A moratória de cinco anos pode acabar comprometendo investimentos que implicam na abertura de áreas de floresta?
REBELO – Fui advertido para essa possibilidade e procurei corrigir, colocando uma condição que não estava no projeto original. A correção prevê que a moratória não atinja projetos já licenciados, em processo de licenciamento ou aqueles que tenham sido protocolados até a publicação da lei. Creio que, dessa forma, você reduz o impacto nas áreas de fronteira agrícola ou até a antecipação dos investimentos nessas áreas.
Rural – Representantes do setor agropecuário se mostraram muito mais satisfeitos com o novo código do que ambientalistas. Como o sr. reage às associações em ser amigo do setor?
REBELO – Sou um defensor da reforma agrária, não um inimigo da agricultura. Se as pessoas acham que ser defensor da reforma agrária é ser inimigo da agricultura elas não sabem o que é uma coisa nem outra. Defendo a agricultura do meu país: a pequena, a média e a grande. Agora, entre um produtor americano e um brasileiro, é claro que vou ficar do lado do brasileiro. Enfrento os defeitos dessa grande agricultura de exportação do meu país, mas também defendo suas virtudes.