24/06/2021 - 13:00
O economista Ilan Goldfajn, presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil, é um dos principais responsáveis pela multiplicação de startups financeiras, mais conhecidas como fintechs, no País. Como comandante do Banco Central quando as fintechs de crédito foram regulamentadas, em 2018, ele desempenhou um papel fundamental para garantir que as exigências legais não abafassem o florescimento dos novos empreendimentos.
Nesta entrevista ao Estadão, Goldfajn comenta as reclamações crescentes dos grandes bancos contra as fintechs, decorrentes do que classificam como uma “assimetria regulatória” da atividade em relação às obrigações que têm de cumprir. “Às vezes, o regulador não atrapalhando, deixando a modernidade chegar, já é uma grande coisa”, afirma. “Não se deve regular os diferentes como iguais. Agora, se a turma cresceu muito, se ficou muito importante, deixou de ser entrante no sistema, tem de ser tratada como gente grande.”
Como o sr. vê o desenvolvimento das fintechs, cuja regulamentação foi feita em sua gestão no BC?
A sensação que eu tenho é de que pelo menos até agora está indo no caminho certo. A gente pode destacar alguns aspectos em que o desenvolvimento do mercado atendeu aos nossos objetivos. Um foi na inovação, ao trazer para o mercado toda a tecnologia disponível. Ninguém mais pode ficar alienado em relação às novidades. O segundo ponto foi a inclusão financeira. Muitas dessas empresas entrantes no sistema estão ganhando a vida conquistando novos clientes, gente que não estava no mercado financeiro. Além disso, o consumidor está conseguindo preços melhores. A competição está favorecendo quem dá isenção de tarifas, empréstimo mais barato, cartão de crédito mais barato. Isso tudo é muito importante.
O que vocês levaram em conta na época, ao fazer a regulamentação das fintechs da forma como ela foi feita?
Lá atrás, o que a gente queria era não atrapalhar, deixar a turma andar, criar, e não sobrecarregar de exigências que não se fazem necessárias. Às vezes, o regulador não atrapalhando, deixando a modernidade chegar, já é uma grande coisa. Isso significa permitir que os entrantes, gente que está trazendo tecnologia, que quer abocanhar uma parte do lucro existente no setor, possa florescer. Muitos pedidos que você faz como regulador, como capital, liquidez, responsabilização dos diretores, comitês, são desenhados para instituições muito maiores e mais complexas. Como as exigências feitas pelo BIS (Bank for International Settlements, considerado o Banco Central dos bancos centrais) são voltadas para instituições financeiras de grande porte, nós não tínhamos nenhuma obrigação de impor isso aos entrantes no sistema. Havia uma percepção de que a gente poderia deixá-los se desenvolver sem grandes riscos para o sistema.
Algumas fintechs cresceram muito, mas continuam sob o guarda-chuva regulatório das startups. Como o sr. vê essa questão?
Acredito que a gente tem de voltar ao princípio básico. Se você oferece risco, se ficou muito grande, complexo, tem de ser regulado de uma forma. Se não, de outra. Se alguma dessas empresas deixou de ser algo pouco importante e se tornou muito importante, não precisa reinventar a roda. Tem de realocar dentro de outra caixinha. Se a turma cresceu muito, se virou muito importante, deixou de ser entrante, tem de ser tratado como gente grande. O Banco Central foi muito bem sucedido numa ideia, de divisão do sistema em diferentes categorias (S1, S2, S3, S4, S5), que depois foi adotada em outros países. A gente dividiu o sistema e passou a regular de acordo com o risco que cada categoria representa. Então, é só usar o que a gente já tem. Talvez tenha de adaptar um pouquinho, mas, se um desses entrantes virou S2, por exemplo, é só enquadrá-lo nesta categoria.
Agora, os representantes das grandes instituições financeiras dizem que esses entrantes não são tratados como bancos, mas funcionam como bancos. Como o sr. encara essas críticas? Elas fazem sentido para o sr.?
Não, porque acho que a gente tem de regular de forma igual os iguais. E, por enquanto, estão querendo regular os diferentes como iguais. Na medida em que você quer ter mais tecnologia, mais competição, mais inclusão financeira, tem uma boa justificativa para não regular de forma igual os diferentes. Agora, na medida em que os diferentes vão ficando iguais, as críticas começam a fazer mais sentido.
O sr. vê algum risco sistêmico que seja preocupante à vista?
Não, mas a gente tem sempre de adotar postura preventiva. Tem de estar sempre olhando o futuro, nunca achar que está tudo bem. O mercado financeiro em geral está na direção correta, mas às vezes o pêndulo vai demais numa direção. Sempre tem de olhar se você chegou lá.
Projetando alguns anos para frente, com base no que se observa hoje, como o sr. vê o sistema financeiro dentro de cinco ou dez anos?
Eu não vejo o sistema completamente diferente. Não vejo uma revolução, vejo uma reforma. Vejo os bancos tradicionais tendo o seu papel. Acredito que daqui a dez anos, os cinco maiores vão continuar por aí. Vejo os bancos médios e as cooperativas fazendo seu papel. E vejo essa turma toda entrando e disputando o mercado, tornando obsoletas algumas tecnologias, forçando a mudança de comportamento. Acredito, por exemplo, que os bancos tradicionais ainda têm muito mais capacidade de conceder crédito melhor do que os que estão inovando. Têm mais capacidade de escolher a empresa e a pessoa certas. Os modelos de crédito, as plataformas de crédito dos entrantes ainda não chegaram lá.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.