27/10/2020 - 12:00
O Brasil deveria ser mais maduro, desenvolver políticas que ajudem o País de forma duradoura, e não camuflar sua posição se colocando ao lado de outras nações, na avaliação do criador do acrônimo Bric, o britânico Jim O’Neill. “Não está claro para mim, de forma alguma, como estar supostamente próximo a Trump ajudou Bolsonaro ou o Brasil”, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast sobre a eleição americana, no dia 3 de novembro, citando os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e o brasileiro, Jair Bolsonaro.
O’Neill criou a sigla que reúne países emergentes de grandes territórios e populações (Brasil, Rússia, Índia, China e, a seu contragosto, a África do Sul posteriormente foi incluída no grupo que passou a ser chamado de Brics) quando trabalhava para o banco Goldman Sachs, há quase 20 anos.
Atualmente, preside a think tank Chatam House e tem atuação em várias outras áreas, como a busca da melhora da educação para os menos privilegiados por meio da UK Educational Charity, melhora da atividade no norte da Inglaterra pela North Powerhouse e está envolvido na luta contra a resistência antimicrobiana (AMR), além de continuar a ser o consultor global para o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron. A seguir, os principais trechos da a entrevista.
O sr. vê algum tipo de virada para os países emergentes, especialmente os do Brics, em função do resultado da eleição americana no mês que vem?
Eu provavelmente deveria dizer “não sei” a todas as perguntas (risos)…. Neste caso, é mais difícil manter a avaliação tradicional de que os republicanos são bons para o mercado e os democratas, não. E isso ocorre por causa das peculiaridades de Trump. Ele tem sido tão disruptivo em relação à governança normal dos EUA, que é difícil classificá-lo ou tentar antever as consequências da eleição. Por causa da sua posição negativa em relação ao engajamento global sob vários aspectos e a sua posição sobre a China, acho que uma vitória de (Joe) Biden poderia ser considerada uma boa nova para o mundo ou, mais especificamente, como o seu engajamento no mundo poderia ser bom para a economia global. A reeleição de Trump não seria tão positiva. Mas, claro, nada mais é igual e, se os democratas forem mais expansivos na política fiscal, poderemos ter um fim mais cedo das políticas de afrouxamento monetário, que são geralmente mais negativas para os mercados emergentes por causa do aumento das taxas de juros americanas e o fortalecimento do dólar. Então, eu não tenho certeza… De forma mais ingênua, dado o que aconteceu com o mundo por causa da covid-19, muito mais importante a meu ver é se e quando teremos vacinas. Isso é especialmente verdadeiro para o Brics, até porque dois de seus membros, o Brasil e a Índia, tiveram problemas com o controle de infecções. Assim, uma vacina seria crucial para esses países em particular e, claro, para todo o mundo.
Quais seriam os principais pontos a favor do Brics com a vitória de Trump ou de Biden?
Ainda acho que, especialmente para o primeiro semestre de 2021, a chegada de uma vacina será mais importante e mais clara do que saber se será Trump ou Biden quem vencerá. Mas tem um ponto que eu que enfatizar: independentemente de quem vença, os Estados Unido vão continuar desafiando a China e, para complicar a situação para além da questão da eleição americana, suspeito que Biden poderia ser mais eficaz sobre a China do que Trump, porque a ausência de Trump na arena internacional tem permitido à China se apresentar muitas vezes no palco mundial, especialmente em relação a assuntos globais, como mudança climática e livre-comércio.
O presidente Bolsonaro sempre destaca a proximidade com os EUA e os benefícios para o País. Isso é uma realidade ou apenas um discurso político? E se Biden vencer, o Brasil estará mais fadado a um papel insignificante no mundo?
A meu ver, o Brasil deve fazer as coisas para se ajudar e não camuflar sua posição, escolhendo lados com outros países. Em última análise, esses relacionamentos não oferecem benefícios duráveis, principalmente em relação a fazer políticas corretas dentro de casa. Não está claro para mim de forma alguma como estar supostamente próximo a Trump ajudou Bolsonaro ou o Brasil. O Brasil precisa ser mais maduro e seguir políticas econômicas que reduzam sua dependência excessiva dos preços e da indústria de commodities.
O sr. tem dito nos últimos anos que o Brics poderia ter usado sua projeção global para realmente fazer a diferença no mundo, e não o fez. O sr. ainda tem essa esperança ou segue desapontado?
Estou persistentemente desapontado. Não consigo pensar em um único acordo efetivo de peso entre os países do Brics que tenha tido uma consequência importante, especialmente em termos de apoiar outras economias ou mesmo seu desempenho coletivo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.