01/07/2009 - 0:00
Cesário Ramalho
Nos últimos meses, a rotina do presidente da Sociedade rural Brasileira (SRB), Cesário ramalho, tem se divi- do entre reuniões com minis- tros e deputados e aparições na tevê. em ambos os casos o assunto em pauta tem sido um só: as últimas polêmicas que novamente colocaram o agro- negócio e o meio ambiente em lados opostos.
A missão do dirigente tem sido convencer ambientalistas e, principal- mente, consumidores de que é possível conciliar o desenvolvi- mento do setor com a preser- vação da natureza. em entre- vista exclusiva à dinheiro rural, ramalho critica a postura do Greenpeace e afir- ma que produtores rurais que não cumprem a legislação devem ser punidos.
Dinheiro rural – É possível o agronegócio conviver com o meio ambiente?
Cesário Ramalho – Sem dúvida. Mas não há mais possibilidade de produzir sem sustentabilidade. O agronegócio brasileiro precisa se ajustar às questões ligadas ao respeito e às regras do meio ambiente. Conseguimos crescer e fazer da nossa produção uma grande commodity de exportações. Dos dez principais produtos agrícolas, somos os maiores exportadores de oito. O produtor rural brasileiro tem a obrigação de cumprir as regras do meio ambiente e trabalhar preocupado com a sustentabilidade.
Rural – Como fazer com que isso aconteça na prática?
Ramalho – Nós temos que trabalhar a imagem do produto. Existe a questão das certificações a respeito da qual ainda temos que evoluir. Na verdade, faz pouco tempo que se descobriu uma mudança climática no mundo. Então é preciso criar novas regras, novas políticas de incentivos a ajustes ambientais. Hoje quem regula a questão ambiental no Brasil é o Código Florestal, que é uma legislação falida.
Rural – Por que o sr. acredita que o Código Florestal está falido?
Ramalho – O Código Florestal é de 1965. Nessa época, o País tinha uma agricultura extrativa e de subsistência. Produzíamos apenas para nós mesmos, o que fazia com que fôssemos importadores de produtos como café e carne. Hoje, passados 40 anos, nós temos a melhor agricultura do mundo, altamente tecnificada. A produção brasileira explodiu e ocupou espaço de outros exportadores. E esse espaço está incomodando.
“Se não mudarmos o Código Florestal, mais de um milhão de produtores ficarão fora do setor”
Rural – O sr. acredita que há protecionismo nessa questão ambiental?
Ramalho – Acontece que começam a exigir mais do Brasil do que eles exigem para eles próprios. Pegamos um momento crítico, de crise internacional, e o Brasil incomoda os concorrentes. Quem sabe por isso mesmo eles estejam perturbando nossa produção.
Rural- Como esse código resolve os problemas do meio ambiente?
Ramalho – Nós precisamos acertar nosso Código Florestal e o governo criou a oportunidade de revermos a legislação. O Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente e a Embrapa estão trabalhando em conjunto nessa questão. O novo código ambiental é uma questão importante para que possamos ter o equilíbrio das coisas. Não podemos mais ter uma legislação de 40 anos atrás.
Rural – Mas o trâmite está lento…
Ramalho – A SRB tem trabalhado muito nesse projeto no Congresso, com a Frente Parlamentar da Agricultura, assessorado e sugerido uma série de coisas para esses deputados. Esse projeto entrou para debate na Câmara e está na pauta da comissão. O que visamos é uma mudança completa no Código Florestal, trabalhando inclusive com questões urbanas, nas quais há também problemas imensos. Nós colocamos seis pontos principais que incomodam o agronegócio brasileiro.
“Dizer que o produto rural brasileiro é produzido matando a Amazônia é uma mentira”
Rural – E esses pontos são…
Ramalho – Esses seis pontos estão com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que formou um grupo de trabalho junto com a Embrapa e órgãos do governo, para tentar levar essas medidas ao Congresso e conseguir uma aprovação mais rápida.
Rural – E o ministro…
Ramalho – O ministro, que é da base do governo, talvez possa conseguir agilizar essa questão. Não temos condição de suportar o Código Florestal como ele está. Pontuamos a questão da reserva, pleiteamos a junção da reserva legal com Áreas de Preservação Permanente (APP), o respeito aos biomas e a manutenção das áreas já estabelecidas e consolidadas. E sugerimos a possibilidade de refazer a reserva fora do bioma.
Rural – Existe alguma previsão de quando isso pode virar realidade?
Ramalho – Não. O presidente Lula assinou uma prorrogação da vigência do Decreto 6514, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais, até o fim do ano, com a indicação de não se multar os proprietários rurais. Temos que apresentar alguma coisa até o vencimento dessa prorrogação. Essa é a grande preocupação do ministro Stephanes, que percebe que temos uma grande dificuldade na aplicação dessa legislação. Se mantivermos o Código Florestal do jeito que está, vamos colocar para fora do setor rural mais de um milhão de proprietários. Acreditamos que 90% dos proprietários rurais não estão conseguindo aplicar as leis ambientais.
Rural – Na evolução do agronegócio, o meio ambiente ficou para trás?
Ramalho – Acho que não. Temos que levar em conta que o Brasil é muito grande. Há áreas e áreas. O Estado de São Paulo, se fizermos levantamento, tem 13% de reserva, falta 7%. Ou seja, isso ao longo dos anos foi um pouco além, mas não tínhamos legislação específica para essa questão. Mas avançamos muito, por exemplo, com a soja, que tem o plantio direto total. Se existe dificuldade ambiental em algumas regiões, temos outras que já estão melhorando ambientalmente o agronegócio.
Rural – Qual a sua avaliação sobre o trabalho do Greenpeace?
Ramalho – Acho que você não pode detonar o produto rural brasileiro. Não é verdade que todo o produto rural é produzido invadindo e quebrando a Amazônia. Acho que o Greenpeace devia ter um pouco mais de cuidado nessas questões. O que precisamos é cobrar a fiscalização da atuação dos proprietários nessas regiões, aplicar as multas devidas e fazer respeitar a legislação. Temos que levar em conta que o produtor foi incentivado a ocupar as regiões da Amazônia. Havia um programa nacional de governo, inclusive financiado com algum dinheiro internacional.
O governo financiou a abertura da Amazônia, era uma política de Estado de ocupação do País. Esses produtores estão lá há 40 anos, possuem um rebanho de alta qualidade, com genética e tecnologia. Não podemos culpar nem discriminar e muito menos criminalizar essas pessoas, que geram renda e emprego para o País. Temos que protegê-las.
Rural – Mas o sr. acredita ser importante que organizações fiscalizem a atuação desses produtores…
Ramalho – Sim, mas eu contesto algumas posições. Todo mundo é contra a devastação do meio ambiente e somos a favor da preservação do meio ambiente. Estamos completamente identificados com isso. Acho que o Greenpeace está fazendo uma campanha massificando esse problema. O Brasil vive disso, o País tem mais de R$ 200 bilhões de reservas cambiais provenientes do agronegócio. Devemos corrigir os erros, fiscalizar, punir, mas não podemos radicalizar e o Greenpeace radicaliza as posições. Se tivermos radicalizações, tanto de direita como de esquerda, vamos atrapalhar o País e acabar com o agronegócio. Temos que ter uma política ponderada e equilibrada, de bom senso e protegendo o produtor rural correto. Quem não está correto tem que ser punido.
Rural – Existe um discurso de que não é necessário derrubar árvores para o avanço da pecuária. Por que então isso não acontece na prática?
Ramalho – Estamos fazendo. A SRB defende a política do desmatamento zero, por pelo menos cinco anos. Fui a programas de tevê e jornais para defender isso. E há consenso nessa medida. A proposta do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) vai nesse sentido, a CNA entende nesse sentido, o setor produtivo concorda.
Mas o que discutimos é que essas ONGs antes de ir aos jornais, procurem as entidades. O produtor brasileiro tem uma estrutura de representação correta, organizada e centenária. A minha entidade está fazenda 90 anos, podemos sentar e debater, mas não podemos criminalizar um país que vive do agronegócio.
Rural – E quem pagaria a conta de manutenção dessas áreas?
Ramalho – Isso é outra coisa. Temos na Amazônia um grupo aproximado de 25 milhões de pessoas, que lá nasceram e lá vivem. Temos que resolver isso de forma ordenada, com sustentabilidade, e fazer essas pessoas desenvolverem. Temos várias atividades que são compatíveis com a floresta, com o manejo florestal. Temos as frutas, os peixes, até a própria pecuária, que podemos trabalhar em algumas regiões. Aliás, na pecuária, a tendência é diminuir a área e intensificar. Devemos nos próximos cinco a dez anos liberar 40 a 50 milhões de hectares. Não temos mais a necessidade de expandir e crescer.
Rural – Medidas como a moratória da soja – empresas não compram de produtores em áreas irregulares – podem ser exemplo?
Ramalho – Acho que esse tipo de medida é interessante. Não acho errado e esclarece a opinião pública. A pecuária pode sim, um dia, fazer isso também. O que não quero mais é derrubar. O que a opinião pública precisa entender é que não queremos derrubar árvores para colocar um boi ou para plantar soja. O produtor rural é 100% aliado da questão de preservação do que nós temos.
Rural – Mas esse tipo de acordo, no caso da pecuária, traria um grande impacto econômico…
Ramalho – Não podemos assinar nada que vá punir alguém que está lá incentivado pelo governo. O produtor foi dentro da lei, respeitou e respeita a lei brasileira. O Brasil tem lei e é preciso respeitar as leis brasileiras. O que não posso é cumprir o que um ambientalista lá em Londres ou Paris inventa. Não são eles que vão fazer a política brasileira. O Brasil tem que fazer sua política, evidentemente adequada para o mundo em que a gente vive.
Rural – Então a questão seria embargar a venda de carne de quem não cumpre a legislação…
Ramalho – Não se pode penalizar o produtor que cumpre a legislação do País. Nenhum produtor, em nenhum lugar do mundo, pode ser punido se estiver cumprindo a lei. Agora, podemos achar formas de punir quem não cumpre a legislação. Temos que trabalhar nesse sentido.