07/01/2020 - 15:51
O Brasil tem cerca de 5 milhões de propriedades rurais. Ao contrário de outros países, mais da metade de seus donos são jovens empreendedores. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, mostra que 32,3% deles têm até 35 anos de idade. Na faixa seguinte, até os 45 anos, há mais 20,1%. Bento Abreu Sodré de Carvalho Mineiro, 29 anos, é uma dessas jovens lideranças. Ele é a sexta geração de uma família de agropecuaristas do interior paulista. Atualmente, administra a fazenda Sant’Anna, selecionadora de gado das raças nelore e brahman, no município de Rancharia. Em janeiro, Mineiro toma posse como diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, entidade que reúne cerca de 20 mil pecuaristas. Mas a sua atuação no setor começou aos 19 anos, quando criou a Rural Jovem. O grupo, que faz parte da centenária Sociedade Rural Brasileira, nasceu para reunir a nova geração do campo em torno de temas comuns, como liderança, gestão, políticas setoriais, entre outros. Hoje há 200 integrantes no grupo. “Temos de defender a nossa imagem”, diz ele. “Sofremos muito com processos de generalização irresponsável.” Mineiro concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO RURAL.
DINHEIRO RURAL – Qual o capital humano acumulado por essa geração de jovens que nos últimos anos vêm assumindo as propriedades rurais?
BENTO ABREU SODRÉ DE CARVALHO MINEIRO – Sobretudo, acho que estão disponíveis a essa geração mais instrumentos de gestão das propriedades. Portanto, tudo tem mais controle, passando por custo, desempenho, eficiência. Todo mundo mede muito mais as coisas. Essa é a grande diferença, porque mesmo aqueles que não têm formação acadêmica buscam instrumentos para medirem o que estão fazendo. Medir é até um termo meio xucro, porque nem existe na teoria da gestão. Mas o que acontece é impressionante. Porque medir e quantificar aquilo que se quer fazer significa planejamento. Daí a aplicação de tantas novas de tecnologias no campo.
RURAL – Qual é o desafio dessa geração mais ligada à tecnologia?
MINEIRO – É olhar para o setor de modo abrangente. Porque, ao medir e fazer gestão, muitos estão deixando de lado a questão da representatividade do setor. Precisamos dela para pressionar o governo, por exemplo, na abertura de mercados. Precisamos ter mais clientes porque, com mais eficiência no campo, aumenta a quantidade de produtos. É com políticas da diplomacia brasileira que se torna possível abrir mercados e criar demandas para absorver os ganhos dessa eficiência que estamos tendo. E tenho certeza de que nós vamos ganhar ainda mais, a passos largos, com mais tecnologias.
RURAL – Por longos anos, olhar para fora da porteira era tentar negociar melhor com a indústria. Agora, o sr. está dizendo que não é bem assim?
MINEIRO – Eu acho que precisamos sim negociar com a indústria, porque temos margens bem esmagadas. Mas precisamos ter um olhar amplo, porque o jogo é muito cruel. Ele é maior que apenas a indústria.
RURAL – Em que sentido?
MINEIRO – O jogo da comunicação global é gigantesco e também vale para a abertura de mercado. Histórias como essa da Amazônia, de que não preservamos a floresta, derrubam preços. Há, claramente, interesses que vão além da preservação. À medida que setores na Europa e nos Estados Unidos nos atacam, eles tentam renegociar pagando mais barato. Certo que não
vão parar de comprar, porque precisam dos nossos produtos, mas por preços menores. Além disso, com o ataque, melhora para eles a concorrência nos novos mercados, como os asiáticos e árabes. Na SRB, o grande tema atual é a comunicação da imagem do País. Ela é o guarda-chuva onde estão os demais temas que precisam ser tratados pelo setor.
RURAL – Que resgate precisa ser feito?
MINEIRO – Temos de defender a nossa imagem. Vai tempo para refazer o estrago e é preciso andar todo mundo junto. Mas está dada a oportunidade.
RURAL – Qual o real impacto dos discursos do presidente Jair Bolsonaro ao setor do agronegócio?
MINEIRO – É muito difícil avaliar a atuação do presidente Bolsonaro. Talvez fosse preciso um choque? Não sei. Não tenho convicção de que o presidente faz o melhor caminho. Quem vai dizer isso será a história. Talvez tenha uma forma melhor de falar, talvez. Só sei que por muito tempo temos sido responsabilizados por coisas das quais não somos os responsáveis.
RURAL – Hoje, há um discurso entre lideranaças sobre separar o joio do trigo, em referência a se distinguir daqueles desmatam de forma ilegal…
MINEIRO – Com certeza, esse é o caminho certo: separar o joio do trigo. Sofremos muito com processos de generalização irresponsável. Os produtores rurais têm feito um esforço maluco para cumprir a legislação ambiental, que está entre as mais rígidas de todo o planeta. Aí, por causa de alguns irresponsáveis, o produtor sai prejudicado. Isso cria insegurança sobre o que se está fazendo de certo no Brasil e daqui a pouco o produtor pode se perguntar por que produzir.
RURAL – Mas, modo geral, acusar quem sai da linha sempre foi deixado de lado pelo setor do agronegócio.
MINEIRO – Eu acho que foi um erro de interpretação do que estava acontecendo. Demorou a cair a ficha de que havia essa generalização irresponsável e que ela era explorada. É um jogo político, onde o atual modelo agropecuário não interessa a certos grupos e concorrentes. Mas elas, as generalizações, são injustas e afetam toda a produção brasileira.
RURAL – Como fazer o jogo da comunicação?
MINEIRO – Nós temos um grande aprendizado e é preciso usar a experiência. Fundamos a Rural Jovem em um contexto muito interessante. Em 2009 começava uma discussão sobre o Código Florestal, que seria longa. Nós, da ala jovem da SRB, estávamos nas universidades lidando com muita gente que era contra o Código Florestal. Claramente, havia uma briga ideológica e não científica e pragmática. Esses grupos defendiam posições sem conhecimento algum da realidade da agropecuária e fundiária do País. Tínhamos, à época, cerca de 20 anos. Mas foi aí que nos organizamos para argumentar com dados técnicos. Também tivemos um aprendizado de como a política funciona, como os grupos se organizam para a defesa dos interesses de distintas classes.
RURAL – Quais as diferenças entre jovens produtores e urbanos, diante de temas relacionados ao setor?
MINEIRO – Ainda há um grande desafio de comunicação. Da nossa história na Rural Jovem, percorrendo esse tempo todo até os dias atuais, está claro que cada um fala uma língua. E essas línguas não conseguem se entender. Porque criam atritos muito grandes. Por isso o antagonismo, essa rejeição que o agronegócio sofre por parte da sociedade. Claramente, as dinâmicas nas cidades são muito mais rápidas que no campo. Então, às vezes, em meia geração perde-se o timing de um tema e acontece um descasamento de conversas, de linguagem. Mas as gerações mais novas estão ligadas através da internet e isso é uma oportunidade. Elas consomem produtos de cultura e isso une as narrativas.
RURAL – Que narrativas seriam as mais adequadas?
MINEIRO – Precisamos de uma linguagem que converta as pessoas para um interesse comum. Porque, durante muito tempo, o setor do agronegócio achou que precisava falar de valores, da renda que o produtor traz para o Brasil. Tentou-se impor essa agenda econômica, mas acho que ela não está funcionando para a conversão das novas gerações. Hoje, nós estamos nas páginas de economia e nas policiais. E queremos ir para a de costumes, para falar do cotidiano.
RURAL – Como realizar essa mudança de linguagem, em um setor tão grande, diverso e disperso, em termos geográficos e de costumes?
MINEIRO – Acredito que isso passa por um esforço conjunto das lideranças. Para convergir, precisamos ter um discurso conciliador. Bater não dá certo, reagir brigando não é a solução. Como produtores, essa educação não é de responsabilidade nossa, mas é uma solução. Por exemplo, volto na questão ambiental. Qual produtor não entende que a preservação é importante? Então, numa acusação, a primeira reação é afirmar que ela é extremante importante. Mas vale destacar que tais e tais medidas melhorariam a gestão da natureza. Na questão indígena, a preservação da identidade dos povos é muito importante para o estado brasileiro, para a nossa civilização. Entretanto, vale verificar que não foram eficazes tais e tais políticas. É preciso levantar as realidades que precisam de ajustes e mostrar de que maneira podemos melhorar.
RURAL – É possível interagir com os extremos, com narrativas muitos descoladas da realidade da produção e que dificilmente buscam o consenso?
MINEIRO – É muito difícil responder a essa pergunta. A gente tem uma certa impressão das coisas. Eu acho que com radicais é impossível estabelecer diálogos consistentes, maduros. Mas eles fazem muito barulho. Por isso, acham que estão levando vantagens em suas narrativas. É complicado, mas eu sempre suspeito que esses grupos são muito menores do que a gente imagina. Precisamos trabalhar pelo meio, com inteligência, com quem consegue absorver a nossa realidade e entender o que está acontecendo de fato no campo.