Por que o presidente da Brasil Foods, José Antônio Fay, acredita que a retomada do crescimento mundial pode trazer um ano

positivo para o campo brasileiro

Todos os dias, logo pela manhã, um ritual se repete na vida do executivo José Antônio Fay, 56 anos. O expediente começa cedo e antes das 7h ele já está trabalhando. Tal costume é uma herança de família. Quando garoto, era comum acompanhar o trabalho da fazenda dos pais, dedicada à pecuária leiteira, no interior do Paraná. O tempo passou, o menino cresceu e decidiu que não mais seguiria a vida no campo, quando partiu rumo ao Rio de Janeiro para estudar engenharia eletrônica. A vida corporativa veio logo em seguida e não demorou até que, ainda na década de 1980, ingressasse nos quadros da Petrobras. Trabalhou, voltou a estudar, fez pós-graduação e mudou de emprego algumas vezes. Passou por companhias como Eletrolux e Bunge, mas foi, coincidentemente, numa empresa dedicada à produção de leite, o laticínio Batávia, que as coisas começaram a tomar grandes proporções. Segundo conta Nildemar Secches, ex-presidente da Perdigão, a compra da Batávia foi uma das mais complexas de que ele se lembra, uma negociação que se estendeu por quase 15 anos. Quando enfim conclui a aquisição, um executivo veio de “brinde”. “Logo percebi que o Fay tinha grandes qualidades, e como CEO tem prazo de validade acreditei que ele pudesse me suceder”, disse à DINHEIRO RURAL. Porém, nem mesmo o próprio Fay pensava naquele tempo que se tornaria presidente da Perdigão, ou “pior ainda”, presidente da empresa resultante da fusão entre Perdigão e Sadia, duas gigantes que sempre competiram entre si. Mas quis o destino que das verdes araucárias do interior do Paraná saísse o homem que hoje comanda um grupo que possui 200 milhões de animais entre frangos, suínos e bovinos. Também é gestor da segunda maior captação de leite do Brasil, com quase dois bilhões de litros. Somados os faturamentos, a BR Foods estará entre as cinco maiores companhias do País, com R$ 15 bilhões e a terceira maior operação de embarques para o estrangeiro. Essa é uma empresa que possui 110 mil funcionários e que compra um a cada dez sacos de milho produzidos no País. Seja comprando, seja vendendo, Fay está em todos os mais robustos segmentos do campo e isso faz dele uma das mais importantes cabeças do agronegócio nacional, com uma visão privilegiada de todos os meandros do setor. O que ele está enxergando para 2010? “Estou muito otimista, acho que o Brasil vai crescer e haverá muitas oportunidades para produtores de diversos setores. Seremos os maiores fornecedores de proteína do mundo e não há como reverter isso.”

Nildemar Secches: quando comprou a Batávia, viu em Fay o seu sucessor

Há exatos 12 meses, em janeiro de 2008, havia uma sensação de incerteza nas lavouras brasileiras. A retração econômica apontava para uma diminuição no fluxo de negócios nas exportações e, por consequência, na rentabilidade do agricultor brasileiro. Mas, conforme os preços baixaram, alguns países perceberam uma janela de oportunidades e aceleraram as compras. A China comprou como nunca e as cotações das principais commodities se sustentaram acima dos patamares históricos. Até mesmo o câmbio colaborou, subindo na hora certa e aumentando a rentabilidade até mesmo em locais complicados como Mato Grosso. “Hoje a situação de forma geral é muito mais confortável do que no ano passado e o jogo está apenas começando”, avalia Fay. Nos planos da BR Foods não estão novas aquisições. O que se pretende é arrumar a casa, promover as sinergias e fazer a integração entre as duas empresas, Sadia e Perdigão, assim que acontecer a liberação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Do ponto de vista financeiro, ambas as empresas ainda estão impedidas de se integrar. Contudo, já conseguiram autorização para operar de forma conjunta no mercado europeu. É o chamado fast track, uma licença “a jato” concedida a empresas que possuem menos de 5% do mercado.

“Assim que anunciamos a fusão, uma das primeiras preocupações dos integrados era se todos continuariam fornecendo e, claro, se não haveria um poder muito concentrado em nossas mãos, mas o que conseguimos vislumbrar é justamente o contrário. Muito provavelmente vamos precisar de mais gente trabalhando conosco”, diz.

O modelo criado tanto pela Sadia quanto pela Perdigão prevê uma espécie de novo agronegócio, totalmente verticalizado e empresarial. O interessante é que a ideia nasceu na agricultura familiar, quando os produtores recebiam pintinhos de um dia, mais a ração para a engorda e faziam o manejo até que se transformassem em frangos, dias depois. A necessidade de aumentar a produção fez com que as gigantes caminhassem para o Centro-Oeste e testassem um novo tipo de integrado, mais capitalizado e disposto a colocar a mão no bolso para promover investimentos. A Sadia hoje está em Mato Grosso e a Perdigão em Rio Verde (GO). Lá, existe até fila de pessoas querendo entrar para a lista de fornecedores. E o bilhete de ingresso não é barato.

1- Agriculsuínos: o mercado externo deve crescer, o que favorece os produtores nacionais

2- milho: mesmo sem preços firmes, a cultura continuará como opção viável de cultivo

3- frangos: o mundo em crescimento favorece a entrada de mais integrados para pintinhos e frangos

4- leite: o mercado interno tende a ser favorável até para os produtores

5- soja: o câmbio valorizado faz a rentabilidade cair, mas demanda mundial pode surpreender

Ângelo Langim Júnior é o presidente da Associação dos Integrados de Rio Verde e representa os fornecedores da Brasil Foods naquela região. Fazendeiro de longa data, ao todo ele entrega 270 mil aves a cada 45 dias. Por ano, são mais de dois milhões de aves. Segundo ele, o negócio é muito bom. A rentabilidade não é alta e gira em torno de 4% por ciclo. “Mas como trabalhamos com uma escala muito grande, o produto se torna bastante atraente.” Para entrar na brincadeira, ele investiu R$ 6 milhões e montou toda a estrutura.

“Aqui a nossa região só comporta investidores profissionais”, sentencia. Além das aves, ele também possui soja e pecuária. “Por causa disso, tem muita gente querendo entrar.”

Segundo o secretário de Agriculsuínos tura de Rio Verde, Geraldo Carvalho, existe realmente uma grande procura no campo. “Há mais de 500 empresários querendo entrar nesse negócio e eu sou um deles”, brinca. Pelos dados da prefeitura da cidade, desde que a empresa chegou naquelas bandas, o município mudou. A renda per capita saltou de R$ 6 mil para R$ 19 mil em apenas oito anos. O PIB municipal saltou de R$ 745 milhões para R$ 3bilhões e o faturamento da unidade da Brasil Foods que era de R$ 700 mil hoje é de R$ 2 bilhões.

Fay acredita que esse modelo implantado no Centro-Oeste brasileiro dá boas pistas sobre o futuro da atividade. A viabilidade da agricultura profissional, na visão do presidente da Brasil Foods, está diretamente ligada à capacidade de gestão, diversificação e escolha das estratégias dos produtores. “Quem trabalha com planejamento terá chances muito maiores de sucesso do que aqueles que simplesmente seguem o mercado”, pondera. Um exemplo está no número de integrados no Cerrado brasileiro. “Temos que manter a rentabilidade do produtor, por isso temos de ter calma antes de abrir o sistema para muita gente, senão teremos uma sobreoferta de aves, o que não será bom negócio. E isso vale para grandes e pequenos.”

Longe dali, o presidente da Federação Agrícola do Estado de Santa Catarina, José Zeferino Pedrozo, acredita que a BR Foods terá condição de aumentar sua presença no Exterior e, por consequência, melhorar a vida dos integrados daquela região. “Precisamos que as nossas empresas estejam fortes no Exterior”, diz. Da mesma opinião compartilha o vice-presidente da Associação dos Criadores de Suínos, Losivanio Luiz de Lorenzi. “Quanto mais competitiva for a BR Foods, melhor para o integrado”, diz. Ao todo, ele representa 12 mil produtores, dos quais 80% trabalham em regime de integração com a Sadia ou a Perdigão.

Enquanto os produtores integrados à BR Foods fazem as contas e projetam os ganhos para este ano, Fay mantém suas previsões. Segundo ele, o único senão sobre 2010 está na taxa de câmbio. Em algumas regiões, como em Mato Grosso, cujos custos de produção são mais altos, num câmbio de R$ 1,70 a rentabilidade está zerada, no caso da soja. Ainda assim, qualquer aumento na demanda e no consumo é rapidamente percebido com a diminuição dos estoques. “Se tudo seguir como está, 2010 pode reservar algumas surpresas agradáveis.” Sugestão sobre o câmbio?

“Claro que o ideal para todos os exportadores seria um real mais desvalorizado, mas, enquanto isso não acontece, temos que diminuir custos e aumentar a produtividade. Esse é o caminho para um ano dourado”, comenta. Agora, só faltar trabalhar.