26/03/2019 - 12:32
Quando completou a graduação em engenharia elétrica, há 10 anos, e retomou as atividades como produtor na cidade de Huron, em Dakota do Sul, nos Estados Unidos, o americano Brandon Wipf resolveu diversificar a sua produção. Além de soja, passou a plantar milho e trigo. À época, a intenção de Wipf era se proteger de riscos e de tragédias, como a vivenciada atualmente pelos produtores americanos da oleaginosa, impactados diretamente pela briga comercial entre Estados Unidos e China.
“A fazenda não ficou menor”, conta Wipf, que é diretor da Associação Americana de Soja (ASA, na sigla em inglês), com mais de 300 mil fazendeiros associados, em 30 estados americanos. “Nós apenas diversificamos as plantações em diferentes culturas. Se eu tivesse apenas soja, o problema seria maior.” A fala do produtor de 32 anos resume a atual situação de angústia vivida pelos fazendeiros americanos.
O mês de julho de 2018 ficou marcado para eles como o início de uma guerra tarifária. Acusando os chineses de roubo de tecnologia e exagerados ganhos comerciais, o Governo Americano impôs sobretaxas às importações de mercadorias chinesas que já somam US$ 250 bilhões. A China respondeu com impostos extras de US$ 100 bilhões a produtos comercializados pelos americanos. Nessa lista, está a soja, com imposto adicional de 25%.
Enquanto chineses e americanos travam essa batalha de titãs – são as duas maiores economias do planeta –, tem gente que está se dando bem. É o caso do Brasil. A disputa fez os chineses buscarem alternativas, o que beneficiou diretamente o País,
o segundo maior produtor de soja do mundo. Os meses de maio, junho, julho e agosto registraram crescimento nas vendas do grão brasileiro para o comércio internacional.
Em outubro e novembro de 2018, o aumento foi de mais de 100% em ambos os meses, em comparação com o ano anterior: em outubro, saltou de 2,4 milhões de toneladas para 5,3 milhões (120%); em novembro, subiu de 2,1 milhões de toneladas para 5 milhões (140%). Essa gigantesca alta teve impacto, também, nas opções de venda dos produtores brasileiros. Além do crescimento nas exportações nos últimos meses, a fatia da China nos negócios tupiniquins de soja saltou de 79% para 82%, entre janeiro e dezembro de 2018, na comparação com 2017. “O mercado está tendendo para a América do Sul e essa briga entre China e Estados Unidos acaba atraindo a demanda para o Brasil”, analisa Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
OTIMISMO NO CAMPO A declaração retrata com perfeição a experiência do produtor Marcio Bonesi. Dono de uma propriedade de 500 hectares de soja, na cidade de Goioerê, no Oeste do Paraná, ele produz de 35 mil a 40 mil sacas de soja por ano. “Tivemos um aumento de quase 5% no plantio”, afirma Bonesi, que também ocupa o cargo de presidente da Aprosoja no Paraná. “Nunca exportamos tanto.” Ele está tão otimista para este ano, que decidiu substituir sua área de pastagem por soja. “Logo no início dessa guerra comercial, o produtor americano estava colhendo e não estava conseguindo vender. O brasileiro viu esse momento e começou a exportar mais soja”, destaca.
Os ganhos brasileiros não ocorreram apenas em termos de volume. Com a maior exigência chinesa pelo mercado nacional, o preço da saca de 60 quilos da soja no Paraná passou de R$ 66,92, em janeiro, para o pico de R$ 90,55, no final de setembro, expressiva alta de 35%. “A demanda foi maior para a América do Sul”, afirma Nilson Nogueira, analista de mercado da consultoria Céleres. “Como havia um déficit na região, coube ao Brasil suprir essa necessidade”. Entretanto, a consultoria prevê as exportações de soja em níveis menores em 2019, de 82 milhões para 75 milhões de toneladas. “Parte dessa demanda também deve ir para a Argentina, que pode ter uma safra razoável.”
Na posição oposta à dos brasileiros, os produtores americanos continuam preocupados. Para Brandon Wipf, por exemplo, em alguns estados americanos, como Dakota do Sul, os produtores podem adiar a decisão sobre que cultura vão plantar até a primavera, que, por lá, começa no final de março. “Se eles decidirem comprar semente para a plantação de soja, há um prazo até a primavera para fazer a troca pelo milho.” Na avaliação de Wipf, os produtores devem postergar a decisão final o máximo possível, na esperança de que China e Estados Unidos cheguem a um acordo de paz comercial. “Os fazendeiros estão aptos a esperar por preços melhores. Haverá muitos produtores com necessidades e déficits, por não terem capital de giro suficiente para manter seus negócios”, diz.
A relação de Wipf com a soja é antiga. Sua família começou o cultivo do grão em 1993. Quando mergulhou de cabeça no negócio, há quase 10 anos, sua propriedade, em Dakota do Sul, tinha 728 hectares exclusivamente para a produção de soja. Ele diminuiu a área plantada da oleaginosa para 485 hectares e dividiu os 243 hectares restantes entre trigo e milho. A decisão se mostrou acertada. “É uma das piores situações que já vimos no agronegócio americano, principalmente para a soja”, afirma. “Nunca passamos por algo assim.”
INCERTEZA AMERICANA Os números reforçam o sentimento de Wipf. A demanda chinesa foi preponderante
no incremento da produção e exportação dos Estados Unidos nos últimos anos.
Em 2000, os americanos produziam 75 milhões de toneladas de soja e exportavam 27 milhões. Em 2017, a produção passou para 119,5 milhões de toneladas (alta de quase 45%) e a exportação chegou a 56 milhões (mais de 100%), das quais quase metade (27,5 milhões) foi para a China. Para se ter ideia, apenas esse pacote rendeu aos produtores americanos mais de US$ 12 bilhões. Agora, porém, o momento é de dúvida e apreensão.
A perda do principal mercado comprador dos americanos fez com que os produtores buscassem alternativas e estreitassem relações com países que ficavam fora do radar. Segundo dados da Associação Americana de Soja, 40% das perdas já foram repostas com a comercialização para outros países, como Japão, Coreia do Sul e Paquistão.
Apesar dos esforços, a avaliação entre as principais entidades e representantes do setor é de que não será possível encontrar compradores para toda a soja produzida pelos americanos. “A China é tão grande, que não há um mercado ou mesmo 10 mercados juntos que possam equiparar o que nós deixamos de vender para eles”, afirma Lindsay Greiner, presidente da Associação de Soja de Iowa, o segundo maior estado produtor dos Estados Unidos. Além de Dakota do Sul e Iowa, outros estados, como Dakota do Norte, Nebraska e partes de Minnesota e Wisconsin, foram fortemente afetados pela disputa entre as duas maiores economias do comércio mundial. Esses estados cresceram nos últimos anos justamente pela facilidade de vender para a China.
Situados no Centro-Oeste dos Estados Unidos, a maior parte de suas produções do grão é embarcada pela cidade de Tacoma, no Estado de Washington, no Pacífico Norte. Greiner ainda acrescenta o Vietnam e as Filipinas como países compradores da soja que inicialmente seria destinada à China. “Talvez, funcione trabalhar mais com esses mercados do que fazíamos no passado”, analisa. “Estamos vendendo para países da Europa, do Norte da África e do Oriente Médio, já que a China tem comprado mais soja da América do Sul, caso do Brasil”, diz.