13/04/2017 - 13:30
E m vez de começar um negócio do zero, há três anos eles decidiram assumir uma fazenda pronta. Mas não foi uma propriedade qualquer. Em 2013, os irmãos Ricardo, Rodrigo e Fábio Cotrim Rodriguez viram na compra da fazenda Búfalo Dourado, de 339 hectares no município de Dourado, a 280 quilômetros da capital paulista, uma oportunidade de ouro ao que vinham planejando: incrementar os negócios no campo, mas com valor agregado. Hoje, eles criam um rebanho de mil búfalos, ordenham cerca de 120 mil litros de leite por mês, processam 22 mil quilos de queijos em um laticínio no qual investiram R$ 10 milhões para construir, e vendem a produção a redes de varejo e restaurantes. “Decidimos apostar nos queijos especiais para sair do produto commodity e a mozzarella de búfala surgiu como a melhor opção”, diz Ricardo, 47 anos, responsável pelo setor de laticínios. “Para nós, o queijo foi uma oportunidade para diversificar uma produção que já tínhamos em outra fazenda”, afirma Fábio, 44 anos, que cuida do manejo da pecuária. “Nossa história não começou ontem no agronegócio. Essa fazenda veio para compor um plano já traçado”, diz Rodrigo, 42 anos, responsável pelo setor financeiro e contábil. Rodrigo se refere à fazenda Sesmaria, no município de Amparo, a 230 quilômetros da Búfalo Dourado, onde criavam gado simental leiteiro, rebanho vendido há dois anos, para se concentrar nos búfalos. Hoje, na Sesmaria os irmãos ainda fabricam 25 mil quilos de queijo por mês, do tipo parmesão em um laticínio próprio, mas com leite de vaca comprado de terceiros. O parmesão vai para food services.
O desempenho financeiro dessa guinada nos negócios vem mostrando que eles estavam certos. No ano passado, o grupo, que agora se chamaTuttolatte, faturou R$ 16 milhões. Para este ano, a meta é ousada: eles querem crescer 25% e fechar a receita na casa dos R$ 20 milhões. Os irmãos são herdeiros do executivo Magim Rodriguez Júnior, que começou a criar gado nos anos 2000 e que hoje é conselheiro na Tuttolatte Magim foi protagonista de um dos capítulos mais ricos da história corporativa brasileira, a integração das operações de Brahma e Antarctica nos anos 2000 para o surgimento da AmBev. “A quantidade de queijo que vendemos hoje quase a mesma de quando adquirirmos a propriedade. Mas o faturamento quase dobrou”, diz Ricardo. “Nossa estratégia é estar onde há pessoas dispostas a pagar por qualidade.”
O negócio dos Rodriguez vem dando certo, também, porque há três décadas a fazenda Búfalo Dourado já era uma propriedade de peso no mercado de bubalinos. Wilma Penteado Ferreira, criadora e antiga proprietária da marca, está entre as pioneiras em produção de mozzarella de búfala no Brasil.
Mas, para alavancar o projeto de queijo de búfalas, os irmãos se prepararam. Em 2014, eles foram à Itália para conhecer o processo de fabricação da mozzarella, um dos mais tradicionais queijos do país, que faz sucesso em todo o mundo. Isso porque, embora já acessassem mercados diferenciados para os produtos Búfalo Dourado, como a Casa Santa Luzia e o Empório Santa Maria, na capital paulista, além de redes como Pão de Açúcar, Saint Marche, Oba Hortifruti, Mambo e algumas lojas do hipermercado Extra, os irmãos Rodriguez queriam mais. “Fomos à Itália aprender a receita tradicional da mozzarella, para criar um produto exclusivo para o Eataly, um passo importante nessa nova caminhada”, diz Ricardo. “Isso elevou ainda mais a qualidade dos queijos, que já era bastante artesanal.” O Eataly, inaugurado em maio de 2015 em São Paulo, é um super complexo gastronômico com sete restaurantes temáticos e uma oferta de cerca sete mil itens nacionais e importados, entre carnes, frutas e legumes, laticínios, massas, entre outros. Originado em Turim, na Itália, em 2007, a rede tem 35 lojas em cidades como Nova York, Tóquio, Paris, Roma, Dubai, destinadas a um público de poder de compra elevado.
No Eataly, os irmãos montaram um mini laticínio, onde parte da mozzarella vendida ou utilizada nos restaurantes é fabricada diariamente no local. Para isso, eles criaram a marca exclusiva Tuttolatte, que foi incorporada como o atual nome do grupo. O ano de 2016 foi o primeiro ciclo fechado de vendas nessa casa, de produtos entre a mozzarella e as suas variações, como a stracciatella, por exemplo, um tipo de queijo cremoso da região de Puglia. No mês passado, um quilo da mozzarella tradicional custava R$ 78.
Para incentivar o aumento do consumo, as estratégias têm sido
diversas. Elas passam por promoções, como a realizada em fevereiro, chamada de “O mês da mozzarella” no Eataly, com descontos de 20%, a planos mais ousados. Até o final deste ano, os Rodriguez vão inaugurar nas dependências do Eataly o primeiro Mozzarella Bar, também em parceria com a casa. “Este será apenas o primeiro”, diz Fábio. “A idéia é ter novas unidades como esta que abriremos.” Aliás, a viagem à Itália e a parceria com o empório, a principal vitrine para a venda da mozzarella, foi um divisor de águas para os negócios do grupo Tuttolatte. Os produtos com a marca Búfalo Dourado foram reposicionados nos pontos de vendas onde já atuava, além de conquistar novos parceiros, como a rede de hotéis Unique e o Emiliano, e com empresários da alta gastronomia paulista, como Marcelo Fernandes, 59 anos, sócio de casas badaladas, entre elas o espanhol Clos e o japonês Kinoshita onde o queijo faz parte do cardápio.
CONSUMO No Brasil, o consumo de queijos finos é um segmento em alta e a Tuttolatte está na corrida por uma fatia desse mercado. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq), nos últimos cinco anos, a produção de queijos de todos os tipos de leite saltou de 900 mil toneladas para 1,1 milhão de toneladas em 2016. O consumo per capita anual saiu de 3,9 quilos para 5,6 quilos, para um mercado estimado em R$ 20 bilhões. Os queijos finos, que respondiam por até 5%, passaram a 6,5% do mercado, equivalente a cerca de 71,5 mil toneladas.
Para Otávio Bernardes, que também é criador de búfalos e vice presidente de marketing da Associação Brasileira de Criadores de Bubalinos (ABCB), o mercado de queijo de búfalas é crescente e deve permanecer em alta nos próximos anos. “O número de animais leiteiros vem crescendo em torno de 20% ao ano”, afirma Bernardes. Hoje, o rebanho é de 25 mil animais leiteiros, para um rebanho nacional de 1,6 milhão de búfalos. Desde o ano 2000, a entidade possui um selo de qualidade, o Selo de Pureza 100% Búfalo, aprovado pelo Ministério da Agricultura para indicar ao consumidor os produtos que levam na sua composição apena o leite dessa espécie de animal.
Na fazenda Búfalo Dourado, ao assumir o rebanho, a primeira providência dos irmãos foi iniciar a mudança do padrão genético dos animais, que eram das raças murrah, mediterrâneo e jafarabadi. Eles passaram a concentrar o trabalho de reprodução em uma única raça bubalina, a mediterrâneo, que é a mesma criada na Itália. Também iniciaram a importação de sêmen desse país e hoje 900 animais, 90% do rebanho, já têm linhagens italianas no sangue. “A produtividade disparou e a qualidade do leite melhorou muito”, afirma Ricardo. “Conseguimos características de gordura e proteína perfeitas para a elaboração da mozzarella.” A média de produção das 400 bufálas em lactação passou de seis litros diários para dez litros, um incremento de 66% e acima da média nacional, de sete litros diários por fêmea.
A tecnologia também passou a fazer parte da lida. Enquanto a maioria dos rebanhos utiliza a monta natural, a Búfalo Dourado aposta na técnica da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), para dar ritmo ao trabalho de reprodução, e à Fertilização in Vitro (FIV) para acelerar o aumento da melhor genética. “Com essas ferramentas resolvemos o problema de sazonalidade do leite e conseguimos manter um fornecimento estável durante todo o ano”, afirma Fábio. As mudanças também abriram um novo mercado, como fornecedores de genética. No ano passado foram vendidos, por R$ 2,4 milhões, 600 animais que são recriados na fazenda Sesmaria. Para 2017, a meta é vender 300 animais. Agora, eles são referência na região. “Os criadores gostam do animal que produzimos e de seu leite”, diz Fábio. “Somos referência em genética e também no manejo de búfalos.”