01/04/2014 - 3:46
A engorda de bovinos a pasto é responsável por 90% do gado abatido no País. Na ponta do lápis, isso significa que, dos cerca de 44,5 milhões de animais destinados aos frigoríficos até o final de 2014, 40 milhões devem se alimentar exclusivamente de capim, principalmente da espécie braquiária, a mais comum nas fazendas brasileiras. Mas o que poderia ser considerado um cartão-postal irretocável na imagem da pecuária do País, por vender o conceito de sustentabilidade ambiental, é hoje uma sinuca de bico. Grande parte dos animais criados numa área de 170 milhões de hectares de pastos desfruta de um ambiente degradado pelo uso excessivo, que no fim da conta resulta em pouca comida na barriga do boi. A urgência de uma pecuária sob um sistema intensivo de produção, um conceito moderno na cadeia produtiva do boi, vem desafiando o setor a responder o mais rapidamente à questão: como produzir mais em um espaço menor, do nascimento do bezerro ao abate do boi? O MAPA DA CARNE DE QUALIDADE, que faz parte do projeto DESAFIO 2050, foi em busca de algumas respostas ao problema.
O grupo Girassol, com quatro fazendas no Centro-Oeste, duas em Santo Antônio do Leverger, área de pantanal ao sul da capital mato-grossense, e duas na região do Cerrado, próximo do município de Pedra Preta, promoveu a intensificação de seu projeto de pecuária através da estruturação da fase de recria e de engorda dos animais a pasto ou semiconfinados. “Para mim, a eficiência na intensificação da pecuária faz parte da sobrevivência do meu negócio”, diz Gilberto Goellner, dono do grupo Girassol. “Não cuidar do que o animal come é como jogar parte do dinheiro que ganho pela janela.” Quando olha para a boiada, Goellner não se refere apenas aos animais que estão no pasto. Na Girassol, a pecuária está literalmente salvando a lavoura. Há seis anos, Goellner começou a criar bois no sistema de integração lavoura-pecuária para que, na rotação de áreas entre uma atividade e outra, ele se livrasse de pragas que atacavam suas plantações. “Hoje, a pecuária é fundamental no meu sistema”, diz o produtor. “Ao contrário do senso comum, de que a pecuária degrada, para mim é ela que está ajudando a reconstituir o solo da minha fazenda.” Dos 35 mil hectares de terras de sua propriedade, 23 mil hectares são áreas de lavouras de soja e milho, sete mil hectares são de eucalipto e em 1,5 mil hectares são destinados à criação de gado.
A Girassol tem um rebanho de 6,8 mil animais comprados de criadores da região. Quando chegam à fazenda, os animais vão para áreas irrigadas com pivô central. São quatro pivôs de 110 hectares cada um, dos quais três são destinados à soja e um, à boiada. Na área de pivô estão 2,2 mil animais, o equivalente a 20 cabeças por hectare, dez vezes mais que a média nacional. “Em um ano, levo um bezerro de seis arrobas para 13 arrobas”, diz Goellner. O ganho é de sete arrobas, o equivalente a 210 quilos de peso por animal. Como Goellner consegue colocar 20 animais por hectare, a conta é de 140 arrobas produzidas em um único hectare por ano, no pivô. “Ganho dos dois lados , porque quando tiro o gado consigo uma produtividade na soja até 15% maior em relação às outras áreas da cultura”, diz o pecuarista. Ao sairem das áreas de recria intensiva, os animais estão prontos para mais 90 dias de engorda de terminação no sistema semiconfinado, em áreas marginais da fazenda, nas quais é impossível plantar soja, ou em um confinamento com capacidade para 2,5 mil cabeças. Como regra, eles saem para o frigorífico antes de completarem dois anos de idade.
Para o veterinário Neimar Urzedo, gerente técnico da Novanis, empresa de nutrição animal de Rondonópolis (MT), que presta consultoria na fazenda Girassol, ganhar eficiência na intensificação dos sistemas de engorda do gado não é apenas mais uma estratégia de negócio, mas uma questão de sobrevivência para o pecuarista. “A média de ganho na pecuária convencional praticada no Brasil é hoje de R$ 300 por hectare/ ano”, diz Urzedo. “Mas com tecnologia, como a integração da lavoura com a pecuária, o ganho anual por hectare pode ir a R$ 1,5 mil.” Ou seja, produzir mais carne por hectare/ ano significa mais dinheiro no bolso para o produtor.
Urzedo está convencido de que o aumento da eficiência na fase de recria do gado poderia mudar rapidamente o perfil da pecuária do País. Segundo as projeções da FAO e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), os americanos produzirão em 2014 mais de 11 milhões de toneladas em equivalente-carcaça, com um rebanho de 88,3 milhões de bovinos, que é menos da metade do brasileiro. Já o Brasil irá produzir 10,5 milhões de toneladas em equivalente-carcaça, com um rebanho de 206 milhões de animais. Uma conta simples mostra o quanto a pecuária brasileira precisa ganhar em eficiência de produção, em relação ao que fazem os pecuaristas nos Estados Unidos. Ao se dividir a produção de carne americana pelo rebanho, chega-se a algo próximo de 125 quilos de carne por animal. No Brasil, a produtividade é de apenas 51 quilos de carne.
De olho no aumento da eficiência das fazendas do Grupo Rezende, em Santo Antônio do Leverger e Juscimeira, em Mato Grosso, o pecuarista Antonio Carlos Rezende diz que o principal ponto da gestão é casar o sequenciamento das operações para que não falte pasto durante a vida do animal. O grupo opera 25 mil hectares de terras e faz o ciclo completo na pecuária. São dez mil bezerros nelore ou cruzados com angus, nascidos por ano, dos quais Rezende mantém na fazenda cerca de quatro mil para engorda e 400 para serem vendidos como reprodutores. Das fêmeas, ele segura cerca de 2,5 mil para reposição e as demais são vendidas para outros pecuaristas. “Meu foco é ter animais de boa genética, bem criados em pastos e que cheguem ao peso de abate entre 19 arrobas e 20 arrobas, próximo dos 30 meses de idade”, diz Rezende. Com boa genética e cuidados para que os animais não percam peso na fase de recria, Rezende tem conseguido com que eles ganhem cerca de 40 arrobas por hectare na fase de engorda. A margem de lucro sobre essa fase tem ficado ao redor de 25%.
Na Agência Paulista de Tecnologias dos Agronegócios (Apta), da unidade de Colina, órgão da Secretaria de Agricultura, a fase de recria na pecuária tem sido tema de vários estudos. Os pesquisadores Flávio Dutra de Resende e Gustavo Rezende Siqueira têm comprovado que a recria em pastagens promove bons ganhos de peso e produz uma arroba de baixo custo. “No corpo do animal, essa é a fase em que o crescimento dos tecidos se dá por músculo, o que torna a conversão do alimento ingerido mais eficiente, fazendo com que ele cresça rapidamente”, diz Resende. De acordo com ele, uma das vantagens é a viabilização dos garrotes mais barata. “Aí, fica mais fácil decidir o que fazer daí para a frente: se os animais seguem para o pasto ou para o confinamento”, diz.