02/02/2022 - 17:00
A empatia envolve três componentes básicos: o afetivo, o cognitivo e o regulador de emoções. Compreender o estado emocional do outro é um ato de generosidade. E, em 2007, ao ter o primeiro contato com pessoas surdas e com a Língua Brasileira de Sinais, Nemuel Lima exercitou a capacidade de se colocar no lugar do outro. “Para nós, é um privilégio ir ao cinema, assistir a um filme de qualquer idioma e ter ali a legenda, ir ao teatro e ter acesso a toda musicalidade e os aspectos que uma peça tem. E aí fiquei pensando: ‘Como é para um surdo nesses espaços de cultura?’. ‘Ele tem o mesmo acesso?’. ‘É justo?'”, relata o jornalista, que é intérprete profissional de Libras.
O jovem, então, começou a atuar em diversos contextos, mas o da arte foi o que mais o atraiu. “Sempre sonhei em fazer teatro musical: tinha essa coisa da Broadway muito presente, dos musicais da Disney. Eu tinha um sonho e abandonei. Fiz oficinas aqui e ali, mas nunca fiz um curso profissional”, lembra.
A maneira que o jovem encontrou para projetar esse desejo foi através da interpretação de canções para surdos. No entanto, Nemu Lima, nome artístico que adotou, foi criando formas de trazer as sensações provocadas pelas músicas e a performance de artistas para Libras. “Para mim, é um momento de entrega, de viver um pouco da arte enquanto eu faço a tradução das músicas. Um dia, eu pensei: ‘Que tal eu construir esse universo, entre aspas, ‘paralelo’, onde a Língua de Sinais está em primeiro lugar e tem uma pessoa ali, em primeiro plano, passando tudo o que a música fala para os surdos? Então, comecei a construir esse ambiente em que a Luisa Sonza aparece, a Juliette, o Pedro Sampaio. E aí vou selecionando as músicas de acordo com o que os seguidores vão pedindo”, afirma.
Detalhista, Nemu Lima prepara a roupa, maquiagem e, em alguns casos, se esforça para criar um cenário parecido com o clipe original, como na canção A Queda, de Gloria Groove, e Bença, da vencedora do Big Brother Brasil 21, Juliette Freire.
Nemu Lima enfatiza que as músicas têm valores culturais diferentes, como na MPB, funk, pop, e que, se vai interpretar uma obra específica, leva em conta os detalhes de cada estilo. “Para o clipe da Juliette, de Bença, me desloquei de João Pessoa, capital do Estado, até o sertão da Paraíba, em Cabaceiras. Encontrei um lugar que fosse seco, tivesse cactos, pedras, um espaço que tem um pôr do sol lindo e lá pensei que tinha tudo a ver com a música. Foi tudo pensado no arquétipo do sertanejo, da pessoa do interior. Dependendo do ritmo musical, a gente acaba adicionando elementos no vídeo para que o surdo, quando olhe, consiga identificar de onde a cultura está vindo”, explica.
ESTUDOS
Na versão de A Queda para Língua Brasileira de Sinais, o intérprete teve de estudar mais profundamente sobre o tema. “Comecei a pesquisar entrevistas onde a cantora falava do processo de produção, a cultura do cancelamento, que é a mensagem da música. A parte da roupa e do figurino foi um plus”, conta.
O intérprete de Libras já teve a oportunidade de ter um retorno de internautas com deficiência auditiva que acompanham o trabalho dele nas redes sociais: “Quando um surdo me procura com os olhos brilhando, falando que adorou, que quer conhecer mais o gênero musical, que quer ir a um show e que seja traduzido (para Libras), penso que consegui abrir uma porta de oportunidade para a pessoa surda, para que ela possa se ver respeitada em sua língua como todo mundo”.
Segundo o IBGE, no censo de 2020, 5% da população do País é composta por pessoas surdas, o que corresponde a mais de 10 milhões de brasileiros. “Não é justo que um surdo vá para um show e não tenha acesso à música, que conecta e desperta emoção. Esta é uma missão que escolhi para mim. Espero que as pessoas que assistam aos vídeos pensem o que podem fazer de diferente para acolher as pessoas surdas e com deficiência, que tipo de desconstrução temos de fazer para nos tornarmos pessoas mais justas”, diz.
Sobre o contato com os artistas que já interpretou no Instagram, Nemu Lima explica que normalmente pesquisa a ficha técnica das obras e entra em contato diretamente com as produções.
“A Juliette, por exemplo, saiu republicando nos stories dela a tradução em Libras. Essas pessoas têm milhares de seguidores que talvez nunca tenham ouvido falar em Libras, sobre arte acessível, e elas, compartilhando, acabam atraindo pessoas para aprender sobre acessibilidade”, diz.
O clipe mais recente que Nemu publicou no Instagram, da música Penhasco, foi comentado pela própria Luisa Sonza: “Maravilhoso!”, elogiou a cantora. Nemu Lima já gravou músicas também de Pedro Sampaio, Zé Felipe e do cantor gospel Jessie. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.