O número 1 da CTNBio diz que mais variedades transgênicas serão

aprovadas em breve e que os ambientalistas estão sem discurso

Walter Colli

Desde que as primeiras sementes transgênicas desembarcaram no Brasil, o assunto provoca debates calorosos. O fato é que, com o tempo, o Brasil alcançou a terceira maior área plantada com transgênicos do mundo, com 11 milhões de hectares. Esse número deve aumentar nos próximos anos em função de um ritmo inédito de aprovações. Das 12 variedades aprovadas para comercialização ao longo dos últimos dez anos, sete ocorreram em 2008. O cientista e presidente da CTNBio, Walter Colli, falou com exclusividade à DINHEIRO RURAL sobre o futuro dos organismos geneticamente modificados no País.

DINHEIRO RURAL – Por que as aprovações de transgênicos estão mais rápidas hoje?

WALTER COLLI – Há muitas coincidências no processo de análise de mérito dos pedidos. O processo de aprovação funciona da seguinte forma: as comissões setoriais da CTNBio decidem enviar o pedido para um especialista da área, fora da CTNBio, para ele dar seu parecer sobre o produto. Esses pareceres demoram porque são trabalhosos e porque esses especialistas não ganham nada para fazêlos. O que aconteceu é que, no caso dos milhos, os pareceres chegaram ao mesmo tempo e foram votados.

RURAL – Mas agora, com o novo andamento, há uma facilidade maior para essas votações…

COLLI – Na verdade, esses pareceres chegaram porque eu solicitei aos especialistas que se apressassem. Eram projetos que estavam parados há muitos anos. Outra coisa é que havia dentro da CTNBio muita oposição aos transgênicos. Portanto, as decisões eram adiadas e as discussões, postergadas. Agora, isso diminuiu.

“O ministro Sergio Rezende vê a CTNBio como um órgão técnico, sem influência política

RURAL – Então a troca de membros da CTNBio provocou uma mudança de postura do órgão?

COLLI – Muitos integrantes foram mantidos, outros substituídos. Mas não acho que é por isso. Claro que existiam pessoas mais pró-ativas na discussão, que sempre levantavam problemas.

E quando se levantam problemas é preciso questionar a empresa. Houve caso em que tivemos que mandar 43 questões para a empresa responder e eles responderam. O que existe hoje é uma disposição de não ficar emperrando o processo.

Durante muitos anos as coisas ficaram paradas, tanto que há processos que eram de 1998. Agora se discuti e se conclui. Se a conclusão for de que o produto não é deletério à saúde humana ou ao meio ambiente, vota-se. E a maioria tem votado a favor.

RURAL – Há alguma responsabilidade do governo em relação a essa nova dinâmica do órgão?

COLLI – Embora eu não tenha contatos com ministros, somente com o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, e mesmo assim não tratamos de política, a impressão que tenho é de que, finalmente, o governo tomou uma decisão. E essa decisão é de que, se a CTNBio analisa os pedidos caso a caso e tecnicamente diz que o OGM não faz mal para a saúde ou o meio ambiente, eles aceitam. Não se tem mais uma posição ideológica contra.

RURAL – Entidades contrárias aos OGMs acusam a CTNBio de ter abandonado o princípio de precaução em suas decisões. O que o sr. acha disso?

COLLI – Isso é um absurdo. Eu sou cientista e, portanto, procuro entender os fatos e as coisas ditas em profundidade. Alguém já explicou o que é o princípio da precaução? Porque, quando alguém definir isso, nós iremos discutir. Esse termo diz que “a falta de evidência científica não deve impedir que se tomem atitudes para evitar o dano”. Mas, se não há evidências, de que dano estamos falando?

RURAL – Então não há o princípio da precaução….

COLLI – O que acontece é que existem várias definições de princípio de precaução e a CTNBio o adota sim. Até porque, o Brasil é o único país exportador a ter aderido ao Tratado de Cartagena. Países como Argentina, EUA e China não assinaram e, portanto, podem fazer o que quiserem. O Brasil não, tem que seguir esse princípio. E está seguindo. Uma das exigências é ter uma comissão de análise científica, e o País tem a CTNBio. Todas as decisões precisam ser informadas, e todas ficam disponíveis no site do órgão.

Agora, quando fazemos uma análise é colocado que “não há evidências de danos”. Nenhum cientista pode dizer que tem certeza de que uma aspirina não vai fazer mal. O que ele diz é que a probabilidade de uma aspirina fazer mal é muito pequena. Então é seguro.

RURAL – Grupos ambientalistas dizem que a CTNBio age de acordo com interesse de empresas, uma vez que cientistas teriam pesquisas financiadas por essas companhias. Como o sr. avalia essa crítica?

COLLI – Essa acusação é de uma maldade extrema. Às vezes esses especialistas, por serem os melhores em suas áreas, são consultados por empresas, mas isso não ocorre sempre. E, quando eles são consultados ou foram consultados no passado, eles se abstêm do voto, por conflito de interesse, e isso ocorre em todas as votações. Se procurarem nas atas, eles vão encontrar. Então não há problema.

O número 1 da CTNBio diz que mais variedades transgênicas serão

aprovadas em breve e que os ambientalistas estão sem discurso

RURAL – Mas há cientistas com vínculos com empresas no órgão?

COLLI – Isso é infundado. Para preencher o corpo da CTNBio, os ministérios indicam seus representantes. Óbvio que se um ministro tem uma posição ideológica, ele mandará pessoas da sua confiança. Mas metade da comissão é nomeada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende. Para essa nomeação ele solicita indicação da Academia Brasileira de Ciências, que é o órgão onde estão os melhores cientistas brasileiros. Então, o ministro tem duas listas. Para cada posição que nomeia, ele tem três nomes. A menos que se considere que o ministro faça parte de uma grande conspiração, as pessoas escolhidas nem se conhecem, são de áreas diferentes. Uma coisa eu digo: são os melhores especialistas da área. E, por serem os melhores da área, às vezes são consultados por empresas. Essa acusação é uma ofensa às pessoas que trabalham lá, que são dignas e corretas.

RURAL – Como o sr. vê a oposição de ONGs aos organismos geneticamente modificados?

COLLI – Tem de se considerar que todos esses organismos já foram aprovados em outros países. E o que eu acho engraçado é que ONGs que são tão ativas no Brasil não são ativas na Argentina, e eu não entendo o porquê. Por que o Greenpeace não vai para a Argentina encher a paciência dos argentinos? Mas não, lá o milho pode. O Greenpeace devia ser contra transgênicos em todos os países e não apenas no Brasil..

RURAL – O sr. acredita que o País está atrasado em relação à Europa?

COLLI – Acho que nós estamos atrasados sim, por conta da ação de grupos que se opunham com oratória, com discurso, sem nenhuma evidência contra os processos. Estamos atrasados, porque outros países trabalham com variedades de segunda e terceira geração, que no Brasil não houve nem pedidos para análise ainda. Portanto, atrasamos e esse atraso é devido a essas ONGs que fazem esse tipo de trabalho e ficam com um discurso de que qualquer variedade faz mal. Toda hora eu escuto que não se pode plantar OGM próximo de aldeias indígenas ou quilombolas, inclusive isso já é lei e não pode mesmo. Mas quilombolas e índios são Homo sapiens iguais a mim ou a você. Eles não são diferentes. Por que o milho transgênico não pode ser plantado por um índio? Claro que pode. Se for bom para controlar pragas e oferecer um ganho maior para ele, bom para todos. Eu não entendo esse tipo de raciocínio.

RURAL – Mas o sr. acredita que a população está mais esclarecida quanto aos transgênicos?

COLLI – Na verdade, é um grande mistério porque há muita resistência. As pessoas talvez nem saibam que uma série de medicamentos é derivada de organismos geneticamente modificados. A insulina é transgênica, os fatores de crescimento são transgênicos, enzimas do sabão em pó, entre outros, são todos componentes transgênicos. As pessoas estão com fantasias na cabeça, reforçadas por algumas ONGs que falam que o produto fura o estômago, que mata, que fica verde. É difícil se contrapor racionalmente a acusações desse tipo. Até porque eu não tenho nada com isso. Sou apenas um cientista que faz análises técnicas. As empresas que querem vender que façam a propaganda.

RURAL – A CTNBio manterá o mesmo ritmo de aprovações nos próximos anos?

COLLI – Não há pressão para agilizar qualquer coisa. Cada caso é um caso. Estamos aguardando pareceres de pedidos mais recentes. Então, não tenho esperança de que algum parecer seja entregue ainda este ano. Assim, outra vez entraremos em um recesso decisório. Mas a questão é que estamos convictos, prontos para tomar decisão. Não há posição formada. É evidente que uma série de problemas já foi superada. Quando se fala de algodão ou milho, algumas dúvidas já foram resolvidas. Mas, se houver alguma mudança no gene, será necessário ter todas as demonstrações de que a variedade não faz mal à saúde ou ao meio ambiente.

Nesse caso, o processo demora mais. O ponto central é que antes só havia discussão, mas não havia possibilidade de tomada de decisão. Hoje existe.

“Os ambientalistas devem fiscalizar, mas não podem ser contra a transgenia por princípio”

RURAL – Quais são as variedades que estão na fila para votação?

COLLI – As linhagens de transgênicos que temos hoje são as resistentes a herbicidas e as resistentes as pragas. Agora o que se vem fazendo é o cruzamento dessas duas variedades, com técnicas clássicas de genética. Essas variedades devem ser as próximas a serem analisadas, além de variedades de arroz. Mas não há previsão de votação, porque ainda não há o parecer e só votamos com o parecer em mãos. No mundo há uma preocupação com a produção de alimentos e o cuidado com o uso da água. A transgenia pode ser a solução para essas questões.

RURAL – Por que o sr. acredita que a adoção de transgênicos cresça nos próximos anos?

COLLI – Dizem que eu sou a favor dos transgênicos, mas eu não posso ser contra ou a favor de uma técnica. A técnica deve ser usada e deve-se analisar o produto. Se for deletério, joga-se fora. Se for bom, usa-se e se propaga. No futuro, será impossível evitar isso. A transgenia é uma tecnologia importante. Havendo a possibilidade de se introduzir um gene de uma espécie na outra, que gere um benefício e não prejudique a saúde humana, animal ou o meio ambiente, você deve fazer isso. E agora nós temos essa possibilidade, porque essa metodologia é usada universalmente em todas as áreas. No futuro, tudo vai ser transgênico. Daqui a 30 anos até você será transgênico.