16/11/2017 - 12:48
Cafeterias cheias de consumidores, ou cafés, como têm sido chamadas as lojas especializadas, não é uma novidade no mundo. Em Nova York, Londres, Paris, Roma, Japão, e também em grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Belo Horizonte ou Porto Alegre, elas têm se tornado pontos de referência de bebidas de qualidade. Mas, mais do que um negócio em expansão, as cafeterias estão se tornando um termômetro para as empresas e os produtores do grão. Isso porque a influência que as cafeterias exercem sobre o modo de se relacionar com a bebida pode mudar o mercado daqui para a frente. O que acontece hoje, no balcão dos cafés, mostra as tendências do que pode vir a ser, no futuro, o consumo doméstico e em massa da bebida. Não por acaso, o crescimento desses pontos comerciais, sejam eles de redes próprias ou de franquias, em estilo artesanal ou como laboratórios de empresas para monitorar a vontade do consumidor, têm aumentado nos últimos anos. “Antes, se media a tendência de consumo pelas gôndolas, mas ela hoje ocorre nas cafeterias, por causa do aumento de casas e do maior consumo fora do lar”, diz Wilton Bezerra, diretor da mineira Cheirin Bão. A rede mineira, criada em 2014, tem hoje 20 lojas funcionando em 18 Estados. Mais nove unidades estão em processo de abertura, em cidades como Salvador, Macapá e São Luis. Desde o início do ano, a Cheirin Bão já serviu cerca de 50 mil doses da bebida.
De acordo com a Associação Brasileira de Franchinsing, nos últimos quatro anos, o número de cafeterias abertas por redes aumentou 10,2%, passando de 782 lojas para 862 no ano passado. São 40 redes que possuem até 50 lojas cada. Juntando as marcas independentes, hoje o País possui cerca de 3,5 mil cafés. O movimento, que começou nos Estados Unidos, tende a aumentar por aqui, como ocorre em países da Europa. No Reino Unido, por exemplo, o consumo de café neste ano deve chegar a 2,3 bilhões de xícaras, 4% acima do ano passado. A Allegra World Coffee Portal, uma plataforma global de informações e estudos de cadeia, calcula que até 2025 as cafeterias no Reino Unido movimentarão cerca de US$ 23 bilhões, passando das atuais 22 mil cafeterias para a casa das 30 mil lojas nos próximos oito anos. A Atlantica Coffee, que pertence ao grupo brasileiro Montesanto Tavares, tem monitorado esse mercado. Com escritório na Suíça, a empresa acaba de abrir um laboratório de teste de tendência de consumo na Suécia. “As cafeterias não vendem apenas café, mas conceitos”, diz Rogério Schiavo, CEO da Atlantica Coffee. “Elas servem para indicar as tendências de consumo, entre elas a rastreabilidade dos grãos especiais.” Próxima do mercado consumidor europeu, a empresa tem realizado um monitoramento afinado do que ocorre nesse mercado. No Brasil, a Atlantica Coffee trabalha com 1,2 mil produtores que entregam cerca de 100 mil sacas de cafés especiais por safra. A receita no ano passado foi de R$ 1,8 bilhão.
No Brasil, o movimento das redes estrangeiras de cafés é intenso. A marca argentina Havanna, que tem 70 anos e há cerca de dez anos está no Brasil, decidiu mudar de estratégia: em vez de quiosques de sua franquia que vende doces típicos do país, além de bebidas, o foco a partir deste ano são as cafeterias. Durante a 26ª ABF Franchising Expo, realizada em junho na capital paulista, a empresa anunciou que vai abrir outras 24 unidades até o próximo ano. Hoje, ela já possui 50 cafés. A americana Starbucks, a mais famosa rede de cafés daquele país, que hoje possui 103 unidades no Brasil no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, respondendo por 0,4% de sua operação global, também quer virar a página. A meta é sair dessa seara e abrir cerca de 360 lojas nos próximos quatro anos em outras capitais e grandes cidades. De olho nesse termômetro, no início do mês passado, a suiça Nestlé, que no ano passado teve um lucro global de US$ 8,5 bilhões e que é dona da Nescafé, inaugurou a sua primeira cafeteria no País, chamada Nescafé Espresso. A iniciativa é parte do plano de expansão da marca. Para isso, a empresa fechou uma parceria com a Brasil America Trucks, agência especializada em serviços para o mercado de food trucks (comida de rua, na tradução do inglês), e criou o The Coffee & Food Truck, primeiro food truck de cafés patrocinado pela empresa. O início do movimento vai acontecer na capital paulista. Para Pedro Malta, agrônomo responsável pela produção de café da Nestlé, tanto no Brasil como nos Estados Unidos e na Europa, há a tendência do consumidor em saber como e por quem o café foi produzido. “O sabor do café é influenciado pela genética da planta, pela interação da planta com o meio ambiente e pelas atividades de colheita e pós-colheita”, diz Malta. Ao mercado varejista, a Nescafé lança neste mês o seu primeiro café solúvel com denominação de origem no Brasil. O produto é cultivado na região de Águia Branca, noroeste do Espírito Santo. “As características da região transcendem o produto, porque há o lado social e o saber fazer, já que a região é a única colônia polonesa do Espírito Santo.” A percepção do consumidor cada vez mais exigente pode ajudar a cadeia toda, em todos os nichos de produção.
O cheiro de negócio em alta, promovido pelas cafeterias, tem chegado ao campo e mostrando que não há sinais de desaceleração nessa indústria que termina na casa do consumido. Por isso, os produtores estão se alinhando rapidamente. No Cerrado mineiro, na região do município de Perdizes, a fazenda Nossa Senhora de Fátima, que pertence à Saquarema Agrícola Cerrado, cultiva cafés de alta qualidade e colhe grãos orgânicos em cerca de mil hectares, desde 1999. “Nós nos especializamos na pesquisa dos grãos”, diz Ricardo Aguiar, dono da fazenda e diretor técnico do grupo. “Clima, solo, altitude e manejo dão as características de excelência e sabor.” De acordo com Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), de modo geral, a primeira escolha do consumidor já é por um café de melhor qualidade porque as suas experiências vêm se multiplicando. “O conhecimento dos consumidores aumentou”, diz Herszkowicz. “Hoje, o café está associado a uma experiência diferenciada de consumo. Ela proporciona prazer e satisfação, assim como o vinho.”
Apostando na popularização dessa tendência, a indústria do setor cafeeiro aumentou a quantidade de lançamentos de máquinas e novidades em cápsulas. É a festa das monodoses das cafeterias para os domicílios. O mercado de cápsulas de café, segundo dados da Abic, deverá fechar este ano com um crescimento de cerca de 70%, medido nos últimos dois anos. A previsão é de 12 mil toneladas de monodoses comercializadas em 2017, ante 7 mil em 2015. Somente no ano passado, o aumento de cápsulas foi de 17,5%. Em 2020, o volume deve chegar a 18 mil toneladas de produtos monodose. João Carlstron, gerente de marketing da Tres, marca que pertence ao grupo Três Corações, diz que as cápsulas representam apenas 5% do mercado. “Mas há uma demanda crescente nas gôndolas de redes de supermercados em São Paulo e na região Sul, onde elas representam 50% em valor”, afirma o executivo. Hoje, as empresas de torrefação e comércio de café pagam até cinco vezes acima do valor do produto tradicional. Para comparação, o indicador de preço do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) da saca de 60 quilos de café arábica era de R$ 459,69 no fim do mês passado.