E assim, o pó de pirlimpimpim continuará a transportar crianças do mundo inteiro ao Sítio do Picapau Amarelo, onde não há horizontes limitados por muros de concreto e ideias tacanhas.” A frase extraída do livro Monteiro Lobato – a modernidade do contra, da escritora Marisa Lajolo, ilustra bem o espírito da pequena fazenda de três mil alqueires, escondida na serra que entremeia o Vale do Paraíba, entre Caçapava e o pacato município de Monteiro Lobato, no interior de São Paulo, onde o escritor José Bento Monteiro Lobato passava as férias escolares e, depois passou uma parte de sua vida adulta, entre os anos de 1911 e 1917 quando o local era conhecido apenas como o povoado Buquira. “Aqui nasceu um de seus mais famosos livros, Urupês”, conta a professora aposentada Maria Lúcia Ribeiro Guimarães, ao receber a equipe de DINHEIRO RURAL na porta do casarão construído em 1870 e que completou 140 anos em outubro. Apesar de nossa equipe não ter usado o famoso pó guardado pela boneca Emília para se transportar até o local, durante o caminho da capital até o interior, é como se aos poucos a paisagem ao redor da propriedade fosse mudando e se tornando mágica, com a calma da mata e o barulho hipnotizante dos ventos. Por um momento, é até possível desconfiar da presença do saci a nos observar em meio às árvores agitadas. Segundo dona Maria Lúcia, é ali na fazenda Buquira que fica o verdadeiro Sítio do Picapau Amarelo, que inspirou o autor a escrever alguns de seus mais famosos livros para o público infantil. “Em nenhum outro lugar corre o rio cristalino onde os peixinhos nadam de olhos arregalados, como ele mesmo descreveu”, defende a aposentada, que herdou do pai a propriedade adquirida pelo avô há cerca de 80 anos.

“Queremos que as pessoas saibam da importância do escritor para a literatura e sociedade brasileira”

Maria Lúcia Guimarães

proprietária do sítio

 

 

Ontem e hoje:

por todos os lados da propriedade, ficção e realidade se misturam. Do avental do saci ao boneco do Visconde, passando pelo Reino das Águas Claras, até chegar aos objetos pessoais do escritor

 

 

Desde cedo, incentivada pela família, ela leu toda a obra do escritor e se apaixonou por seus livros. “Minha decisão de ser professora foi muito influenciada por ele e pela importância que sempre deu à educação”, relembra. Foi ali que Lobato criou alguns de seus mais célebres personagens, como a boneca Emília, Narizinho, Visconde de Sabugosa e a cozinheira Tia Nastácia, que, segundo dona Maria Lúcia, existiu de verdade e era uma empregada de confiança da família. Na casa de mil metros quadrados e 25 cômodos, estão objetos restaurados que teriam sido usados pelo escritor nos anos em que viveu na propriedade. São escrivaninhas, camas – uma delas, onde ele provavelmente dormia com a esposa, Maria Pureza da Natividade, dona Purezinha. “Esses objetos estavam na casa quando meu avô comprou e nós os restauramos.” Ela conta que o piso de peroba branco e rosa, o forro do casarão, assim como as portas e janelas são originais e recebem cuidados constantes. “Até os vidros das janelas, que vieram da França, ainda continuam preservados”, conta, orgulhosa. Para ela, o cômodo mais importante da casa é a ampla sala de visitas, onde Monteiro Lobato recebia amigos e autoridades para discutir questões que o preocupavam, como educação, meio ambiente e a importância da exploração do petróleo, “que garantiria a independência econômica do Brasil”, como já vislumbrava Lobato. O empenho do escritor em trabalhar pela educação de crianças e jovens acabou por inspirar o município de Monteiro Lobato, a 39 quilômetros da Fazenda Buquira. A cidade aguarda a aprovação da Assembleia Legislativa do título de capital da literatura infantil e enquanto isso se dedica a incentivar o hábito da leitura através da obra do escritor, tanto em crianças quanto em jovens e adultos. Neste ano a cidade realizou o 1º Festival de Literatura Infantil e também recebeu a visita de escritores de vários gêneros, como Ferreira Gullart. “Queremos atrair visitantes não só para conhecerem a história do escritor, que viveu na região, mas também para despertar a paixão pelos livros”, explica Eduardo Rocha Dellú, secretário de turismo da cidade. Para dona Maria Lúcia, a iniciativa é louvável. “Só a partir da leitura se adquire conhecimento e pensamento crítico, e isso Monteiro Lobato nos deu através de sua obra.”

140 anos

é o tempo de existência do casarão, que ainda tem pisos,

janelas, portas e forros originais

 

E, para quem quiser ler um bom livro sob a sombra de uma árvore frondosa, a Fazenda Buquira é o lugar ideal. Para as crianças, nada melhor do que dar um mergulho no Reino das Águas Claras, a cachoeira que fica a poucos metros da casa, e depois se sentar no chão da sala e acompanhar as histórias que dona Maria Lúcia conta, sentada na cadeira de balanço. Qualquer semelhança com Dona Benta não é mera coincidência. Para completar a receita, um almoço com comida típica de fazenda, tudo como o escritor gostava e um lanche gostoso no meio da tarde, com direito a café no bule e bolo de fubá feito na hora. “Tudo como a Tia Nastácia faria para encher a casa de bons aromas”, relata Maria Lúcia. E no fim do dia, na hora de voltar para casa, o visitante pode prolongar o sabor da vida no campo ao comprar os doces caseiros feitos no sítio, inclusive o de grumixama. Não sabe o que é? Então, aproveite para visitar o sítio e descobrir!

Diversão no sítio do picapau amarelo

Paisagem inspiradora, boa comida e cultura, tudo em um único lugar

Doce gostinho da fazenda: depois de um dia cheio de atividades na propriedade, o visitante ainda pode levar para casa alguns dos doces em compotas, feitos pela própria diretora do museu

Hora de sonhar: em meio às árvores do pomar, as redes são um convite para quem quer descansar ou simplesmente apreciar a leitura de algum livro do escritor, disponível para consulta e venda