Enquanto os últimos militares terminavam o tradicional desfile de 7 de setembro na Avenida Presidente Vargas, umas das principais do centro do Rio de Janeiro, um outro ato tomou parte da via nesta quinta-feira (7). Rostos – na maioria de pessoas negras – representavam os protagonistas da 29ª edição do Grito dos Excluídos e Excluídas.

A manifestação ocorre sempre no feriado da Independência, em todos os estados do país, e leva para as ruas reinvindicações de movimentos sociais, especialmente das minorias políticas. O tema da edição deste ano é “Você tem fome e sede de quê?”.

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“Fazer uma pergunta vem da tradição da educação popular. A gente faz a pergunta e isso desencadeia uma reflexão”, explicou à Agência Brasil a economista e educadora popular Sandra Quintela, uma das organizadoras do ato.

Problema da fome

O questionamento chama a atenção para o problema da fome no país. Cerca de 70,3 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar, ou seja, não sabem se vão conseguir comida suficiente, e 21 milhões não têm o que comer todos os dias, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

“É muita gente. É quase metade da população que não tem garantido o direito à alimentação”, lamenta Sandra. A organizadora explica que há “outras fomes” da população brasileira, como fome por justiça e por um ambiente sadio.

Povo protagonista

Sandra criticou a militarização do desfile de 7 de setembro. “Como é que se comemora a independência de um país soberano com um desfile militar? A soberania está nos militares ou no povo brasileiro? A gente está dizendo que está no povo brasileiro, por isso que a gente está aqui hoje”, explica. Para ela, o povo precisa de mais protagonismo.

“O Brasil tem que ser construído de baixo para cima. Nós acreditamos que o nosso planalto é a planície, onde está realmente o povo brasileiro, na luta pela sobrevivência e pelo bem-estar”, afirmou, fazendo referência ao Planalto Central, onde fica a capital do país, Brasília.

Entre os temas lembrados pelos manifestantes, bandeiras como a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), direitos de povos indígenas, igualdade racial, direito à moradia, trabalho digno e educação. Houve espaço também para críticas ao governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, por causa de operações policiais em favelas, e ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Mortes nas favelas

A manifestação contou com grupos de mães que perderam os filhos para a violência. Uma das fundadoras do Movimento Mães de Manguinhos, Fátima Pinho levava uma faixa com fotos de jovens mortos. Entre eles, o filho dela, Paulo Roberto Pinho de Menezes, assassinado na comunidade em 2013, aos 18 anos. A família responsabilizou abusos de policiais pela morte do rapaz.

Com o filho Antony Davi, de 3 anos, no colo, Fátima acredita que o ato, além de um pedido de reparação para várias famílias, é importante também para as futuras gerações. “Essa luta é para mantê-lo vivo e para ele entender o porquê da nossa luta. Eu o trago com o maior prazer”, afirmou.

Dados da plataforma Fogo Cruzado mostram que 16 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio, em 2023. Dessas, sete morreram.

“Não haverá independência e soberania enquanto o Estado matar a juventude pobre e negra nas favelas. Favela e periferia não são territórios inimigos”, discursou o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ). “Estamos na rua porque sabemos que é o povo na rua e organizado que será capaz de mudar essa realidade. Estamos dizendo que democracia é gente na rua, gente organizada e gente no poder”, complementou.

 

Outras lutas

O pedido por mais representatividade para minorias esteve presente no Grito dos Excluídos.

“A representatividade é um fator primordial, sobretudo, da população negra, quilombola, periférica, favelada. Estar nesse movimento é uma forma de reafirmar a nossa identidade”, avalia Roberto Gomes do Santos, que faz parte da coordenação do Quilombo da Gamboa, na região central do Rio.

Representante da população LGBTQIA+, Katiaa Dami acha que “a importância de estar na manifestação é fazer a voz ecoar, se empoderar” e fazer a sociedade perceber a luta de minorias. “O povo periférico, preto, trabalhador, LGBTQIA+ está na luta, e a gente não pode parar”, completou a moradora do conjunto de comunidades da Maré, na zona norte do Rio.

A aluna de direito Giovanna Almeida, representante do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende mais participação de estudantes em manifestações populares. “A gente tem feito esse esforço de mobilizar o movimento estudantil para também cumprir esse papel de fazer as denúncias no campo da educação.”

Três décadas de Grito

A um ano de o movimento completar três décadas, a organizadora Sandra Quintela entende que tantas edições realizadas são uma prova de resiliência do ato. Mas sonha com um dia em que o Grito dos Excluídos não seja mais necessário. “A gente luta por um mundo de justiça, no dia que não tiver injustiça, a gente para. Mas vai demorar… Independentemente de qual seja o governo, nós estamos aqui sempre e esperamos que um dia não precisemos mais estar aqui”, vislumbra.

A manifestação desta quinta-feira percorreu cerca de 1 quilômetro e terminou na Praça Mauá.