Sábado, 19 de maio de 2007. Após rodar mais de três mil quilômetros visitando fazendas pelo interior do Brasil, o irlandês Kevin Kinsella, 44 anos, estava eufórico. Durante o vôo que o levava de volta para casa, em Dublin, ele fazia as primeiras anotações para o que viria a se tornar uma das mais bombásticas propagandas contra a carne brasileira. Kinsella é diretor da Associação Irlandesa de Criadores de Gado e forneceu material para uma série de reportagens sensacionalistas chamadas de “Brasil desmascarado”, em tablóides do Reino Unido. O conteúdo das matérias, rechaçado pelas autoridades brasileiras, mostrava uma criação sem critérios de rastreabilidade e higiene. As supostas denúncias criaram problemas à imagem da carne nacional e colocaram pressão sobre as autoridades da União Européia. O fim da história todos conhecem: no final de 2007, após visita ao Brasil, comissários daquele bloco aumentaram as restrições ao bife brasileiro, atendendo à gritaria irlandesa. O que Kinsella pensa disso? “Não é uma vitória, só queremos que a carne brasileira obedeça às exigências de produção que temos por aqui. Feito isso, para nós está tudo bem”, disse ele, em entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL.

SENSACIONALISMO Kinsella foi quem cedeu o material usado pelos tablóides ingleses contra o Brasil

Mas as coisas não são tão simples assim. A estratégia de Kinsella tem sido bombardear a carne brasileira em seus pontos mais vulneráveis e, simplesmente, ignorar algumas vantagens. Exemplo é o fato de o Brasil ser livre do Mal da Vaca Louca. “Nunca reclamamos que o Brasil tivesse Vaca Louca”, diz, deixando de frisar que esse problema já assolou sua região. O pano de fundo dessa história é um mercado bilionário, em que 70% da carne consumida na Europa é brasileira, o que tem abocanhado boa parte do mercado irlandês. Em números, para a União Européia, o Brasil vendeu US$ 1,4 bilhão. “Já fomos exportadores de carne”, admite Kinsella. Não são mais e culpam o Brasil. Entre as “reivindicações” irlandesas está o pedido de que todo rebanho brasileiro seja 100% rastreado, até mesmo animais destinados ao mercado interno. Para o governo brasileiro, isso é praticamente impossível, devido à configuração geográfica do País somado ao tamanho do rebanho, estimado em 180 milhões de cabeças. Outro ponto de discórdia entre os países tem sido o combate à febre aftosa. Não são raras as insinuações de Kinsella acerca de possíveis focos da doença no País. As afirmações têm causado mal-estar entre os países.

KINSELLA: “Queremos apenas que o Brasil siga padrões que hoje são exigidos dos criadores da Europa”

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes, há um rigor excessivo no que diz respeito à febre aftosa. “O Brasil só vende carne maturada e desossada e a contaminação só acontece por meio de ossos e cartilagens”, avalia. Mas, para Kinsella, isso não importa. “Nossos especialistas acreditam que as células agentes contaminadas podem ficar na carne após a maturação”, diz.

O presidente da Abiec destaca, ainda, que muitas denúncias foram realizadas usando-se expedientes não muito convencionais. Sabe a viagem de Kinsella, em que ele voltou eufórico para a Europa? Essa visita aconteceu sem o conhecimento do Ministério da Agricultura brasileiro e o irlandês fez um “tour” pelo País visitando propriedades e frigoríficos que não constavam na lista dos exportadores ou de propriedades aptas a exportar. Pior: vendeu esta imagem como sendo a realidade do rebanho brasileiro. Agimos forte para mostrar que aquelas reportagens não mostram a nossa realidade”, diz Pratini. Enquanto isso, Kinsella promete voltar ao Brasil em breve, de olho em novas irregularidades. “Vamos voltar sempre que necessário”, comenta. É bom ficar de olho.