A Oxitec, empresa britânica de defensivos biológicos para controle de insetos e pragas, inaugura nesta quinta-feira, 2, uma fábrica no Brasil dedicada à produção e multiplicação de mosquitos que devem ajudar a reduzir a incidência de doenças comuns em regiões tropicais transmitidas pelo Aedes aegypti, como a dengue, a zika e a chikungunya. Localizada em Campinas (SP), a planta tem 1300 m² e capacidade para produzir 190 milhões de insetos por semana.

+Com demanda três vezes maior que a oferta, criar rãs é opção simples, mas custosa, ao produtor

Os mosquitos que agora serão produzidos pela Oxitec são modificados geneticamente com a introdução da bactéria Wolbachia. Essa técnica limita a transmissão do vírus da dengue e de outras arboviroses pelos mosquitos modificados.

Como a transmissão das doenças aos humanos é feita pela picada da fêmea do Aedes aegypti, as descendentes fêmeas geradas a partir desses insetos geneticamente modificados com a bactéria não chegam à fase adulta, logo, não disseminam o vírus da doença. A empresa tem planos de ser a maior ‘fabricante’ mundial de mosquitos capazes de reduzir a transmissão de doenças.

Fábrica da Oxitec em Campinas (SP) (Crédito: Oxitec)

A empresa não comercializa os insetos vivos e sim os ovos dos mosquitos que eclodirão. A maioria da produção é distribuída diretamente para entidades governamentais como prefeituras, a empresa inclusive anunciou que toda sua futura produção com wolbachia já foi disponibilizada exclusivamente para o Ministério da Saúde.

No caso do “Aedes do Bem” é possível adquirir uma caixinha do produto como pessoa física, para isso, é necessário desembolsar R$ 180,00. Cada caixinha do “Aedes do Bem” solta entre 300 e 400 mosquitos ao longo de um mês.

A Oxitec acaba de receber um aporte de US$ 12 milhões da Fundação Gates, entidade filantrópica do bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, e tem como um dos focos de atuação reduzir a incidência de doenças tropicais que podem se agravar e deixar sequelas ou até mesmo levar à morte.

Apesar de a empresa estar já iniciando sua produção, ela ainda aguarda a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para botar os mosquitos no mercado. O pedido ao órgão foi feito em março, mas ainda não houve resposta.

Natalia Ferreira, diretora presidente da Oxitec no Brasil (Crédito: Ismael Jales/ IstoÉ Dinheiro)

“Decidimos inaugurar antes da aprovação da Anvisa porque a nova temporada de dengue está se aproximando, queremos mostrar que estamos prontos. Assim que houver a liberação, temos capacidade para começar a produzir”, disse Natália Ferreira, diretora presidente da Oxitec no Brasil.

Em resposta à Dinheiro Rural, a Anvisa informou que a regularização do tema encontra-se na Agenda Regulatória da autarquia e o processo será analisado “com a prioridade necessária”, conforme as necessidades do cenário epidemiológico brasileiro.

O Ministério da Saúde disse que vem ampliando o uso do método Wolbachia, conforme o planejamento. Segundo a pasta, neste ano, o método está sendo implementado em 13 municípios e para o ano que vem, a meta é chegar a mais 41 municípios.

Sobre a Oxitec, o ministério informou que os planos de produção já foram apresentados a pasta. “Enquanto o processo de liberação na Anvisa está em trâmite, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) mantém discussões técnicas sobre diferentes tecnologias e estratégias voltadas ao enfrentamento das arboviroses”, disse em nota.

O ministério concluiu ressaltando que existem outras tecnologias sendo implementadas em âmbito nacional como a estratificação de risco intramunicipal, monitoramento entomológico por ovitrampas, borrifação residual intradomiciliar, estações disseminadoras de larvicida, e técnica do inseto estéril por irradiação.

Programa do Ministério da Saúde

Em julho, o Ministério da Saúde inaugurou uma fábrica para a produção de mosquitos com Wolbachia em Curitiba (PR), por meio de uma parceria com a Fiocruz, a Wolbito do Brasil, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o World Mosquito Program (WMP).

A biofábrica paranaense tem uma produção que alcança 100 milhões de ovos por semana e aproximadamente 5 bilhões por ano.

Pupas sendo vistas em lupa

Até o momento, seis cidades foram selecionadas para receber a primeira leva de mosquitos desde agosto, são elas: Brasília (DF), Valparaiso de Goiás (GO), Luziânia (GO), Joinville (SC), Balneário Camboriú (SC) e Blumenau (SC).

Como funciona uma fábrica de mosquitos?

Assim como na produção de qualquer animal no campo, o foco aqui é a reprodução. O processo de produção é altamente automatizado e segue o ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti, desde o ovo até a fase adulta, antes de ser reembalado como ovo para distribuição

O processo começa com a multiplicação de ovos de linhagens já existentes. No caso da Wolbachia, os ovos chegam infectados (a bactéria é inoculada apenas uma vez em laboratório).

Os ovos são colocados em bandejas com água, utilizando um sistema de aquacultura. Este sistema é automatizado para controlar o fluxo de água e distribuir o alimento para as larvas. Nesta fase, que dura entre 8 a 10 dias, o mosquito passa do ovo para a larva e, em seguida, para a pupa (semelhante a um casulo).

Na fase de pupa (que ainda é aquática), é feita a separação de machos e fêmeas por tamanho, pois as fêmeas são ligeiramente maiores. Essa separação é crucial para manter proporções conhecidas nas gaiolas.

As pupas separadas são colocadas em grandes gaiolas, onde emergem como mosquitos adultos (alados). Machos e fêmeas acasalam nas gaiolas.

As gaiolas têm panos pretos usados para que os mosquitos possam pousar, descansar e conservar energia para o acasalamento. Por fim, as fêmeas põem os ovos em papéis molhados.

Ovos de mosquitos/ Larvas (Crédito: Ismael Jales/ IstoÉ Dinheiro)

Os ovos são selados em potes que contêm também a ração para as larvas se alimentarem.

O produto finalizado, na forma de ovos, é estável por cerca de seis a oito semanas (shelf life) e pode ser enviado por transportadoras para qualquer lugar do mundo, uma grande vantagem logística sobre o transporte de mosquitos adultos.

*Estagiário sob supervisão