As multinacionais dedicadas ao agronegócio são onipresentes em quase todos os segmentos de atuação. A exceção é o mercado de capitais. Essas corporações oriundas dos Estados Unidos, da Europa ou da Ásia têm acesso a dinheiro abundante e barato em seus países de origem. Isso torna os empréstimos brasileiros pouco competitivos. Por isso, a alemã Bayer surpreendeu o mercado no início de março, ao anunciar a captação de R$ 107 milhões por meio da emissão de um Certificado de Recebível do Agronegócio (CRA), título de renda fixa cuja rentabilidade é garantida por títulos a receber dos clientes. A emissão foi pequena, mas a demanda foi muito maior. “Se quiséssemos, poderíamos ter captado R$ 4 bilhões”, diz Matias Correch, diretor de finanças da Bayer CropScience para o Brasil e a América Latina. “Os investidores se animaram com a qualidade do crédito da Bayer e com a rentabilidade dos papéis, equivalente a 102% do CDI.” Essa taxa serve de referência nos negócios entre os bancos e estava ao redor de 14,5% ao ano no fim de março.

A captação da Bayer pode ser considerada um divisor de águas para esses papéis. Os CRA foram criados no início da década passada ao lado de seus primos-irmãos, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Uns e outros surgiram como uma alternativa de mercado de capitais aos financiamentos bancários tradicionais. Para garantir o interesse dos investidores para esses títulos, de prazos longos e, em geral, emitidos por empresas pouco conhecidas, CRA e CRI foram lançados com um ingrediente especialmente apetitoso, a isenção fiscal. Os rendimentos de ambos são livres de impostos.

A receita funcionou bem para o mercado imobiliário. No fim de março, o estoque emitido desses papéis era de R$ 61,22 bilhões. Já no caso dos CRA, nessa mesma data, havia R$ 6,4 bilhões registrados, ou apenas 10,4% do total de CRI. Essa diferença ocorre porque os emissores de CRA até agora foram, principalmente, cooperativas agrícolas. Sólidas e rentáveis, essas empresas são muito cautelosas com seu endividamento, o que limita o porte das emissões. Agora, a entrada de gigantes como a Bayer e a BRFoods, que captou R$ 1,1 bilhão no fim de fevereiro por meio da emissão de um CRA de três anos, permite vislumbrar uma mudança de patamar desse mercado. “A captação permitirá mudarmos a forma de financiar nossa atuação no Brasil, diz Correch.

O executivo explica que a Bayer, da mesma forma que suas concorrentes, atua como um financiador informal do produtor. Para fechar negócio, a multinacional alemã concede aos clientes um prazo de pagamento em geral coincidente com a safra. Além de correr os riscos inerentes ao processo, as grandes empresas acabam imobilizando capital para permitir esses financiamentos. Com a emissão dos CRA, a ideia é transferir esse risco ao mercado, tornando mais leve o balanço da companhia. “Captamos apenas R$ 107 milhões para testar o mercado”, diz Correch. “Colocamos o dedo na água para sentir a temperatura, mas logo vamos mergulhar.”

Segundo Martha de Sá, sócia-diretora da Octante Securitizadora, empresa que estruturou a operação, essa emissão proporciona uma nova linha de financiamento para produtores, distribuidores e cooperativas. “É um novo mercado que se inaugura”, diz ela. Os analistas recomendam. “Os CRA da BRFoods são uma opção consistente de investimento em renda fixa, mais atraentes que os títulos da dívida pública, tanto pela liquidez quanto pelo conceito da alocação”, avalia o economista Adeodatto Neto, sócio da empresa de análise independente Eleven Financial.


Martha de Sá, da Octante: nova linha de financiamento para produtores, distribuidores e cooperativas