Nascido em Brasília, filho de um diplomata com uma médica, Francisco Jardim construiu sua carreira no mercado financeiro. Durante sua experiência na Fama Investimentos, percebeu o valor que o ativismo social e ambiental, aliado a uma governança rígida, podia gerar no mercado. Foi a inspiração que precisava para fundar sua própria gestora que, de dois anos para cá, enxergou no agronegócio brasileiro as condições para liderar a 4a revolução agrícola mundial

Quando se uniu aos sócios para criar a gestora SP Ventures em 2007, Francisco Jardim tinha a intenção de investir em startups de qualquer segmento econômico. As únicas condições eram que tivessem uso intensivo de tecnologia para trazer soluções disruptivas e escaláveis para setores com alto potencial de crescimento e que fossem alinhadas aos princípios do ESG (ambiental, social e de governança). Após as primeiras análises de onde aplicaria recursos, no entanto, mudou o posicionamento e focou esforços no financiamento de soluções voltadas para a agroindústria. “Não entendo como os fundos não têm ao menos 50% de sua carteira no agro”, disse à DINHEIRO RURAL. Constatacão que veio após analisar os fundamentos e possibilidades de retorno do setor. É assim que está construindo uma das mais relevantes aceleradoras de agtechs – startups do agro – do Brasil. Hoje, a SP Ventures soma R$ 130 milhões investidos no setor com 23 empresas na carteira. Nos próximos dois anos, deve chegar ao número que considera ótimo: sociedade com algo entre 40 e 50 empresas de tecnologia para o campo.

RURAL – Ainda que tenha uso intensivo de tecnologia, o agronegócio historicamente foi populado por grandes empresas. Recentemente, porém, o número de pequenas empresas tecnológicas está crescendo exponencialmente. Qual o potencial das startups do agro – as agtechs?
FRANCISCO JARDIM – O potencial é tão grande que é difícil entender como os outros fundos não estão com, ao menos, metade da carteira deles no agro. Os fundamentos são muito óbvios e consistentes.

Quais fatos comprovam essa tese?
Em 1976, o Brasil era importador líquido de alimentos. Em 2006, já éramos um dos maiores exportadores do mundo. Esse salto foi promovido pelo avanço da ciência e pelo empreendedorismo. O setor mais competitivo, aquele no qual o Brasil entrega mais, com menos ajuda governamental, é o agro. Para se ter uma ideia, na Europa cerca de 23% da receita do agro é proveniente de subsídios governamentais. Nos Estados Unidos, esse percentual gira em torno de 13%. No Brasil, era de 5% e está caindo. Não só o nosso produtor recebe menos recursos oficiais, como ainda arca com um custo Brasil. A questão logística é um exemplo. Aqui o produtor transporta suas mercadorias pela BR-163, enquanto nos Estados Unidos é ferrovia de costa a costa. E ainda assim, somos muito competitivos.

Olhando para o futuro qual é a perspectiva?
Não há no mundo um setor que tenha mais consenso de que o crescimento será sustentável por décadas. Não é expansão por um ou dois anos. Estou falando de crescimento por 40 anos. A Organização das Nações Unidas (ONU) já estimou que até 2050 a população vai crescer de 7 bilhões para 10 bilhões de pessoas. Além desse excedente, o enriquecimento dos países emergentes promoverá o aumento do consumo de proteínas de maneira geral, tanto animal como vegetal.

Um excedente que será ofertado pelo Brasil?
Com certeza não virá da Europa, uma agricultura subsidiada e ineficiente. Tampouco virá de países temperados como Estados Unidos ou Canadá. Virá de uma agricultura tropical como a brasileira. Temos terras para promover uma ampla expansão agrícola no Cerrado e muito espaço para aumento de produtividade. Aqui entra a tecnologia. É uma oportunidade de crescimento muito fundamentada e de baixo risco para as agtechs.

Quais os riscos que podem prejudicar o Brasil?
Muitas coisas prometidas não saem do papel, como as reformas, além de contratos assinados que não são honrados. Temos um trauma muito grande de investir em setores em que analistas estão certos na tese, mas o governo muda as regras sem aviso prévio. O agronegócio é uma das poucas atividades econômicas que tem performado bem, independentemente do governo.

Mesmo em ano de crise.
Essa resiliência é histórica. Mas vamos pegar as mais recentes. Em 2015, enquanto o País encolheu 3,5%, a agropecuária cresceu 3,3%. No ano passado, o PIB do agro teve alta de 24,4%, diante da queda de 4,1% do País. O resultado acontece em decorrência do profissionalismo do setor, das transações em moeda forte, produção de mercadorias para a base da Pirâmide de Maslow, inelasticidade da demanda, além da complementaridade do mercado doméstico e internacional.

A mudança climática preocupa?
Sendo o clima a principal variável da agricultura, o produtor está se preparando para ficar menos vulnerável. Então, não só a agricultura irá crescer, como ficará mais tecnificada para reduzir sua exposição. Isso é muito promissor para o mercado de tecnologia. A ONU já tem até um nome para esse movimento, o Climate Resilient Agriculture (CRA – em tradução livre Agricultura Resiliente ao Clima).

Essa tecnologia será importada ou nacional?
Quando nos aprofundamos no tipo de agropecuária que produzimos, percebemos que temos características muito próprias. A israelense é desértica e desenvolve tecnologia para a temperada, como a americana. Nesse tipo de agricultura, colhe-se uma safra por ano, as sazonalidades são definidas e normalmente estão em países desenvolvidos com conectividade, infraestrutura logística de alta performance e com perfil de profissionais específicos. No Brasil são duas ou três safras por ano, não temos pausa de atividades biológicas no inverno e nossas fazendas são de grandes áreas. Tudo isso gera uma barreira de entrada formidável contra soluções estrangeiras. Empreendedores brasileiros resolvendo problemas nativos vão liderar o desenvolvimento de tecnologia para o País.

Qual é o potencial do Brasil para exportar esse conhecimento?
Assim como no mercado financeiro em que a disrupção não vem dos grandes bancos e sim das fintechs, no agro acontece a mesma coisa. Mas, ao contrário de outros segmentos, somos uma das maiores potências agrícolas globais, o que nos dá muito espaço para inovar. Pela primeira vez, o Brasil lidera uma revolução mundial, a revolução agrícola digital.

Na frente de potências como EUA e Israel?
Não tenho dúvidas. Junto com a Embrapa, produzimos o radar Agtech e a quantidade de startups e de ecossistemas – Piracicaba, Londrina, Jaboticabal, Ribeirão Preto, Pirassununga, Campinas – que mapeamos, faz do Brasil o maior movimento de agtechs descentralizadas do mundo.

Como o fortalecimento dos princípios do ESG pode favorecer o setor brasileiro?
O agro é um dos setores em que é possível trazer um impacto positivo altamente relevante. Será preciso garantir a segurança alimentar do planeta mantendo a estabilidade de preço dos alimentos, melhorar o uso racional de recursos hídricos uma vez que a agricultura é consumidora intensiva de água, e temos, ainda, o desafio de ter mais de 70% dos químicos de preocupação global (fungicida, pesticida e herbicida) usados nas culturas. Além da questão ambiental, é um setor que tem mais mulheres empreendedoras do que os outros. Na maioria das startups de tecnologia, a participação de mulheres fundadoras e CEOs não chega a 5%. Aqui mais de 20% das empresas nas quais investimos no último fundo foram fundadas e são presididas por mulheres.

Quais são as grandes soluções que chegam via startups?
Um dos movimentos mais importantes que estou assistindo é a construção de uma indústria de serviços financeiros intensivos em tecnologia para o mercado agro brasileiro. Neste ano, teremos umas seis ou sete fintechs do agro que devem levantar mais de R$ 2 bilhões para emprestar para o produtor.

Como aliar a alta demanda de tecnologia com a baixa cobertura de internet no campo?
Não dá para esperar a cobertura total para começar a agir. Mas as operadoras estão olhando para essa lacuna com cuidado e também já começam a existir alternativas, como tecnologias que fazem transferência de dados de forma econômica. Hoje, com 10% de cobertura nas zonas rurais, conseguimos fazer como se tivéssemos 100%. O agro sempre fez isso, ultrapassou a escassez para crescer. O agro brasileiro é um sucesso, apesar do fracasso do governo.

A adoção de novas tecnologias é mais lenta no campo?
O desafio que temos no agro é que normalmente o produtor quer fazer uma prova conceito. Ou seja, ele quer fazer uma espécie de test drive em uma pequena área antes de adotar a tecnologia na cultura inteira. Isso torna o processo mais lento, mas uma vez testado e com resultados, o produtor está disposto a investir alto.

Antes da pandemia, as transações comerciais do agro eram muito dependentes do contato pessoal. Isso tende a mudar?
O agro ainda é a grande cadeia a ser desintermediada por tecnologias digitais com e-commerce e marketplaces. Empresas como Magazine Luiza, o Mercado Livre e a OLX já anunciaram que vão entrar nesse mercado. Mas o agro é uma cadeia muito específica que não tem nada a ver com venda de outros produtos. Tudo é muito diferente. A chance de darem certo é baixa.

Como está o interesse do capital internacional nas agtechs?
Os números falam por si. No nosso fundo novo, 80% é de capital estrangeiro. Apesar de terem receio com a insegurança jurídica e enxergarem alguns problemas que precisamos resolver, os investidores internacionais confiam no produtor brasileiro.

Nem o descaso do governo com o meio ambiente está prejudicando o apetite internacional?
Isso está assim. Se você me perguntasse o que o governo poderia fazer pelo agro, eu diria: parar de trabalhar, parar de se manifestar sobre o setor. Com uma exceção que é a ministra Tereza Cristina. Mas fora isso, a comunicação do governo sobre a produção agropecuária é falsa e prejudica o produtor ao dissociar a produtividade da sustentabilidade. Temos um modelo de agricultura sustentável, desenvolvido pela Embrapa, que é mais produtivo do que o modelo tradicional. Ou o governo estuda sobre o setor e fala ou deixa a ministra Tereza Cristina falar.