De 2020 para cá crescia no agronegócio a tese de que o Brasil poderia, em um período de até dez anos, se tornar o maior produtor mundial de milho, igualando a relevância do cereal na matriz de exportação nacional à soja, atual carro-chefe. A veemência do discurso era vista com desconfiança por alguns. Afinal, com produção de cerca de 100 milhões de toneladas por ano, o País precisaria triplicar o resultado para alcançar o líder de mercado, os Estados Unidos. Mas como ninguém duvida da resiliência do agro, o sonho foi sendo incorporado como meta. Até que veio 2021 e, com ele, a notícia de que as importações da commodity serão as maiores dos últimos 40 anos, chegando a 4 milhões de toneladas, segundo a Cogo Inteligência em Agronegócio. Como explicar essa aparente dicotomia?
Uma parte da resposta está em questões pontuais. “São Pedro não colaborou. Atrasou as chuvas no final do ano passado, o que consequentemente atrasou o início da segunda safra”, afirmou Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da FGV. A safrinha, de fato, começou muito depois da janela ideal, com um clima muito seco. Os produtores resolveram arriscar, mesmo sabendo que o plantio fora do período apropriado traria riscos. Algumas regiões foram afetadas pela cigarrinha do milho, comprometendo ainda mais a produção. E, mais recentemente, entre julho e agosto, geadas severas castigaram as lavouras.

O resultado foi catastrófico. Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o potencial da safra foi reduzido em mais de 22 milhões de toneladas. A previsão original era de 84 milhões/ton. Além disso, como parte das vendas externas é feita de forma antecipada, uma parcela dessa produção já tinha compradores garantidos fora do País. Com isso, houve um choque de oferta não esperado no mercado interno. Para dar conta da demanda nacional, a solução foi trazer o grão da Argentina. “A importação se coloca como uma forma de buscar reduzir os custos de produção, considerando as altas do preço doméstico”, disse Rodrigo Daniel Feix, professor do curso de Pós-Graduação em Gestão do Agronegócio na ESPM.

O cenário não deve sofrer alteração no curto prazo e a importação seguirá elevada (Crédito:Divulgação)

E O PLANO? Todo esse contexto vivido nos últimos meses escancara que se o Brasil quer, de fato, aumentar a relevância da commodity na pauta do agro, precisa investir em um plano estratégico que alie os diversos atores da cadeia. É isso que o ex-ministro da Agricultura e atual presidente do conselho consultivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, pretende. Após trabalhar no incentivo ao cultivo de cereais de inverno, com crescimento de 50% das lavouras de trigo no Rio Grande do Sul e 70% em Santa Catarina, ele comanda um movimento para tornar o milho o protagonista do campo. Em seu lado está a Abramilho, cujo presidente, Cesario Ramalho, reforçou o potencial do produto em recente reunião de trabalho sobre essa pauta, realizada pela ABPA. “O milho é a segurança alimentar do nosso País e de vários outros, além de oferecer segurança também na questão energética”.

“ A importação é uma forma de reduzir os custos de produção, dada a alta do preço doméstico” Rodrigo Daniel Feix ESPM (Crédito:Divulgação)

Ainda que necessária e urgente, a articulação dos atores não trará resultados em curto prazo e a importação deve continuar em patamares elevados até o meio de 2022. Contribuem para a projeção o desempenho da próxima safra, que deve ser abaixo do desejado, e o fato de os estoques nacionais continuarem insuficientes para atender às necessidades dos produtores de aves e suínos. Como todo problema é uma oportunidade, talvez os obstáculos trazidos por 2021 sejam um sinal de que está na hora do País se articular para cumprir a meta de superar os Estados Unidos como o maior produtor do cereal no mundo.