No ano em que a entidade completa quatro décadas, o presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio, Jorge Espanha, fala sobre os desafios da comunicação

O famoso bordão “quem não comunica se trumbica” nunca foi tão atual. E caso o seu criador, o apresentador de TV Chacrinha, ainda estivesse vivo, provavelmente estaria às voltas com o mesmo dilema da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMR&A): como manter o público conectado e levá-lo a comprar uma ideia ou um produto? As 40 empresas associadas à ABMR&A e as suas 30 entidades coligadas estão em busca de respostas a essa questão. “E isso numa era pautada por crescente transformação digital”, afirma o zootecnista Jorge Espanha, 56 anos, presidente da entidade. Desde a explosão da internet, em meados dos anos 1990, esse movimento não para de crescer. “Hoje, o grande tema é a convergência de mídias”, destaca. Espanha, que também é diretor da farmacêutica francesa Vetoquinol Saúde Animal, diz que internet, redes sociais, meios impressos, TV, rádio e eventos do agronegócio constroem credibilidade, mas é preciso entender seu movimento. O desafio está na geração de conteúdo relevante que chegue ao produtor e à sociedade. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva que ele concedeu à DINHEIRO RURAL.

DINHEIRO RURAL – As empresas do agronegócio estão conseguindo se comunicar com o consumidor, que é a ponta final do processo produtivo?
JORGE ESPANHA – As empresas estão mais transparentes. A rastreabilidade é um fato. No caso das exportações, tudo que vai para os Estados Unidos e Europa tem controle de resíduo. Para frutas e legumes, o índice de resíduo estará até na casca. Por um lado, está a legislação, por outro as práticas, as tecnologias e o custo. A indústria está vendo o que acontece na ponta. Mas as transformações estão aceleradas para uma mudança radical? Talvez ainda não, porque ela está se adaptando. A renovação do paladar do consumidor final é por um produto acessível, de baixo custo, que tenha uma marca forte, natural e que seja sem impacto ao ambiente. Isso está vindo de uma forma muito mais acelerada do que a indústria tem condição de resolver.

RURAL – É preciso lobby no agronegócio?
ESPANHA – O lobby bem feito é uma profissão. Porque a indústria precisa de garantia do seu investimento. Não tem a ver com influenciar negativamente, prejudicar. É saber mapear o seu futuro e explicar o que faz mal ou faz bem. Produtos alternativos vêm crescendo absurdamente no Brasil. Empresas de controle biológico, de controle de insetos, estão nos conduzindo para uma agricultura salutar. Talvez, com índices de produtividade que não sejam os mesmos que temos hoje, com produtos convencionais. Ou seja, mesmo com esse boom, ainda não dá para fazer em larga escala. No caso do glifosato, por exemplo, é preciso que a legislação se atualize para aprovar melhores produtos e não levar 10 anos em burocracias. A indústria quer produtos mais modernos, com muito menos risco de resíduos. Nenhuma empresa quer ser notícia por causa de risco alimentar. Nenhuma empresa quer risco para a população, porque ela vive daquilo. Há uma marginalização equivocada do agro.

RURAL – Nesse contexto, para onde vai a ABMR&A?
ESPANHA – A ABMR&A, que este ano completa 40 anos, trabalha para os seus associados, um número pequeno, mas bastante atuante, para formatar opiniões de mercado com dados e fatos. Com pouco dinheiro, como todas as associações sem fins lucrativos, construímos alguns produtos para o marketing de forma positiva, com nossos congressos, pesquisas de hábitos de mídia do produtor e prêmios para campanhas. Fazemos bem e nos perguntamos como fazer melhor, porque o agro não é vilão na agenda da sociedade.

RURAL – As empresas do setor têm encontrado boas saídas na comunicação?

ESPANHA – A mais recente pesquisa de hábitos de mídia, a sétima edição, foi feita em 2017. A ideia é apresentar um novo estudo em 2020. Iniciaremos as entrevistas ainda este ano. No próximo congresso da entidade, que acontece no terceiro trimestre, um dos temas será a comunicação digital 4.0. Mais tecnologia e inovação no campo também estão afetando a comunicação.

RURAL – Qual o grande tema da comunicação dessas empresas?
ESPANHA – A convergência de mídias. Já se falou muito sobre isso. Mas, na prática, ela está acontecendo agora para as empresas que querem levar suas informações ao campo. Rádio, TV, revistas, jornais, mídia digital são importantes, desde que se saiba como usá-las. É o que a nossa pesquisa tem mostrado. Entre os produtores do Rio Grande do Sul, por exemplo, que é o Estado mais conectado, 80% do público usam a internet, 90% acessam redes, como facebook ou whatsapp. Mas 46% lêem revistas. E 38% lêem jornais, em geral de cooperativas. Sem contar o rádio, muito utilizado pelo produtor rural.

RURAL – Como ter estratégia para não perder foco?
ESPANHA – Gosto muito do que os especialistas chamam hoje de “comunicação sniper” (no meio militar, franco-atirador). Faz-se o foco e dá-se um tiro de escopeta, certeiro. Assim, alcançamos o produtor. Imaginemos, por exemplo, um criador de gado com mais de mil animais no interior do Paraná. Chego no alvo e abro para a região, com todo um leque de informações. Vou acessá-lo pela cooperativa, rádio, digital, impresso ou TV, por um período de tempo suficiente para chamar a sua atenção. Hoje, o mais importante é o tempo que o produtor se dedica a apertar um botão. O poder está no dedo.

RURAL – Saber descartar o que não é relevante também é uma questão de educação?
ESPANHA – Esse é um ponto excelente. Nas mídias sociais, as pessoas de modo geral e também os produtores recebem muita mensagem robotizada. Há uma quantidade enorme de robôs trabalhando para você valorizar qualquer coisa.

RURAL – Em que nível está o movimento de construção de marketing de conteúdo na mídia agro?
ESPANHA – Ele está em formação. Para um conteúdo ser percebido, a credibilidade é essencial. Em qualquer plataforma, conteúdo e credibilidade são o mais chama a atenção do público agro. A própria migração para o digital só vem sustentada pelo conteúdo. Por isso, é preciso mapear a tendência de conteúdo. As pesquisas da ABMR&A são exatamente sobre o fluxo de interesse da informação para que as empresas saibam como alimentar esse conteúdo. Isso vai acontecer em várias áreas, como a venda de animais em leilões e nos virtuais, em máquinas, insumos, tecnologias, entre outros.

RURAL – Mas tem um processo nessa transformação, porque no final do dia a exposição de conteúdo precisa se transformar em venda. Onde as empresas estão colocando o farol para que não morram antes
dessa venda acontecer?
ESPANHA – Essa não é uma pergunta simples de responder. Não sou nenhum PhD e agora falo como empresário executivo, não como ABMR&A. O investidor americano Warren Buffett estava certo quando, há 10 anos, com a quebra do banco Lehman Brothers, disse que as Ferraris iriam sair de Wall Street e ir para o campo, para o meio-oeste americano. É isso que está acontecendo e vai continuar. O que diz essa analogia? Hoje, a maior parte do dinheiro está na distribuição. Quem ganha dinheiro está no meio do processo. No momento em que se consegue quebrar essa barreira, significa que houve sucesso na comunicação de conteúdo, porque a empresa chegou a uma interação total com o seu consumidor. A indústria não quer fazer o trabalho do canal, mas quer ter mais acesso à decisão do canal e, para isso, precisa dominar o conteúdo, a comunicação. Isso é uma vertente em todos os negócios. A rede Pão de Açúcar tenta fazer isso. O Magazine Luiza está tendo um tremendo sucesso com isso. Vem de uma ação na bolsa de valores que custava R$ 7 há cinco anos para R$ 170, hoje em dia. É como um funil. Há quem passa e quem fica.

RURAL – E quem passa por esse funil?
ESPANHA – Depende da área. O impacto na ponta tem a ver com o preço, com o custo da oportunidade, quando falo como empresário. Quando se fala em mídia, o impacto está em quem é referência e quem não é. Quem tem a chave de conteúdo para disparar uma comunicação para um indivíduo que tem 50 oportunidades de acesso. Ele vai naquele que tem credibilidade pelo conteúdo no assunto de seu interesse. Digo interesse do ponto de vista emocional, psicológico, financeiro, de tradição ou mesmo de futuro. Por exemplo, a nossa pesquisa sobre hábitos de mídia, com 2,8 mil entrevistas presenciais, mostrou que 93% dos produtores acessam o WhatsApp para discutir temas, mas não para fazer uma transação. Há 2 bilhões de bits de informação, mas o filtro dele é discutir China ou glifosato. Comprar está em outra etapa do processo.

RURAL – O poder de convencimento está definitivamente no digital?
ESPANHA – Acho que, atualmente, de uma salada de informações que se joga no campo, quem tem a chave de qual peneira abrir é o produtor, a depender da sua necessidade de informação. Por exemplo, dias de campo ainda se vende muito bem. Isso a pesquisa mostra: 58% dos produtores acham dias de campo necessários. Nunca aconteceram tantos eventos como atualmente. Um produtor não tem tempo de receber o indivíduo do arame, do abubo, da cerca, da instalação, do gás, do petróleo, do sêmen, da gramínea, do glifosato, do drone, da água, do cocho. Nesse cenário, entram os dias de campo, que vão se profissionalizar cada vez mais. Esse é um caminho de comunicação que será cada vez mais participativo, do lado do produtor e também do lado das empresas.