840 MILHÕES de litros é a atual produção brasileira de biodiesel, mas 20% das entregas atrasaram

Era para ser um show. Os participantes compraram seus convites e toda a infra-estrutura foi montada. Mas, na hora da estréia, o espetáculo não foi tão bonito assim… O que parece ser história de cinema acontece, neste momento, com o Programa Nacional do Biodiesel, que determinou a adição de 2% do óleo “ecológico” ao diesel mineral dois anos atrás. A verdade é que, logo na primeira semana de janeiro, cerca de 20% de todo o biodiesel comprado pelas distribuidoras não foi entregue. Apesar de atrasos serem considerados normais, analistas acreditam que o programa não vai tão bem assim. Mesmo com o discurso do governo de que um mercado de 800 milhões de litros era o suficiente para animar até os mais conservadores investidores, há problemas a serem solucionados. De fato, a empolgação aconteceu e a capacidade instalada do País é para 2,5 bilhões de litros, mas, mesmo assim, a conta não fecha. O preço da soja disparou e, como a oleaginosa é a matriz responsável por 85% da produção do combustível no País, os custos de produção subiram junto. Resultado: o setor teme fazer sua estréia trabalhando no vermelho e corre-se o risco até de um apagão do biodiesel. Para se ter idéia do tamanho da encrenca, um estudo realizado pela consultoria AgraFNP mostra que o custo do biodiesel produzido a partir de soja varia hoje entre R$ 2,42/litro (base sul de Mato Grosso) e R$ 2,59/litro (base Paraná), enquanto o preço médio pago pelo produto nos leilões realizados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi de apenas R$ 1,807/litro. Diante desse cenário, a grande preocupação é com uma possível falta do produto no mercado num futuro próximo.

Apesar de outras culturas, como mamona, dendê e pinhão-manso, terem potencial para ser utilizadas como matéria-prima, elas ainda dependem de pesquisas para alcançar uma produção que atenda à demanda. Elas são usadas, mas em menor escala: juntas, somam 5% para mamona, dendê, pinhão-manso, nabo forrageiro, palma e outras. Os 10% restantes são processados a partir de sebo animal e outras misturas orgânicas. “Para se ter uma idéia, a oferta de óleo de soja, usado na composição do biodiesel, é de cerca de seis milhões de toneladas, enquanto essas outras culturas têm uma oferta dez vezes menor”, explica José Vicente Ferraz, diretor técnico da AgraFNP Consultoria.

Além do alto custo da matériaprima, outro fator que vem derrubando o preço do biodiesel no mercado é a alta oferta do produto, muito acima da demanda. De acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), existem no País 49 usinas produzindo biodiesel.

Segundo Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel), nem mesmo exportar esse excedente aparece como uma possível solução. “Mesmo com esse excedente, o biodiesel não deve ser exportado, pois, como a soja é uma commodity alimentícia, seu preço faz com que se extrapolem os patamares mínimos aceitáveis para a formação de preço do biodiesel.” Trama, que também é proprietário da esmagadora de grãos Oleoveg, sediada em Cornélio Procópio (PR), não esconde a preocupação com o atual cenário do setor. Isso porque os estoques mundiais de soja estão muito baixos e as grandes esmagadoras têm comprado tudo o que podem, pressionando os preços para cima. “Se tudo continuar assim e os preços não melhorarem, acredito que pode chegar a faltar biodiesel no merc a d o ” , alerta.

“Teremos uma pequena margem de lucro agora neste começo de ano”

CÉSAR BORGES, vice-presidente do Grupo Caramuru

Apesar de reconhecer que o mercado passa por um momento complicado e admitir o risco de um apagão do biodiesel, o superintendente da área de abastecimento da ANP, Edson Silva, acredita que o abastecimento está garantido. “Claro que o risco existe, mas o governo se cercou de medidas para minimizar esse contratempo.” Segundo Silva, o governo, por meio dos leilões realizados, efetuou a compra de 380 milhões de litros de biodiesel, que de acordo com a ANP são suficientes para atender à necessidade do produto no primeiro semestre. Por outro lado, a conta do governo era para comprar aproximadamente 886 milhões de litros, o que ainda não foi possível. Outra estratégia é a formação de um estoque reserva. “O governo realizou leilões para a compra de 100 milhões de litros que irão formar um estoque, para o caso de algum problema. Com isso garantimos o abastecimento para a primeira etapa do programa”, afirma. Mas boa parte da segurança do governo vem do modelo de comercialização do biodiesel, que literalmente arrochou as usinas. Com a venda estipulada somente através dos leilões oficiais da ANP, as empresas que participaram e se comprometeram a entregar o produto podem ficar de fora dos próximos pregões, caso não cumpram o contrato. Em síntese, o patamar do custo de produção mudou e agora elas terão de cumprir seus contratos ou sair do mercado.

“Os preços pagos nos primeiros pregões praticamente inviabilizam a produção de biodiesel no Brasil”

NIVALDO TRAMA, presidente da Abiodiesel e usineiro

Com esse cenário complicado, algumas empresas preferem ficar paradas a trabalhar nos preços atuais. Esse é o caso da Usina Barralcool, que pretende esperar o próximo leilão, no mês que vem. A empresa avalia que o prejuízo é menor ficando parada do que fornecendo biodiesel a R$ 1,86, conforme o preço do último pregão. Algumas usinas, porém, lançaram mão da expertise em soja para se dar bem nesse primeiro momento. É o caso da Caramuru Alimentos, uma das maiores esmagadoras de óleo do País, que fez hedge de sua matéria-prima e acertou na estratégia. “Vamos conseguir uma pequena margem”, comemora César Borges, vice-presidente da esmagadora. Outro caso interessante é o da Brasil Ecodiesel, que até o fim de 2007 havia sido responsável por 56% do volume comercializado nos leilões. A empresa investiu na diversificação da sua matriz energética e dá de ombros para os problemas da concorrência. A empresa informou que não é refém da soja e já possui capacidade instalada para produzir mistura com 5% de biodiesel, sem depender da soja. De acordo com Silva, da ANP, essa deve ser a estratégia adotada pelo resto do mercado nos próximos anos. “O mercado pode se apoiar em outras oleaginosas que têm rendimento muito maior que a soja”, pondera. Outra saída possível para o setor seria a antecipação do B5, que tornaria obrigatória a adição de 5% de biodiesel ao diesel comum. Com isso, se teria uma demanda maior. Mas essa seria uma solução pouco duradoura, uma vez que a atual capacidade instalada, somada aos projetos em fase de construção, rapidamente absorveria essa demanda. “A antecipação do B5 apenas ameniza o problema da oferta e não resolve o maior problema, que é o custo da matéria- prima”, pondera Trama, da Abiodiesel. Em uma visão otimista, Ferraz, da AgraFNP, acredita que a própria turbulência do mercado deva estruturá- lo. “As empresas possuem um limite e vão começar a parar de produzir, como muitas já pararam. Esse sistema irá equilibrar a oferta e conseqüentemente deve melhorar os preços.” Resta saber quem sobreviverá até lá.