03/08/2017 - 8:00
No dia 6 de junho, o anúncio de que o grupo Minerva Foods comprou as operações de carne bovina da JBS na Argentina, no Uruguai e no Paraguai causou espanto no setor do agronegócio. A investida sobre esses ativos, realizada pela família Vilela de Queiroz, controladora do Minerva Foods, foi algo incomum para o seu estilo de fazer negócios. Isso porque ela sempre foi identicada como uma empresa conservadora na tomada de decisões e cautelosa em seu projeto de expansão. A transação de US$ 300 milhões equivale a cerca de R$ 1 bilhão. Trocando em arrobas, dariam 8,1 milhões pelo preço praticado em São Paulo, no final do mês passado. O negócio entre as famílias controladoras do Minerva Foods e da JBS não é simples. Ele ocorre em um momento de ebulição política e econômica no País, no qual a indústria frigorífica está no epicentro. As delações premiadas dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, com fartos detalhes sobre distribuição de propinas a políticos, em troca de vantagens aos negócios da família, têm levado muitas dúvidas sobre o futuro do grupo e a sua capacidade de reação.
Do Minerva Foods, embora não faltassem pedidos de entrevista, a partir do anúncio do negócio com a JBS, não se ouvia uma única palavra de seus controladores. Quase um mês depois, pouco antes do fechamento desta edição de DINHEIRO RURAL, no dia 29 de junho, o presidente executivo da companhia, Fernando Galletti de Queiroz, 49 anos, recebeu a reportagem da revista para a primeira entrevista após a compra dos ativos da JBS. “Nós tínhamos uma negociação que começou em março deste ano. E não tínhamos nenhuma informação sobre escândalo algum”, afirma Queiroz. “Estamos adiantando nosso plano de negócios em cinco anos.” De acordo com o executivo, faltava ao Minerva Foods uma operação na Argentina e isso era público desde 2012. “O mercado argentino é estratégico para nós”, afirma Queiroz. O Minerva Foods, com origens em 1957, quando o pai de Queiroz, Edivar Vilela de Queiroz começou a criar gado na região de Barretos (SP), e transportar animais vivos, obteve receitas operacionais de R$ 10,2 bilhões em 2016. Com a aquisição das unidades sul-americanas da JBS, a empresa estima um faturamento de até R$ 14,4 bilhões neste ano. Também eleva a sua atual capacidade de abate: sai de 17,3 mil bovinos por dia, em 17 frigoríficos espalhados pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Colômbia, para 26,4 mil animais. A compra coloca no portfólio da empresa mais nove frigoríficos. A operação argentina garantirá um abate de 5,1 mil animais por dia; a paraguaia, de 3,1 mil cabeças de gado; e a uruguaia, de 900 animais. No Brasil, o grupo Minerva possui 11 frigoríficos. Mas, até o fechamento desta edição, em função da devassa que juízes e procuradores federais vêm promovendo em todos os negócios nos quais a JBS está envolvida, a compra da Minerva Foods era contestada pela Justiça. “Nós estamos protegidos por contrato e não acredito que o negócio não se concretize”, afirma Queiroz.
A indústria frigorífica brasileira já atravessou várias crises em sua história. Ela já esteve nas mãos de multinacionais, nos anos 1940, que depois deixaram o País. Nos anos 2000, se agigantou sob a administração de empresas familiares (leia mais detalhes na pág. 40) e começou o seu processo de concentração que vem até o dias atuais. Atravessou crises sanitárias, como o mal da vaca louca nos anos 1990. Já os focos de febre aftosa, em 2001, no Rio Grande do Sul; e, em 2005, no Paraná e em Mato Grosso do Sul, ocorreram quando o País despontava como o maior exportador mundial de carne bovina. Agora, em 2017, vieram a Operação Carne Fraca, com denúncias de fraudes na inspeção de produtos, e a delação da família Batista. No mês passado, começou mais uma pendenga, dessa vez com a carne enviada ao Estados Unidos, por causa de abcessos provocados por mal uso da vacina contra a febre aftosa. Para Péricles Salazar, presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), o setor, que é composto por 200 frigoríficos, já vinha de um momento conturbado, mesmo antes de ser deflagrada a operação Carne Fraca. O preço da arroba de boi gordo, que chegou a R$ 154 no início do ano, em São Paulo, despencou para R$ 126 no mês passado. “Agora, o fator JBS fez crescer muito a desconfiança do mercado”, afirma Salazar. “Não sabemos o que pode acontecer futuramente, mas as forças de mercado devem se disseminar para as demais empresas, por causa do vácuo provocado.” O executivo afirma, no entanto, que, por ora, não são os pequenos e médios frigoríficos que estão absorvendo a produção, mas sim o Marfrig e o Minerva. Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira da Indústria Exportadora (Abiec), não quis se pronunciar.
Mas, de acordo com Ivan Wedekin, consultor de mercado, aquela indústria que passou por várias crises estruturais, nas quais perdia grandes margens brutas, ficou no passado. “As histórias das crises dessa indústria no País sempre foram marcadas por dificuldades financeiras”, afirma Wedekin. “A diferença nessa crise de agora, e que favorece o setor, é que essas empresas são de capital aberto, sujeitas a regulações e regras de transparência maior no mercado.” Ou seja, essa indústria é mais pública do que nunca e precisa prestar contas a sócios e consumidores.
A reestruturação de capital das empresas frigoríficas ocorreu a partir de meados dos anos 2000, levando os três maiores grupos – JBS Marfrig e Minerva – a deter boa parte do abate no País. De acordo com Wedekin, a concentração do abate de bovinos saltou de 26%, nos anos próximos de 2006, para 56% em 2016. No ano passado foram abatidos 39 milhões de bovinos. Isso significa que 21,8 milhões de animais foram processados por grandes frigoríficos. “Na indústria, a tendência é um mercado com margens de lucro apertadas. Ela se sustenta com a venda em larga escala”, diz Wedekin. “ Para comparação, no ano passado, a margem de lucro dos frigoríficos de carne bovina foi de 13,09% sobre o faturamento, enquanto a indústria de maior valor agregado, como a BRF, com industrializados de aves e suínos, obteve 31,3%.”
Aventura no exterior As margens obtidas nos negócios paralelos explicam por que grupos como JBS e Marfrig, de nascença boiadeira, se aventuraram no setor de aves e suínos, comprando empresas como a Pilgrim’s, nos Estados Unidos, ou a Moy Park na Inglaterra. Mas não explica o Minerva Foods, que nunca entrou nesses segmentos para expandir seus negócios. De acordo com Queiroz, nem mesmo nesse momento os mercados de suínos e de aves entram no radar da empresa. “Nós enxergamos essas cadeias com pilares e valores diferentes”, afirma Queiroz. “E isso é muito fácil de entender, porque no frango e no suíno as cadeias são integradas, enquanto no bovino não é.” Para Edison Ticle de Andrade Melo e Souza Filho, 38 anos,
diretor de finanças do Minerva, as competências necessárias para uma empresa ter sucesso nas operações de frango e suínos são completamente diferentes daquelas necessárias para atuar na pecuária bovina. “Os dois setores não têm sinergias relevantes, apesar de serem de proteínas animais”, afirma Souza Filho. “Com aves e suínos aumentaríamos o risco da operação.” Isso porque a Minerva decidiu, há alguns anos, que o seu negócio não era ter uma marca para o consumidor final, mas colocar foco nos negócios com distribuidores e no food service. Hoje, o Minerva distribui carne em 60 mil pontos de venda no Brasil, sem marca própria. De acordo com Queiroz, são mais 30 mil pontos no Exterior. “Nosso negócio é trabalhar com empresas que possuem rede de varejo de alimentos,” afirma ele. “E colocar foco no modelo de empresa diversificada lá fora, porque queremos ser essencialmente exportadores.” Hoje, sem contar a aquisição da JBS, o Brasil responde por 70% das operações da empresa. Com o negócio fechado, a participação do País cai para 45%, enquanto no exterior sobre para 55%. Hoje, do total de animais abatidos diariamente, cerca de 12 mil vêm de frigoríficos brasileiros. Nas exportacões, o Minerva atende cerca de 100 países, principalmente os asiáticos. Nos últimos anos, a vendas ao exterior têm respondido por fatias que variam entre 60% e 70% do faturamento. No ano passado, as vendas ao Exterior renderam R$ 6,4 bilhões.
Além dos países do Mercosul, o grupo brasileiro também está na Colômbia. Sua internacionalização, assim como ocorreu com a JBS e o Marfrig, controlado pelo empresário Marcos Molina, é fruto de um passo que começou a partir dos anos 2000. Mas, ao contrário dos outros dois, o Minerva Foods sempre andou no passo miúdo. Foi somente em 2007, com a construção de uma unidade industrial para produzir carne cozida e congelada para food service, no município de Barretos (SP), onde o grupo nasceu, que a internacionalização começou a ganhar corpo. Nesse ano, a formação de uma joint-venture com a empresa irlandesa Dawn Farms Group, levou a investimentos de R$ 80 milhões. Também foi nesse ano que o capital foi aberto na bolsa de valores de São Paulo, a antiga BM&FBovespa, hoje B3. No ano passado, ela deu um passo ousado, ao vender uma participação ao fundo da Arábia Saudita, o Saudi Agricultural and Livestock Investment (Salic), que fez um aporte de R$ 746,4 milhões por 20% do capital do grupo. “Fechamos o negócio porque o Salic nos daria credenciais para crescer no Oriente Médio e na China”, diz Queiroz. “Só no país asiático, há mais de 100 cidades com um milhão de habitantes.”
As compras da JBS são estratégicas porque, embora o Minerva Foods tenha ido para países do Mercosul, ele jamais conseguiu se estabelecer na Argentina, um importante exportador. O rebanho do país é de 51 milhões de bovinos e também passa por transformações importantes, depois da crise dos anos em que a família Kirchner presidiu a Argentina impondo regras rígidas de controle das exportações. Neste ano, a previsão é exportar 231 mil toneladas por US$ 1 bilhão, cerca de 20% acima do ano anterior. Mas, no final dos anos 1990, o país chegou a exportar 1,5 milhão de toneladas, mesmo volume que o Brasil. “Se olhar o nosso plano de negócios de 2012, quando realizamos a última revisão, nós colocamos como meta nos tornamos a companhia mais diversificada na América do Sul.”
Para João de Almeida Sampaio Filho, 51 anos, diretor de Relações Institucionais do Minerva, o crescimento dos negócios na América do Sul deve ocorrer, buscando nichos consistentes de mercado. Por exemplo, com parcerias com produtores que ofertam gado de origem europeia. “A soma do Brasil, que oferta gado de carne magra, com Argentina, Uruguai e Paraguai, com produção grande de raças como angus, por exemplo, vai acelerar nossa participação nas exportações”, diz Sampaio. Mas a empresa não descarta os nichos no País. Aqui, as parcerias para abater aninais cruzados de angus acontecem. Entre elas está o programa Arroba mais Lucrativa.
Em relação aos planos daqui para a frente, Queiroz diz que o foco é arrumar a casa. “É natural que nos próximos anos o nosso objetivo seja digerir essas aquisições integrar e extrair valor”, afirma o executivo. “Conhecer as unidades que estão sendo incorporadas e entender a sua cultura, porque não gostamos da ideia de sermos comparados a conquistadores que impõem a sua cultura de empresa a qualquer custo.” Para ele, o olhar sobre o negócio precisa levar em conta o conjunto dos rebanhos dos países nos quais o Minerva está. “Juntando os rebanhos do Brasil, que é o maior, com os da Argentina, da Colômbia, do Paraguai e do Uruguai, nos posicionamos como o maior processador de carne bovina do continente sul-americano”, diz Queiroz.
A estratégia do grupo Minerva Foods tem sido a diversificação.
Confira o que pensa o CEO da empresa sobre criação de gado, ciclo pecuário e mercado internacional
Como o sr. analisa o atual momento da pecuária no Brasil?
Há três anos a gente vem identificando esse momento de ciclo atual, de aumento de oferta de animais. Houve recorde de nascimento de bezerros nos anos de 2013, 2014 e 2015. São esses animais que estão chegando ao abate.
O que diferencia esse ciclo de alta oferta, em relação aos passados?
Esse ciclo encontrou o mercado interno brasileiro em uma economia que não está caminhando. Então, qual o grande problema? Os ciclos são normais, mas o atual foi intensificado pela crise na qual estamos vivendo. Não há crescimento econômico e aí vem o efeito negativo desse mercado para o produtor. O que há de positivo? Hoje, a América do Sul tem uma competitividade muito grande no cenário internacional. Há redução de produção na Austrália e nos Estados Unidos. A Índia proibiu o abate de bovinos e búfalos. Isso criou um vácuo no mercado.
Mas carne de qualidade é identificada como produto argentino ou uruguaio.
O conceito de carne de qualidade é discutível. Há animais diferentes, de raças diferentes. As raças boss Taurus, de origem europeia, são animais que têm a gordura entremeada na carne. As boss Indicus, o zebu, têm gordura externa à carne. O que é melhor ou pior depende do mercado. Nos países em desenvolvimento, o boss Indicus têm tem valor comercial e prêmio sobre raças boss Taurus. Os mercados italianos e escandinavo também pagam prêmio para a carne brasileira de zebu. Já o mercado alemão paga prêmio por carne de raça taurina.
O Brasil consegue tirar proveito dessa diferenciação pela quantidade dos zebuínos?
Hoje existe uma segmentação muito maior do mercado e o Brasil está começando a aprender a trabalhar com nichos. Todos os animais brangus, todos os cruzamentos industriais, são para atender os nichos. Uma das forças do Brasil é o tamanho de seu rebanho. O volume permite que a gente trabalhe não somente no mercado de commodities, mas também no mercado de nichos.
Como fazer uma gestão afiada para consolidar o nome Minerva na América do Sul?
O ponto é como o Minerva enxerga a sua estratégia, porque é fundamental entender as regras não escritas de cada país, as idiossincrasias locais. Por exemplo, nós temos uma política de crédito super restrita com o pequeno varejo. No Chile, a cultura do pequeno varejo não é pagar em dia e sim com atrasos médios de uma semana. Então, não tem sentido ser inflexível.
E um exemplo saudável?
Desde 2011, quando entramos no Uruguai, adotamos uma política forte de fomentar o pequeno produtor. Isso é cultura no país, o que nos garante um fornecimento seguro de matéria-prima de qualidade. Trouxemos o modelo para o Brasil e estamos fomentando o Arroba Mais Lucrativa desde 2015, para financiar o produtor que deseja suplementar a dieta dos animais. O programa começou com R$ 1 milhão para testar. Desde então, 74 mil bovinos foram suplementados, com adiantamento de R$ 60 milhões ao produtor e abate de 24 mil animais. A inadimplência é zero.
Como o Minerva vai se posicionar daqui para a frente, na sua política de expansão?
A maior parte da expansão do Minerva foi através de aquisições. Mas não temos uma postura de conquistador, de tomar o negócio. Queremos aprender com o alvo, com a empresa adquirida. Nesse momento, estamos em processo de aprendizagem.