01/01/2010 - 0:00
Ministro admite que o MST passou dos limites, mas diz que
o movimento não pode ser condenado por fatos isolados. Agora, ele só pensa na paz no campo
Em entrevista à DINHEIRO RURAL, intensifica as polêmicas que envolvem sua pasta, afirmando que a produção familiar deve, sim, ter um tratamento prioritário ante a empresarial. Para ele, o País precisa ampliar a reforma agrária. Além de garantir que não há nada de errado com o MST e suas ações, ele diz que toda a dinheirama que a “entidade” recebe nada tem a ver com o governo. A seguir, os principais trechos dessa conversa.
Dinheiro Rural – A ideologia do Ministério do Desenvolvimento Agrário contaminou o Censo 2006?
– O impressionante é que nunca um resultado do IBGE havia sido questionado. Mas foi quando mostrou que a agricultura familiar gera mais emprego, que ela é mais produtiva, que se relaciona melhor com o meio ambiente e que é importante para o Brasil persistir no apoio à agricultura familiar. Quando mostrou de forma clara que o Brasil ainda tem muita concentração de terra e que desconcentrar essa terra é um bom caminho econômico para o País, houve uma reação ideológica impressionante, isso sim.
Rural – Mas ainda assim ele fomentou uma disputa…
Cassel – O Censo mostra que no Brasil ainda existe muita concentração de terra. A agricultura familiar, com 24% do total da área agricultável, contribui com 38% do valor bruto da produção. Ou seja, se garantirmos mais acesso à terra, se desconcentrarmos as propriedades, iremos aumentar a produtividade do País. A melhor solução para o Brasil é caminhar para ter uma estrutura agrária mais equilibrada. Precisamos de mais reforma agrária para ter uma economia mais saudável, para gerar mais emprego, para gerar mais alimento de qualidade.
Rural – Mas uma pesquisa do Ibope mostrou dados completamente diferentes.
Cassel – Temos que ter um pouco de bom senso para olhar o que aconteceu. O IBGE fez um Censo em 2006/2007, com todos os critérios científicos. Duas semanas depois, o Ibope lança uma pesquisa encomendada pela CNA, com nove assentamentos, mil famílias entrevistadas e quer polarizar com o Censo. Isso não é razoável. Nós temos 8.360 assentamentos no Brasil, nós temos um milhão de famílias assentadas no País. Essa amostra não é significativa e não se presta a tirar conclusões.
“A pesquisa encomendada pela senadora Kátia Abreu não é significativa para o País”
Rural – Mas, mesmo sem a mesma amplitude, a pesquisa IBOPE mostra um cenário…
Cassel – Eu não concordo. Com todo respeito à Kátia Abreu, da CNA, e ao Ibope, mas não é razoável comparar duas coisas que são incomparáveis. Um Censo que visitou todos as propriedades do País e outro que visitou nove assentamentos. Essa amostra não é significativa e não se presta a tirar conclusões.
É o tipo do trabalho que não ajuda a esclarecer e apenas foi feito para confundir. Eu acho que há setores dentro da CNA que estão dispostos a discussão de futuro sobre a agricultura brasileira, mas há outros setores que não. Seria muito bom se olhássemos o Censo com seriedade e equilíbrio, com todas as possibilidades que ele oferece, e deixasse de lado essa polarização sem sentido entre duas agricultura, que a pesquisa do Ibope acabou provocando.
Rural – Mas há problemas bem conhecidos nos assentamentos e não é preciso ir longe para verificá-los…
Cassel – Como tudo nesse País, temos casos de sucesso e de insucesso. Antigamente reforma agrária era terra ruim para gente pobre. Dos assentamentos dos últimos anos, 80% estão vivendo bem, estão produzindo bem. Pesquisas mostram que a produção nesses assentamentos é pelo menos igual à média de produção da região. Acho que a maior parte dos assentamentos tem uma produção média muito boa. O que aparece aí é a tentativa de insuflar um conflito artificial no campo.
Rural – É possível dar “nome aos bois”? A quem o sr. se refere?
Cassel – Acho que no Brasil temos três modelos agrícolas. Temos o familiar, que é produtivo e responsável pela segurança alimentar. Há uma agricultura de escala industrial que é muito produtiva, que tem tecnologia, produz soja, cana, auxilia o País do ponto de vista de pagamento. E há uma terceira agricultura, que é vinculada ao latifúndio, que é improdutiva, atrasada, que gera extração ilegal de madeira, que faz desmatamento. Esse setor minoritário da agricultura aposta num processo permanente e contínuo de conflitos. Há um bolsão arcaico no País, onde a propriedade da terra e o poder político andam sempre de mãos dadas.
Ministro admite que o MST passou dos limites, mas diz que
o movimento não pode ser condenado por fatos isolados. Agora, ele só pensa na paz no campo
Rural – Até o Ministério Público investiga um esquema de financiamento do MST via governo. Até quando é possível fechar os olhos em relação a esse fato?
Cassel – Isso é completamente absurdo e sem sentido. A cada dia aparece uma lista de entidades que seriam ligadas ao MST. É bom lembrar que essa não é a primeira CPI que irá investigar a relação do governo com o MST. Nós tivemos há dois anos a CPI da Terra, que investigou todos os convênios e contratos do Incra e do MDA e não achou absolutamente nada irregular. No ano passado tivemos a CPI das ONGs e outra vez nossos contratos foram auditados e não se achou nada. Há uma tendência à perseguição política de um movimento social e uma tentativa persistente de criminalizar o movimento social.
Rural – Mesmo com muitas dessas denúncias partindo do TCU e do Ministério Público Federal, o sr. acredita que não haja nada errado?
Cassel – O governo brasileiro faz convênios e contratos com entidades de toda a sociedade. Nós temos contratos e convênios com a CNA, por exemplo. Temos convênios com as federações de agricultura. Quando uma entidade é contratada, ela precisa comprovar a realização do serviço. Agora, se elas desviaram o recurso, terão que devolvê-lo. Isso é encaminhado para o TCU, para o Ministério Público Federal e as entidades serão responsabilizadas. Sempre que o TCU ou o MPF determina que uma entidade não pode mais conveniar com o governo, nós a excluímos do cadastro.
Rural – Mas isso não demonstra que a forma como esses contratos são firmados deveria ser revista?
Cassel – Existe um sistema chamado Siconv, que é o sistema de convênios do governo federal, que é transparente e aberto para qualquer cidadão entrar e ver as entidades. É muito primário achar que hoje, com todas a tecnologias e todas as possibilidades de controle que existem, alguém possa repassar recurso público de forma indevida para uma entidade fantasma.
Rural – O sr. fala em tentativa de criminalizar o movimento. Mas o próprio movimento não acaba se criminalizando na medida em que insiste nas invasões de propriedades?
Cassel – É preciso reconhecer que a reforma agrária andou muito nos últimos anos e a maior consequência disso é que diminuíram os conflitos no campo. Hoje você está lidando com problemas localizados, antes eram conflitos generalizados, espalhados por todo o País permanentemente. Do volume de terra para a reforma agrária, 53% foi concedido nos últimos sete anos, quase 45 milhões de hectares de terra.
Isso mostra que a reforma nunca teve um ritmo tão acelerado quanto nos últimos anos.
“A grande maioria dos assentamentos é tão produtiva quanto as fazendas vizinhas”
Rural – A recente invasão da fazenda da Cutrale não vai contra o que o sr. está falando?
Cassel – Eu acho que aquilo foi uma ação grotesca e espero que as pessoas sejam responsabilizadas. A impunidade seria algo ainda mais grotesco, depois do que aconteceu. Isso não tem relação com reforma agrária. Reforma agrária é produção de alimento e não destruição de alimento. É um ato condenável em todos os aspectos. Espero que a MPF e a polícia atuem para responsabilizar os envolvidos.
Rural – É possível desenvolver a reforma agrária sem os conflitos no campo? Cassel – Acho que sim. Temos que amadurecer para outra situação em que a gente compreenda de uma forma geral que o Brasil está discutindo seu desenvolvimento futuro. Precisamos saber se queremos um meio rural sem gente. Se queremos um meio rural voltado para a segurança alimentar ou apenas para produzir para exportação. Se queremos agredir o meio ambiente ou não. Precisamos discutir isso.
Rural – Mas essas questões não dependem apenas de reforma agrária…. Cassel – Hoje a melhor solução para o Brasil é caminhar para ter uma estrutura agrária mais equilibrada. Precisamos de mais reforma agrária para ter uma economia mais saudável, para gerar mais emprego, para gerar mais alimentos com mais qualidade. A reforma agrária na maioria dos lugares do mundo foi feita como um programa de toda a sociedade, buscando mais desenvolvimento e produção. Eu não acho que esse setor arcaico ruralista e nem o setor radicalizado do MST tenham muito a contribuir nesse sentido.
Rural – Na opinião do sr. qual o melhor caminho?
Cassel – Não podemos deixar que a agenda do desenvolvimento do Brasil seja consumida por essa polarização artificial. Não é razoável que um setor ruralista atrasado e um setor radicalizado do MST, por exemplo, imponham uma agenda para o Brasil. A agenda do Brasil dever ser a agenda da produção, da exportação, do meio ambiente. Às vezes perdemos esse debate por razões que não deviam acontecer. É preciso um esforço de todos, sejam produtores familiares, sejam empresariais, para desenvolver e modernizar a agricultura do País. É isso que queremos. Temos que deixar de lado essa disputa antiga de dois setores que na minha opinião estão atrasados.