No final do ano passado, o sojicultor e estudante de administração de empresas Hugo Cunha, de 21 anos, herdeiro da fazenda Tomazes, em Catalão, município do Sul de Goiás, não conseguiu financiar um pulverizador pelos moldes tradicionais de crédito. “Tentamos, mas a burocracia bancária inviabilizou os nossos planos”, diz Cunha, que tem como sócio o irmão mais velho, Hiago, 23 anos. No entanto, quem chega à fazenda Tomazes, de mil hectares, pode ver estacionado junto aos tratores um pulverizador tinindo de novo. Para conseguir a máquina, os irmãos recorreram ao barter (que significa permuta, em inglês), uma operação de crédito pela qual eles pagaram o pulverizador com produtos agrícolas. “Neste momento, o barter é uma modalidade muito interessante para os produtores”, diz  Cunha. Ele recorreu ao barter para pagar parte da máquina, no caso, o valor de entrada. Foram R$ 180 mil para serem quitados com a entrega de três mil sacas de soja da safra 2015/2016, que começará a ser plantada nos próximos meses. Os R$ 350 mil restantes do valor do equipamento, serão pagos pelo sistema de consórcio. “O barter resolveu nosso problema de caixa imediato”, afirma o produtor.

A dificuldade dos irmãos em conseguir crédito bancário é partilhada por muitos produtores rurais, que até o final do ano passado desfrutavam de fartos recursos e taxas de juros extremamente atrativas no mercado, um quadro muito diferente do atual. A principal linha de financiamento de máquinas agrícolas, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES, por exemplo, teve uma queda de 37,5% no volume de recursos, saindo de R$ 80 bilhões, em 2014, para R$ 50 bilhões, neste ano. Já as taxas de juros, que variavam de 4% a 8%, ao ano, foram para 6,5% e 11%. De acordo com o engenheiro agrônomo Ângelo Ozelame, analista de mercado do Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea), de Cuiabá, as taxas mais salgadas têm pressionado o mercado de crédito. “Em momentos de crise, o risco maior é de quem está emprestando o dinheiro, mas há saídas”, diz. “É por isso que as operações de barter ganham relevância para os produtores de soja, milho, café e até de boi gordo.” Trocar a produção, por exemplo, por sementes, fertilizantes e antiparasitários, torna a gestão da propriedade mais segura.

No caso dos irmãos Cunha, a troca de soja por maquinário é uma modalidade lançada no final de 2014 pela New Holland, da CNH Industrial , controlada pelo grupo Fiat. De acordo com o vice-presidente da empresa para a América Latina, Alessandro Maritano, a ideia de iniciar as operações de barter foi se desenhando à medida que o mercado de crédito começava a dar sinais de alerta. “Com algumas incertezas sobre o rumo dos financiamentos, a opção de barter é descomplicada e um caminho para o produtor não deixar de investir”, afirma Maritano. Para viabilizar a operação, a New Holland escolheu como agente financiador a americana Cargill, uma das maiores processadoras de alimentos do mundo e uma grande compradora de grãos,que no ano passado ficou em primeiro lugar na categoria Melhor Gestão Financeira no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL.

De acordo com o engenheiro agrônomo Renato Magni, coordenador de insumos da Cargill, a operação de barter é vantajosa porque é uma forma de o agricultor travar o seu custo de produção e o valor de sua commodity. “É mais uma segurança, em tempos de oscilações de câmbio e incertezas na economia”, diz Magni. Pelas regras de financiamento da companhia, para valores de até US$ 250 mil (cerca de R$ 840 mil, no início de agosto), o produtor deve dar como garantia uma Cédula de Produto Rural (CPR), documento com registro em cartório no qual se estabelece em contrato uma data para a entrega dos grãos. Em geral, isso ocorre no mês de maio, após o término da colheita da safra de soja. Além disso, é necessário um avalista. Para as operações acima desse valor, é preciso fazer também a hipoteca da terra no banco da Cargill. De acordo com Jefferson Kohler, gerente de marketing da New Holland, a maior parte dos negócios deve ser fechada por valores de até US$ 250 mil. “Com esse recurso garantido, o produtor pode adquirir um trator potente, ou uma colhedeira média”, diz Kohler. A expectativa da empresa é vender cerca de 50 máquinas agrícolas por intermédio do barter e faturar R$ 26 milhões, nesta safra. Além dos grãos, a New Holland também está se preparando para o barter destinado aos cafeicultores, com a possibilidade de quitar o crédito em três anos. Nesse segmento, ela segue os passos da sul-coreana LS Tractor, que desde o ano passado troca tratores por sacas de café.

Segundo o economista Filipe Paiva, sócio da consultoria Unibarter, de Ribeirão Preto (SP), as operações desse segmento movimentaram cerca de R$ 15,4 bilhões no País, no ano passado. Sozinho, o mercado de defensivos respondeu por cerca de R$ 5,8 bilhões em crédito na modalidade, valor equivalente a 20% do total comercializado pelo setor. Para o consultor, as operações de troca tenderão a crescer à medida que os produtores se pautarem mais como gerenciadores de risco e menos como especuladores. “Essencialmente, o barter é uma ferramenta através da qual o agricultor pode saber o quanto vai gastar na produção, e o que deve fazer para rentabilizar sua operação”, diz Paiva. “Isso é muito diferente de um comportamento especulativo, cenário que tem imperado na produção agropecuária.” Mas, para o engenheiro agrônomo Rodrigo Gutierrez, presidente da israelense Adama, no Brasil, fabricante de defensivos agrícolas com unidades em Londrina (PR) e Taquari (RS), esse comportamento, que funcionou muito bem nas últimas safras, nos mais diversos tipos de compras, porque o produtor estava muito capitalizado, não reflete mais a realidade do mercado. “Neste ano, no período da colheita da soja já não havia muito espaço de especulação para o grão”, diz Gutierrez. A Adama, que faz barter desde 2002, espera fechar neste ano R$ 396 milhões em operações do gênero.

Para o engenheiro agrônomo Cesar Vieira Junior, gerente de barter da americana Dow AgroSciences, com negócios na área de biotecnologia, defensivos e sementes de pastagem para o gado, o barter tende a amadurecer à medida que o produtor entenda as ferramentas de gestão como parte do negócio. “O barter precisa ser encarado como uma proteção”, diz Vieira Júnior. “No caso do boi, protege o pecuarista contra quedas do preço da arroba, o que diminuiria a sua receita, e protege contra uma alta acentuada da arroba, o que levaria ao aumento do custo de reposição do gado”. A Dow é a única companhia no País a indexar suas operações de troca de insumos para pecuária pela arroba do boi gordo. Criada em 2010, a linha Beeftrade totalizou, até o primeiro semestre deste ano, 2,5 milhões de arrobas permutadas por produtos, o equivalente a R$ 255 milhões, com base nas cotações da Esalq/BM&F Bovespa.