01/05/2012 - 0:00
Visto do alto, pela janela do avião, o Pantanal da Nhecolândia é uma massa verde nas proximidades de Corumbá, município de Mato Grosso do Sul que tem 1,8 milhão de bovinos nas suas fazendas. Das 26 capitais do País, somente seis têm mais habitantes do que bois em Corumbá. À medida que o avião se aproxima da pista de pouso, a massa verde se divide em bosques, baías, campos limpos e savanas. Nas baías e bosques, estão as samambaias, o chapéu- de-couro, a ervalanceta, o camalote, o aguapé, as árvores lenhosas e as palmeiras carandá e acuri, dos jacarés e tuiuiús. Em volta desses santuários, os campos limpos e as savanas estão cheios de capim-mimoso e mimosinho, comida que o gado aprecia há mais de 250 anos. “Não é verdade que o boi destrói a natureza”, diz Leonardo Leite de Barros, dono de quatro fazendas na região da Nhecolândia, que somam 40 mil hectares. “Seria falta de inteligência acabarmos com o nosso ganha pão.” Mas ele reconhece que é necessário um cuidado melhor com a natureza. “Precisamos nos organizar, desenvolver modelos de 44 gestão no campo e melhorar nossos índices de produtividade”, afirma. Barros faz parte de um movimento que está mudando a maneira de fazer pecuária no Pantanal, e que atende pelo nome de boi orgânico. “Nós, da Nhecolândia, e também das outras microrregiões do Pantanal, estamos sendo naturalmente empurrados para esse modelo de criação”, diz Barros. Segundo ele, 11 microrregiões, incluindo a Nhecolândia, fazem parte de um território de 138 mil quilômetros quadrados, dos quais 87% estão preservados, Nabileque, Paiaguás, Barão de Melgaço, Porto Murtinho, Paraguai, Abobral, Miranda, Aquidauana, Cáceres e Poconé.
PECUÁRIA ORGÂNICA: embora parecido com a criação convencional, o manejo do boi pantaneiro é diferente; o gado convive com animais silvestres, como veados, jacarés, lobos e capivaras
De olho nos consumidores das grandes cidades brasileiras, 15 pecuaristas estabelecidos nesse santuário mantêm a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), criada em 2001. Sua meta é passar dos atuais 110 mil hectares de pastos certificados para a criação de boi orgânico para 135 mil hectares, um crescimento de quase 23%. “Esse crescimento de área pode significar um acréscimo de 12 mil animais no sistema”, diz Silvio Baduíno, diretor- executivo da ABPO. “Em 2001, quando começamos, a área era de apenas 20 mil hectares.” Os pecuaristas da ABPO têm um rebanho de 60 mil bovinos, a maior parte da raça nelore ou cruzada com outras raças, entre elas a braford. No ano passado, os pecuaristas da ABPO faturaram R$ 10 milhões com a venda de seis mil animais, 500 por mês, ao grupo JBS-Friboi, com o qual eles mantêm uma parceria de exclusividade. “Com mais gado certificado, poderemos aumentar a oferta de carne orgânica no mercado, que ainda é muito pequena”, diz Baduíno. O grupo JBS-Friboi opera em duas marcas de carne orgânica, a Organic Beef e a Swift Orgânicos, vendidas em supermercados e butiques de produtos naturais de grandes cidades. “Para os próximos três anos, o projeto é chegar a 120 mil animais no sistema de criação orgânica, acompanhando o crescimento da demanda da indústria”, diz Baduíno.
Para aumentar a criação de bois orgânicos, a ABPO precisa de mais parceiros como o pecuarista Barros, que fundou a Associação em 2001. “Há alguns anos vinha percebendo que poderia haver mercado para a carne orgânica”, diz Barros. Com a ABPO, o produtor aumentou o lucro de sua fazenda. As contas mostram que o boi orgânico é viável. O aumento do lucro do produtor, por boi, vem do bônus pago pelo frigorífico, da ordem de 10% sobre o preço da arroba do boi comum. “Se considerarmos a arroba a R$ 90, o preço final chega a R$ 99”, diz Baduíno. Para animal de 16 arrobas, que é o peso de abate, o prêmio por cabeça chega a R$ 144. “Quando juntamos um carregamento de bois para o frigorífico, o prêmio faz uma boa diferença na hora de fechar as contas da fazenda”, diz Barros.
PRÊMIO: segundo Silvio Baduíno, da ABPO, o JBS paga bônus de 10% para o produtor que cria boi orgânico. É na fazenda Nhumirim (acima) que a Embrapa testa capins mais nutritivos e adaptados à região. O rio Paraguai (acima, à dir.) separa Corumbá da estrada de terra batida que leva à sub-região da Nhecolândia
A pecuária orgânica, que pode parecer muito próxima da convencional, à primeira vista – por causa do modelo de criação a pasto adotado no País -, tem diferenças fundamentais. A principal é o controle rigoroso da criação, com auditagem e vistorias permanentes do rebanho. As auditorias são realizadas pelo Ministério da Agricultura. As vistorias na ABPO ficam a cargo do Instituto Biodinâmico (IBD), empresa brasileira com sede em Botucatu (SP), responsável por certificações agropecuárias internacionais. “Escolhemos o IBD porque, no futuro, queremos exportar carne”, diz Baduíno. “E, se isso acontecer, já estamos alinhados com uma entidade de validação reconhecida em outros países.” O IBD é ligado à Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam, na sigla em inglês), entidade que congrega pecuaristas de 116 países, nos quais é monitorada a produção em 26 milhões de hectares. O IBD também tem validações do Dakks, o instituto alemão de certificações, e do USDA Organic, a seção de orgânicos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
Para cumprir as exigências da certificação e desenvolver tecnologias para melhorar o desempenho da criação de bois orgânicos, desde 2006 a ABPO tem uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Pantanal, com sede em Corumbá. A fazenda Nhumirim, unidade experimental da Embrapa, ocupa uma área de 4,3 mil hectares e nos próximos meses deve receber a certificação de orgânico para mil hectares de pastos. “Nós já havíamos certificado o manejo sanitário do gado”, diz André Steffens Moraes, pesquisador da unidade. “Agora, estamos certificando a comida do gado.” Desde o ano 2000, a Nhumirim é patrimônio natural mundial e reserva da biosfera, título dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco).
Nas pesquisas, os estudiosos da Embrapa pretendem encontrar e desenvolver capins mais nutritivos para alimentar o gado. “A conta de quantos quilos de carne são produzidos por hectare é uma medida econômica que mostra se um pecuarista é eficiente”, diz Moraes. Como no Pantanal os pastos não são adubados, já que a cada cheia dos rios a água levaria o adubo embora, há uma menor disponibilidade de capins com mais proteína, como ocorre nas fazendas em que o pasto recebe adubo e o solo é corrigido. No Pantanal, a média de animais por hectare é de meia cabeça, enquanto que em regiões de pecuária top de linha a média pode chegar a três cabeças.
Para aumentar a disponibilidade de pasto com espécies nativas mais nutritivas, a Embrapa criou na fazenda Nhumirim um banco de germoplasma, material genético de uso imediato ou com potencial de uso futuro. Ali, os pesquisadores testam a produção de massa verde das diferentes gramas e capins coletados no Pantanal. “Estamos em busca de variedades de capins que promovam um maior ganho de peso dos animais”, diz Moraes. Segundo Cleomar Berselli, assistente de pesquisas e administrador da Nhumirim, além do teste no campo, com o banco de germoplasma a Embrapa vem fazendo o melhoramento genético dessas plantas por meio de cruzamentos. “Estamos testando 20 variedades de sementes, e a intenção é aumentar para 30”, diz Berselli.
Mas o modelo orgânico, que ainda inclui manter o animal solto no pasto cultivado sem adubação química e tratado apenas com medicamentos homeopáticos, está longe de ser um sistema barato de criação. “O custo para produzir o boi orgânico é o ônus do desafio de criar um mercado para os nossos produtos”, diz Baduíno. Para o pesquisador Moraes, da Embrapa Pantanal, o pecuarista pantaneiro deveria receber pelo menos 15% a mais pelo boi orgânico que produz. “Enquanto essa valorização maior não vem, apostamos na pesquisa para desenvolver tecnologias que ajudem o produtor a ser mais eficiente”, diz.